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PGR viu conflito de interesse em bônus para advogados da União

A PGR (Procuradoria-Geral da República) entrou com uma ação de inconstitucionalidade no STF (Supremo Tribunal Federal), em 2018, contra a lei federal que permitiu o pagamento de bônus a advogados da União e procuradores federais.

Para a então procuradora-geral, Raquel Dodge, o pagamento do bônus —cujo nome técnico é "honorário de sucumbência"— era incompatível com o regime de salários do serviço público, pois a categoria já é remunerada pela União para desempenhar suas funções.

Além disso, o pagamento do bônus poderia gerar conflito de interesses na atuação dos membros da AGU (Advocacia-Geral da União), na avaliação da procuradora.

Dodge também avaliou que o uso de recursos para pagar o bônus representava uma "renúncia tácita de receita" por parte da União.

O UOL calculou que o país deixou de arrecadar R$ 11 bilhões desde 2017 para pagar o benefício.

Já na avaliação da AGU, os recursos usados para pagar o bônus são uma "verba privada pertencente aos advogados públicos federais".

Além desta ação, Dodge entrou com mais 27 ações questionando o pagamento de bônus nos estados e no Distrito Federal, onde procuradores estaduais também recebem o benefício.

O Supremo julgou a ação proposta pela PGR em 2020 e decidiu que os membros da AGU poderiam sim receber o bônus.

A corte, porém, estabeleceu que a soma do bônus com o salário não poderia passar o teto do funcionalismo público.

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O entendimento foi adotado de forma semelhante nas outras ações que questionam os honorários dos estados e do DF.

O correto seria classificar [as verbas] atualmente como renúncia tácita de receita, e não como receita privada (...) Em nenhum momento [a lei] reconheceu ou conferiu natureza privada a tais verbas, tendo, pelo contrário, dispensado a estes recursos tratamento reservado aos assuntos de interesse tipicamente públicos. Raquel Dodge então procuradora-geral da República, em 2018

A possibilidade de advogados públicos perceberem verbas honorárias sucumbenciais não afasta a incidência do teto remuneratório. Alexandre de Moraes ministro do STF, em 2020

Sede da PGR, em Brasília
Sede da PGR, em Brasília Imagem: MPF

Quais eram os argumentos da PGR

Segundo a PGR, em 2018, os "honorários de sucumbência" são uma instância da advocacia privada, que não poderia ser transposta para a advocacia pública.

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Na esfera privada, os honorários pagos por quem perde uma causa tem o objetivo de ajudar a custear a atividade dos advogados, que nem sempre possuem salário e precisam manter uma estrutura própria de escritório e equipamentos para sua atuação.

Já os membros da AGU, argumentou a PGR, recebem salário e benefícios fixos, têm estabilidade, além de utilizarem a estrutura do Estado em sua atuação. Não precisam pagar funcionários ou locar espaços físicos, por exemplo.

Além disso, a PGR pontuou que o sistema de remuneração dos servidores públicos só prevê o pagamento de verbas extras em casos excepcionais, quando o servidor atua fora de suas atribuições tradicionais.

Em outras palavras, não seria permitido aos advogados públicos receber verba extra justamente por advogar para o poder público.

Se tais verbas fossem privadas, não seria possível a utilização da estrutura física e de pessoal da AGU para elaboração de peças jurídicas (...) nem sua elaboração poderia ocorrer durante a jornada de trabalho. Raquel Dodge então procuradora-geral da República, em 2018

Para que gratificação ou adicional pecuniário seja legitimamente percebido, faz-se necessário que não decorra de trabalho normal, mas possua fundamento no desempenho de atividades extraordinárias, que não constituam atribuições regulares desempenhadas pelo agente público. Raquel Dodge então procuradora-geral da República, em ação que contestou o bônus pago em São Paulo, em 2019

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Em relação ao conflito de interesse, a PGR apontou o risco de que membros da AGU priorizassem resultados que gerassem bônus a curto prazo, em vez de buscarem atender melhor os interesses coletivos.

O risco de conflito de interesse se daria nas duas formas de arrecadação de recursos do bônus. A principal é uma taxa de até 20% paga por quem quita dívidas com a União.

Outra parcela menor vem do pagamento de honorários advocatícios por quem perde ações contra o Estado.

Dodge afirmou também que a destinação das verbas para o bônus configura "renúncia tácita de receita".

A procuradora citou uma lei de 1969 que determinava que a taxa da dívida deveria ser "recolhida aos cofres públicos, como renda da União".

Essa lei não foi revogada. Por isso, avaliou Dodge, esse dinheiro "era e continua, portanto, sendo de propriedade da União".

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Quais eram os argumentos a favor do bônus

Em sua defesa, a AGU alegou que a Constituição não proibiu os advogados públicos de receberem honorários de sucumbência como os advogados privados.

Ao julgar a ação sobre os honorários da AGU, o ministro Marco Aurélio Mello foi o único que concordou com os argumentos da PGR e considerou irregular o recebimento dos honorários por advogados públicos.

Todos os outros dez ministros da corte votaram para liberar o pagamento do recurso, desde que seguindo o teto do funcionalismo público.

Destaque-se, ainda, como bem demonstrado pela AGU, que a Emenda Constitucional 19/98 não assentou qualquer objeção explícita à transposição dessa garantia profissional para o contexto da advocacia pública. Alexandre de Moraes ao julgar ação da PGR em 2020