Queimadas e grandes obras na Amazônia constrangem governo no ano da COP30

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Bandeira eleitoral de Lula e depois vitrine do governo no exterior, a conservação ambiental no Brasil decepciona cientistas às vésperas da 30ª Conferência da ONU sobre Mudanças Climáticas, a COP30, que acontece em novembro no Pará.
Raio-X
Enquanto as queimadas continuam sendo um problema nos biomas brasileiros, governo promete dinamizar a economia com projetos questionados por ambientalistas. Entre eles, o de extração de petróleo perto de manguezais e a construção de uma ferrovia na Amazônia e de uma hidrovia no Pantanal.
Lula garantiu em campanha que meio ambiente seria prioridade. Para recuperar a imagem do Brasil no exterior, o presidente nomeou Marina Silva ministra da pasta para resolver graves problemas deixados pelo ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), que desestruturou órgãos de controle e acabou com políticas públicas para o setor.
Queimadas batem recorde. Elas caíram 64% na Amazônia em 2024, mas quebraram recordes nos outros biomas. O fogo queimou uma área maior que a Itália: 30,8 milhões de hectares na Amazônia, Pantanal e Cerrado, 79% mais queimadas que em 2023 e a maior área afetada desde 2019, início das medições do Monitor do Fogo, do MapBiomas.
Pantanal foi o mais atingido. O bioma teve 17% de sua área total queimada no ano passado, ou 2,6 milhões de hectares, três vezes mais que em 2023. Sob Bolsonaro, no entanto, 2020 bateu o recorde: foram 4,5 milhões de hectares queimados —30% do bioma.
Desmatamento da Amazônia voltou a crescer neste ano. Mesmo com o controle do desmatamento na floresta amazônica em 2024 (65% menor que no pior ano de Bolsonaro), ele voltou a crescer em janeiro de 2025. Saltou 68% em relação a janeiro do ano passado: 133 km² de floresta desmatada, segundo o SAD (Sistema de Alerta de Desmatamento), do Imazon.
Em nota, Governo Federal defendeu medidas adotadas. "Em 2024, o Brasil enfrentou a seca de maior extensão e intensidade dos últimos 74 anos", afirmou o governo. "Diante desse cenário, o Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima (MMA) intensificou suas ações de enfrentamento aos incêndios florestais."
Foco em combustível fóssil
O governo quer gastar o triplo em combustível fóssil. Embora Lula tenha prometido privilegiar o investimento em energias limpas, o governo planeja investir R$ 288 bilhões em petróleo e gás de 2023 a 2026, contra R$ 87 bilhões em fontes renováveis, diz relatório da Human Rights Watch.
No mês passado, o Brasil aderiu à Opep+ e irritou ambientalistas. Criada em 1960 para controlar a produção e venda de petróleo, a Organização dos Países Exportadores de Petróleo controla 40% da produção mundial do produto. "O Brasil insiste em caminhos opostos em um momento em que deveria liderar pelo exemplo", afirma André Guimarães, diretor-executivo do Ipam (Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia).
Agrotóxicos e prevenção
A liberação de agrotóxicos já é proporcionalmente maior no governo Lula. Foram aprovados 1.218 agrotóxicos e defensivos nos dois primeiros anos de mandato, contra 2.182 nos quatros anos de Bolsonaro.
O Congresso tirou do Meio Ambiente a regulação sobre esse tema. No ano passado, deputados e senadores entregaram essa prerrogativa ao Ministério da Agricultura e Pecuária, reduzindo a influência do Ibama e da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) ao aprovar a nova lei dos agrotóxicos, apelidada de "Pacote do Veneno".
Governo tirou dinheiro para prevenção de desastres. Mesmo depois da tragédia climática no Rio Grande do Sul no ano passado e das queimadas no Pantanal, o governo reduziu de R$ 1,9 bilhão para R$ 1,7 bilhão o orçamento para gerenciar e reduzir riscos de desastres ambientais neste ano, segundo o Inesc (Instituto de Estudos Socioeconômicos).
Grandes obras ameaçam biomas

O Ibama questiona exploração de petróleo na Foz do Amazonas. No dia 26 de fevereiro, o instituto recomendou à Petrobras que não faça pesquisas no bloco 59. O Ibama não se convenceu sobre o plano apresentado pela estatal para salvar a fauna em caso de desastre ambiental.
Já são 89 as petroleiras interessadas no bloco 59, um dos 69 da Margem Equatorial. O temor do Ibama é que a licença para o bloco acelere a liberação dos demais, onde potenciais 30 bilhões de barris poderiam ser explorados. A ANP (Agência Nacional de Petróleo) marcou para junho um leilão de diversos campos pelo Brasil, incluindo a Foz do Amazonas.

