Criminoso mais procurado do Rio, patrono do Salgueiro vende cigarro ilegal
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No Rio conflagrado pelo crime organizado, líderes de milícias e facções dominam territórios na maior parte do estado.
O principal deles, segundo policiais federais, militares, civis e promotores, é um fabricante de cigarros falsificados.
Adilson Oliveira Coutinho Filho, o Adilsinho, 54, patrono da escola de samba Acadêmicos do Salgueiro, é apontado pelas autoridades do Rio como um bicheiro que se assemelha aos mafiosos da Itália e dos Estados Unidos.
Para obter controle territorial, negocia com facções distintas, grupos milicianos e policiais corruptos.
Para ser querido, investe muito dinheiro para lavar sua imagem.

Desde 6 de fevereiro, Adilsinho tem pedido de prisão preventiva pelos crimes de homicídio, tentativa de homicídio e sequestro.
Os crimes estão relacionados, segundo o Ministério Público, à venda ilegal de cigarros da "Banca da Grande Rio", grupo que atua em Duque de Caxias, região metropolitana do Rio.
Em 27 de março, uma megaoperação conjunta da PF, MPF (Ministério Público Federal), Polícia Civil e Receita Federal mirou a quadrilha que seria chefiada por Adilsinho.
Foram cumpridos 12 mandados de prisão no Rio de Janeiro. Outros nove procurados não foram localizados pelas forças policiais. Adilsinho está entre os que continuam foragidos.
A operação também emitiu ordens de bloqueio, sequestro e apreensão de bens, avaliados em R$ 350 milhões.
Festa no Copacabana Palace
Adilsinho ficou conhecido em 14 de maio de 2021, ao promover uma festa de aniversário para 500 pessoas no Copacabana Palace, com shows de Alexandre Pires, Gusttavo Lima, Ludmilla e Mumuzinho.

Ele e seu irmão Cláudio são apontados como chefe da organização, também envolvida com jogo do bicho, exploração de bingos e máquinas caça-níqueis.
Segundo o MP, a Banca da Grande Rio compra cigarros Club One da fabricante Companhia Sulamericana de Tabacos, que teve o registro cancelado em 2023.
Feitos em Duque de Caxias, os produtos são levados em caminhões para centros de distribuição do estado.
Dali são repassados a "operadores", que obrigam comerciantes locais a vendê-los de forma exclusiva.
O lojista que tenta escapar do esquema pode ter mercadoria apreendida e a "integridade física ameaçada", diz a Promotoria.
Adilsinho e Cláudio comandam Duque de Caxias, cada um de um lado da linha do trem, conforme o MP.
O "escritório" da Banca ficava, até anos atrás, no mesmo local: um imóvel com característica residencial no bairro Chacrinha, sob jurisdição de Adilsinho.
A dupla tem empresas que, para a investigação, "servem como verdadeira 'fachada' para tentar dar aparência lícita aos negócios espúrios comandados pelos 'patrões'".
É por meio dessas empresas que os cigarros C-One são produzidos, com notas fiscais falsas usadas para justificar a saída dos cigarros.
Apesar da atuação em Duque de Caxias, os "patrões" recebiam o dinheiro em casa, na Barra da Tijuca, na zona oeste do Rio.
Cada um dos irmãos vendia de 600 a 1.000 caixas de cigarros por mês. Cada caixa tem 50 pacotes. Em cada pacote vão 10 maços (com 20 cigarros cada um).
"O montante de unidades comercializadas pelo bando, levando-se em conta apenas o 'escritório' de Duque de Caxias, alcança marcas que ultrapassam a 10 milhões de cigarros por mês", apontam os investigadores.

Trabalho análogo à escravidão
Em março de 2023, a PF libertou 19 paraguaios que trabalhavam em condições análogas à escravidão em uma fábrica clandestina de cigarros em Duque de Caxias ligada a Adilsinho.
Segundo a investigação, as vítimas chegaram ao Brasil com os olhos vendados, sem saber a cidade onde iriam trabalhar, trabalhavam todos os dias da semana, em jornada de até 12 horas, incluindo a madrugada.
Segundo a PF, os cigarros eram vendidos por preços bem abaixo do mercado: R$ 4 o maço.
As vítimas eram alojadas dentro da própria fábrica e conviviam com resíduos do cigarro, animais e esgoto a céu aberto.
Elas não recebiam dinheiro e tinham liberdade restrita.
Os trabalhadores afirmaram, após o resgate, que vieram ao Brasil com a promessa de trabalho em uma fábrica de roupas.
Na fábrica, mantinham contato com uma pessoa que se apresentava armada e com uma máscara no rosto.
Revelações de delator
A delação de um comerciante de comidas, bebidas e cigarros de Duque de Caxias colocou Adilsinho ainda mais na mira da polícia.
Num primeiro momento, ele teve cigarros roubados e passou a ser obrigado, sob ameaça, a vender exclusivamente os que chegavam com a Banca.
O delator se aproximou dos criminosos e virou operador: distribuía os cigarros para os comerciantes vítimas e fiscalizava os pontos de venda.
Em 2019, ele teve problemas com integrantes da Banca e se afastou. Após o rompimento, passou a receber ameaças.
Foi quando decidiu ir ao Ministério Público oferecer informações em troca de segurança.
O acordo foi assinado em 27 de novembro de 2019. Na mesma data, integrantes da organização arrombaram o comércio do delator e roubaram itens e móveis.
Crimes em série
Adilsinho é o principal suspeito de ter mandado matar Marco Antônio Figueiredo Martins, conhecido como Marquinhos Catiri, em novembro de 2022.
Catiri era chefe de uma milícia que atuava na zona oeste e que tentava se expandir para a zona norte. O segurança Alexsandro José da Silva, conhecido como Sandrinho, também foi morto.
O elo de Adilsinho com esses crimes é o ex-cabo da PM Rafael do Nascimento Dutra, suspeito de chefiar um grupo de extermínio e que prestaria serviços à Banca da Grande Rio.
Conhecido como Sem Alma, expulso da corporação em 2023 e com cinco mandados de prisão em aberto, ele seria segurança de Adilsinho.

Em fevereiro de 2024, o advogado Rodrigo Marinho Crespo, 42, também foi assassinado à luz do dia a poucos metros da sede da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil), no Centro do Rio.
Ele atuava com assessoria jurídica a corretoras de criptomoedas e causas relacionadas a jogos legais. Adilsinho também é suspeito de ser o mandante.
Ao todo, Adilsinho é suspeito de participação em ao menos 20 crimes na disputa pelo controle da venda ilegal de cigarros e exploração de máquinas caça-níqueis.

A lavagem de imagem
Semanas antes da megaoperação da Polícia Federal que prendeu 12 pessoas, o nome de Adilsinho era anunciado como patrono do Salgueiro pelo locutor do sambódromo da Sapucaí.
No esquenta, na segunda noite de desfiles, Adilsinho foi agradecido publicamente pelos investimentos feitos à escola. No Setor 1, tremulavam bandeiras com a foto do bicheiro.
À frente da escola, convidados desfilaram com blazer vermelho trazendo a frase "Amigos do Patrono" bordada nas costas.
Entre as personalidades que usavam a roupa estavam o surfista e ex-BBB Pedro Scooby e a atriz e modelo Cíntia Dicker.