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Construtora de Milton Leite negociou para receber repasses da SPTrans

A Neumax, construtora de Milton Leite, ex-presidente da Câmara Municipal de São Paulo, negociou autorização para receber repasses da SPTrans, em um acordo com indícios de conflito de interesse.

A Cooperpam recebeu repasses entre 2003 e 2015. A cooperativa de ônibus se tornou a Transwolff, em 2015, empresa que virou alvo de investigação em 2024 por suspeita de lavar dinheiro para o PCC.

A Neumax negociou em 2010 a venda de um terreno para a cooperativa.

Um dos documentos dessa negociação autorizava a construtora do ex-vereador a receber o pagamento da SPTrans, empresa pública vinculada à Prefeitura de São Paulo, no lugar da Cooperpam.

"O presente termo aditivo autoriza os vendedores [Neumax] a negociar, da melhor forma, junto à São Paulo Transportes, os recebíveis da aqui denominada compradora [Cooperpam], os valores do contrato principal, bem como do presente termo aditivo", diz um trecho do documento obtido pela reportagem.

Procurado pelo UOL, Milton Leite não negou o teor do aditivo, mas se referiu aos "recebíveis" citados no texto como "garantia" de pagamento.

"Quanto à garantia outorgada pela vendedora na referida venda, ademais de ser absolutamente legal e corriqueiramente usual, é certo que jamais foi exercida, ou seja, em nenhum momento houve qualquer repasse de qualquer valor do município", afirmou, em nota.

O especialista em governança pública Guilherme Mendes, controlador-geral do município de São Paulo entre 2017 e 2018, entende que o dinheiro público pode ter sido usado diretamente para quitar uma dívida entre empresas privadas.

Mendes cita a Lei Orgânica do Município, que proíbe um vereador ou empresas das quais ele é sócio de ter contrato com órgãos da administração da cidade. "Trata-se de relação negocial bastante incomum e está em desacordo com as vedações legais que disciplinam o conflito de interesses", afirma.

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Fernando Neisser, advogado e professor de direito da FGV (Fundação Getúlio Vargas), endossa a análise e diz que a situação é "muito estranha" e com "possível conflito de interesse. "Há indícios que [o caso] merece uma investigação profunda", afirma.

Salete dos Santos consta no documento como testemunha.

Ela já trabalhou nos gabinetes de Milton Leite Filho e de Alexandre Leite, que são filhos de Milton Leite e sócios da construtora, e depois foi nomeada para um cargo de confiança na SPTrans, onde trabalhou até o mês passado. A reportagem não conseguiu localizá-la.

Ela foi responsável, entre outras atividades, pela assessoria de controle de arrecadação de dinheiro na SPTrans.

Trecho do aditivo citado na reportagem
Trecho do aditivo citado na reportagem Imagem: Reprodução

Leite e Pandora

A investigação da Operação Fim da Linha, conduzida pelo MP-SP (Ministério Público de São Paulo), apura se Leite é sócio oculto de Luiz Carlos Efigênio Pacheco, o Pandora, presidente afastado da Transwolff.

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Pandora também liderava a TW quando a empresa ainda se chamava Cooperpam. Foi ele quem assinou o contrato com a Neumax. O ex-vereador nega que tenha sociedade com o empresário.

Para os promotores, Pandora é integrante do PCC. Ele nega.

Os advogados de Pandora e da Transwolff afirmam que o teor do aditivo é comum.

"Com base no contexto das operações do setor, esclarecemos que a cessão de direitos sobre recebíveis da SPTrans é uma prática comum entre empresas do subsistema distribuidor, anteriormente organizadas como cooperativas. Essas empresas utilizam os recebíveis como garantia em financiamentos, viabilizando a aquisição de veículos e a continuidade dos serviços de transporte público", afirmam à reportagem.

Procurada, a SPTrans informa desconhecer qualquer negociação e não localizou registros de pagamento ou contrato com a Neumax.

Trecho do documento do terreno citado na reportagem, que cita a metragem das áreas
Trecho do documento do terreno citado na reportagem, que cita a metragem das áreas Imagem: Reprodução
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Terreno na zona sul

O terreno vendido tem 55 mil m² e fica perto da Estrada do Itaim, na Capela do Socorro, zona sul de São Paulo.

Esse espaço foi comprado pela Neumax por R$ 2 milhões em 2009.

A construtora pertence a Milton Leite e seus filhos, o deputado estadual Milton Leite Filho e o deputado federal Alexandre Leite. Os três são filiados ao União Brasil.

Em 2010, a Neumax assinou um contrato de compromisso de compra e venda do terreno com a Cooperpam.

O terreno da Neumax foi vendido de fato à Cooperpam por R$ 4,3 milhões em 11 de abril de 2012, conforme documentação obtida pelo UOL.

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O valor foi corrigido para R$ 11,3 milhões três meses depois, em 12 de julho de 2012. O aumento foi de 162,79%.

Trecho do documento do terreno citado na reportagem, que cita o valor retificado
Trecho do documento do terreno citado na reportagem, que cita o valor retificado Imagem: Reprodução

O UOL perguntou à construtora o motivo do aumento, mas a resposta enviada não explica a situação.

"A repórter confunde o preço total pago por uma área de mais de 55.000,00 m² (exatamente cinquenta e cinco mil, oitocentos e noventa e nove metros quadrados) com a área de um aditivo de pouco menos de 10.000,00 m² (nove mil, novecentos e quarenta e cinco metros quadrados), querendo fazer acreditar que teria havido um aumento desarrazoado de preço, o que efetivamente não é verdade", diz a nota.

Não há confusão: o terreno cujo valor saltou 162,79% compreende duas áreas, uma de 45.954 m² e uma de 9.945 m², conforme documentos de cartório obtidos pela reportagem.

"Não é comum", avalia a advogada Kelly Durazzo, conselheira jurídica da CBIC (Câmara Brasileira da Indústria da Construção), referindo-se à alteração do valor.

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"Nunca vi [um caso assim]", acrescenta ela, que tem mais de 20 anos de experiência no mercado imobiliário e preside a Comissão de Loteamentos da OAB-SP.

O terreno foi bloqueado judicialmente em abril de 2024, no âmbito da Operação Fim de Linha. Na prática, significa que o terreno não pode sofrer modificações ou ser vendido.