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Governo patina em compra de estoque de grãos que ajuda a segurar inflação

Os estoques públicos de alimentos estão em queda e ajudam a pressionar a inflação. Os produtos com volumes mais baixos são café, trigo, milho, arroz e feijão. Isso limita a possibilidade de intervenção no mercado para estabilizar os preços.

Raio-X

Função de estoques é regular mercados e segurar preços. O Brasil elaborou a política de estoques públicos por meio de aquisições para assegurar preços mínimos aos produtores rurais. No entanto, a legislação atual só permite compras quando os preços estão iguais ou abaixo do mínimo estabelecido.

Pêndulo regulador. O governo costuma comprar alimentos quando há excesso de um produto no mercado, o que barateia seu preço. Ele passa a vender esses alimentos principalmente na entressafra, quando os preços de mercado estão mais altos, funcionando como um pêndulo regulador.

Dificuldade em recompor estoques. Segundo o especialista Carlos Cogo, que é sócio-diretor da Cogo Inteligência em Agronegócio, apesar de o governo querer, não será possível refazer os estoques de alguns grãos como milho e trigo, por exemplo, pois no momento estão custando acima do mínimo estabelecido. O arroz pode ter alguma recomposição, mas em baixo volume, devido à queda nos preços e à grande safra que se espera em breve.

Cenário de alta da inflação aumenta cobrança pelos estoques do governo. Alta dos preços é resultado do aumento da inflação interna, da variação do câmbio, de fatores climáticos e da sazonalidade. Além disso, grande parte dos alimentos são commoditizados, ou seja, o preço está diretamente ligado ao mercado internacional.

Estoques tiveram redução drástica ao longo dos anos. Os dados da Série Histórica de Estoques Públicos de janeiro deste ano, fornecidos pela Conab (Companhia Nacional de Abastecimento), demonstram uma queda geral no volume de alimentos armazenados.

Queda brusca do milho. Em janeiro de 2018, o arroz tinha mais de 22 mil toneladas guardadas, mas os estoques ficaram vazios entre 2023 e grande parte de 2024, fechando o ano com apenas 416 toneladas. O milho teve uma queda ainda mais brusca: de 1 milhão de toneladas em 2018, caiu para 207 mil toneladas em janeiro deste ano.

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Imagem: Arte/UOL
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Números do café chamam atenção. Os estoques públicos estão zerados desde fevereiro de 2023. Em 2017, o país mantinha mais de 41 mil toneladas estocadas, mas esse volume despencou para apenas uma tonelada em 2021. A média se manteve até 2023, quando os estoques foram completamente esvaziados. O preço atual não permite a recomposição.

Trigo e feijão praticamente zerados. O trigo começou a perder volume em 2018, quando havia mais de 14 mil toneladas armazenadas, até ser completamente esvaziado em novembro de 2021. Em outubro de 2024 restavam apenas 31 toneladas, que desapareceram no mês seguinte, sem reposição desde então. O feijão passou anos sem estoque. O grão zerou em 2016 e ficou sem registros entre dezembro daquele ano e novembro de 2023, quando foram armazenadas 45 mil toneladas. Em janeiro de 2025, restavam apenas 38 toneladas.

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O que explica a situação

Política de estoques regulares só foi retomada no governo Lula. A Conab atribui a situação atual ao baixo nível dos estoques na retomada da política, quando encontrou mais de 20 armazéns fechados, estoques zerados e um orçamento de cerca de R$ 2 milhões.

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Governos anteriores teriam escanteado política de estoques reguladores. Retomada apenas em 2023, essa política voltou a ser reforçada no início de março, quando o governo federal a anunciou como uma das medidas para reduzir o custo dos alimentos.

Políticas anteriores pregavam autorregulação. Segundo a economista Flávia Beni, a redução dos estoques está ligada a gestões passadas, influenciada pelo teto de gastos e pela crença na autorregulação do mercado. Para ela, a atual gestão busca recuperar os estoques desmontados.

Historicamente, formação de estoques públicos tem ajudado mais a evitar prejuízos de agricultores. Isso porque quando o produto está com um valor muito baixo, a produção não se paga. Porém, a realidade agora é outra.

