A polêmica dos cavaletes de Lina Bo Bardi no Masp: pode vender ou não?

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Quem já visitou o Masp provavelmente se lembra dos cavaletes de vidro que sustentam as obras. Criados pela arquiteta Lina Bo Bardi nos anos 1960, os célebres suportes estão à venda para arrecadar recursos para o museu — inclusive no exterior.
A história já era sabida, mas só agora chamou atenção do Iphan (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional).
O instituto apura possíveis irregularidades, já que afirma não ter sido informado sobre a transação nem ter autorizado a saída de nenhum exemplar do país.
Ao UOL, o Masp diz que colocou 20 dessas unidades à venda em 2022, por R$ 75 mil cada. As peças foram oferecidas a patronos e conselheiros, e depois ao público em feiras de arte.
Um dos exemplares foi vendido naquele mesmo ano na feira Art Basel Miami Beach, segundo o jornal Folha de S.Paulo, por cerca de US$ 60 mil (cerca de R$ 310 mil, à época). Uma galeria de arte confirmou a venda, mas disse apenas que a peça está com um colecionador estrangeiro.
Desde 2004, tanto o edifício do Masp quanto os cavaletes projetados por Lina Bo Bardi estão protegidos em nível federal.
Embora a venda não seja proibida, ela deve ser previamente comunicada ao Iphan, e a exportação depende de autorização formal.
Se a irregularidade for confirmada, a venda pode ser cancelada. Caso também seja comprovada a saída das peças do país sem autorização, o Masp pode ser multado em até 50% do valor dos cavaletes e ser obrigado a devolvê-los.

Por que os cavaletes causam tanto debate
Lina Bo Bardi projetou em 1968 o sistema de exposição que tornaria o Masp conhecido em todo o mundo.
Em vez de pendurar os quadros nas paredes, ela criou cavaletes de vidro (não de cristal, ao contrário do que o nome sugere) e concreto que deixavam as obras "suspensas" no espaço.
O visitante podia ver a pintura de frente e, no verso, ler as informações sobre a obra.
A proposta era radical para a época. Em resposta a uma crítica publicada em 1970 — que dizia ser difícil ver os quadros por causa da transparência e das "pernas dos visitantes" aparecendo por trás —, Lina rebateu com ironia: "O museu é popular".
Feitos de vidro temperado e concreto, os cavaletes pesam cerca de 89 quilos cada um. Segundo o Masp, ao longo dos anos muitos deles foram se deteriorando e deixaram de atender aos padrões de conservação exigidos.
O vidro das peças começou a apresentar riscos e, nos anos 1990, houve casos de estilhaçamento que chegaram a danificar obras do acervo.
Em 1996, a direção do museu decidiu substituí-los por paredes brancas tradicionais — o que gerou críticas de arquitetos e pesquisadores, que viam nos cavaletes o símbolo de um museu mais aberto e menos subordinado a padrões europeus.
Em 2015, o conceito dos cavaletes voltou ao museu. Réplicas modernizadas, feitas com vidro reforçado e estrutura adaptada para atender às normas de segurança, sustentam as telas da coleção permanente.
"Lina pensava esses suportes como forma de romper com o distanciamento tradicional entre o público e a arte", diz Luiza Batista Amaral, professora da Escola de Belas Artes da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro), que estuda a trajetória dos cavaletes.
Ela lembra, porém, que o projeto enfrentou resistências desde o início -- tanto por questões técnicas quanto simbólicas.
A troca em 1996 foi um marco. "Ali se perdeu algo fundamental do projeto original: a relação horizontal com o visitante."
Para Luiza, a venda das peças reacende o debate. "Os cavaletes foram transformados em fetiche e agora circulam como peças de luxo. O que está em jogo é o tipo de memória que o museu quer preservar — e o que ele está disposto a vender."

Investigação em curso
O Iphan abriu processo administrativo em 5 de junho para apurar a situação dos cavaletes tombados. A apuração envolve fiscalização, elaboração de parecer técnico e análise da Procuradoria-Geral Federal.
A direção do Masp nega qualquer irregularidade e afirma que a venda foi feita de forma transparente.
Em nota enviada ao UOL, o departamento jurídico do museu argumenta que o tombamento de 2004 reconhece os cavaletes como parte do conjunto museográfico criado por Lina Bo Bardi, mas "não como bens tombados de maneira individual e autônoma".
O museu afirma ainda que os cavaletes foram produzidos em escala industrial entre 1968 e 1996 e que 91 estruturas estiveram guardadas após a retirada das exposições.
A instituição reafirma seu compromisso "com a sustentabilidade institucional, a transparência administrativa e a valorização crítica do legado de Lina Bo Bardi", tentando equilibrar, segundo o texto, a preservação histórica e práticas museológicas atuais.