O governo deveria centrar sua atenção nas áreas de exploração já abertas e gerenciar o potencial delas, sem alastrar a produção de petróleo como se não houvesse limites, isso no meio da crise climática.
Suely Araújo, do Observatório do Clima
Um aceno do governo Lula ao agronegócio é a construção de uma ferrovia no coração da Amazônia. Com 933 quilômetros, a Ferrogrão deve atingir 4,9 milhões de hectares de áreas protegidas, inclusive terras indígenas.
Ao custo de até R$ 34 bilhões, a Ferrogrão promete reduzir o preço do frete ao produtor agrícola. Isso se deve à substituição dos caminhões que trafegam pela BR-163 pelos vagões do trem. Os especialistas afirmam que ferrovias em atividade e outras em fase de construção poderão transportar a produção agrícola sem a necessidade da Ferrogrão.

Contradições
Políticas ambientais voltam ao passado, diz pesquisador. Alas "desenvolvimentistas" do governo defendem o aumento da produção de petróleo e a expansão das fronteiras agrícolas e da mineração, "remetendo a ideias do século 18", compara o pesquisador de mudanças climáticas Marcos Buckeridge, diretor do Instituto de Biociências da USP.

Ao contrário da de outras grandes economias, a matriz energética brasileira é majoritariamente renovável. "Devemos priorizar o desenvolvimento interno ou alinhar nossas ações às metas globais de redução de emissões?", questiona Marcello Rodante, advogado especializado em políticas públicas e mudanças do clima.
Há uma contaminação perniciosa da política nas ciências ambientais. Quando se faz predominar a visão político-ideológica, a ciência por trás dos problemas é corrompida, aumentando o risco de decisões desastradas.
Marcos Buckeridge, cientista
COP30 vem aí

Sem negacionismo climático na COP30. A pasta do Meio Ambiente "não tem nem resquícios do negacionismo climático do governo anterior", diz Buckerige. "Mas precisamos reverberar essa posição perante o mundo, e a COP30 é uma excelente oportunidade."
O desafio será "conciliar duas forças opostas": "O compromisso internacional com a agenda climática e a necessidade interna de atender setores econômicos influentes", diz Rodante. "A exploração de petróleo na Foz do Amazonas gera um paradoxo difícil de ignorar."
Os avanços sob Lula

O governo também coleciona vitórias. Apesar de o desmatamento na Amazônia ter aumentado em janeiro, ele registrou o segundo ano consecutivo de queda em 2024.
O desmatamento no Cerrado caiu 25,7% no ano passado. A redução interrompeu cinco anos consecutivos de alta.
Em agosto do ano passado, o Brasil adotou uma Política Nacional de Transição Energética. Criada para alinhar políticas públicas a metas climáticas, a iniciativa é elogiada por especialistas.
O governo Lula voltou a homologar terras indígenas e quilombolas. Foram 13 territórios indígenas regularizados em dois anos, após a interrupção das demarcações nos anos Bolsonaro. Também foram 21 títulos a comunidades quilombolas.
A duras penas, o governo reconstrói a governança da política ambiental. "Lula inseriu o meio ambiente em vários ministérios, um olhar transversal relevante. Avançou no controle do desmatamento da Amazônia e tem formulado planos de prevenção e controle nos demais biomas", diz a coordenadora do Observatório do Clima.
Há uma inércia devido à inépcia do governo anterior, o que é bastante difícil de reverter. Além disso, houve uma catequese que convenceu parte da sociedade das posições negacionistas.
Marcos Buckeridge, pesquisador