Divergências sobre a queda dos estoques. Para Cogo, a redução atual está ligada à defasagem dos preços mínimos, já que os valores no mercado internacional estavam elevados.

Capacidade de armazenagem cresceu, mas ainda é insuficiente. De acordo com a Conab, o país conta com mais de 210 milhões de toneladas de capacidade, um aumento de 25% em dez anos. No entanto, durante o mesmo período, a produção de grãos aumentou significativamente, demandando mais infraestrutura.

Manutenção, encarecimento dos alimentos e custo de estocagem são as maiores dificuldades. O gasto nessa política teria de ser absorvido dentro do orçamento, que já tem problemas para ficar dentro do déficit zero determinado pelo arcabouço fiscal. Se o governo tem necessidade de fazer cortes, vai ter de escolher em que gastar o dinheiro que resta no caixa.

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Os próximos passos

Governo avalia mudanças na legislação. Atualmente, a companhia só pode intervir quando os preços estão abaixo do mínimo estabelecido para a safra, o que limita sua atuação no controle da inflação dos alimentos. As alterações visam permitir que a Conab também atue em períodos de alta dos preços, algo ainda restrito pelo marco regulatório. Isso teria de ser aprovado no Congresso.

Ampliação de orçamento anual. Com a aprovação do Orçamento de 2025 pelo Congresso, a Conab terá R$ 490 milhões para a formação de estoques públicos de arroz, feijão e milho, mais de três vezes o valor do ano passado, quando havia R$ 124 milhões disponíveis.

Medidas alternativas também são estudadas. Segundo a Conab, o governo está discutindo ações para melhorar a produção de alimentos e controlar os preços. Uma das principais estratégias é a preparação do Plano Safra 25/26, que será mais direcionado aos alimentos da cesta básica. Diante da colheita da atual supersafra, o objetivo é que a próxima continue seguindo na ampliação na oferta.

Expansão das produções. A meta do governo é alcançar pelo menos 200 mil toneladas de arroz e de milho e 45 mil toneladas de feijão. Desde 2023, com a retomada da política de estoque, a área cultivada de arroz e feijão aumentou significativamente. Comparando o terceiro levantamento da safra 2022/23 com o da safra 2024/25, a área plantada de feijão cresceu em 4,1%, enquanto a produtividade subiu 16%, chegando a 3,36 milhões de toneladas.

Controle de gastos como solução. Para Carlos Cogo, a melhor forma de conter a alta dos alimentos é reduzir os gastos públicos, diminuindo o déficit e evitando a inflação. Ele também defende a diminuição da taxação sobre insumos agrícolas, aliviando os custos para os produtores.

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Economista pede maior investimento. A economista Carla Beni, que também é professora da FGV, considera os investimentos anunciados pelo governo positivos, mas acredita que ainda não são suficientes.

Nossos estoques estão sendo recompostos passo a passo. Temos ainda de enfrentar a nossa legislação, que só nos permite comprar quando o preço está abaixo do preço mínimo, o que tem sido muito difícil devido à demanda aquecida interna e externamente.
Conab

A legislação brasileira para formação de estoques é da década de 1960 e precisa ser atualizada para a realidade atual e para os desafios do momento. O governo entende que estoques de alimentos têm um duplo papel estratégico, sendo o tradicional, que é garantir preços aos produtores para que sigam plantando, e agora, com a nova realidade, os estoques devem contribuir para garantir a segurança alimentar do brasileiro.
Conab

O estoque regulador é uma ferramenta tão importante que o governo japonês já anunciou que vai usar parte dos seus estoques reguladores para vender arroz, porque eles estão com problema de quebra de safra e isso vai manter o preço final para a população.
Carla Beni, economista e professora da FGV

Os preços dos alimentos globais subiram para patamares maiores depois da pandemia, não no Brasil, no mundo todo. Então esses preços mínimos não foram sendo reajustados conforme esse aumento, e aí ficaram atrasados, e o governo não tem mais estoque.
Carlos Cogo, sócio-diretor da consultoria Cogo Inteligência em Agronegócio