A nova bolha

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Exclusivo

A sua internet não é igual à de todo mundo: ela leva até você conteúdo personalizado. Mas será que essa "bolha" sabe mesmo o que você quer e do que realmente precisa?

Por Juliana Carpanez

Seguir alguém no Facebook não garante que você verá todas as atualizações feitas por aquela página ou pessoa. Da mesma forma que uma busca no Google pode mostrar resultados diferentes para o mesmo perfil dependendo em qual máquina seja feita. Essa seleção tenta entregar ao internauta aquilo que realmente faz sentido para ele. Ou, como diz uma frase atribuída a Mark Zuckerberg; a morte de um esquilo, na frente de sua casa, pode ser mais importante para você do que pessoas morrendo na África.

A forma como cada um usa a internet dá origem a bolhas personalizadas de conteúdo, que existem graças aos algoritmos - conjunto de regras para executar uma tarefa ou resolver um problema. "Os algoritmos deixaram de funcionar como uma receita tradicional de bolo e se adaptaram ao gosto do freguês; esta pessoa quer um bolo só de maçã, mas a outra também quer canela", explica Fábio Gandour, cientista-chefe do Laboratório de Pesquisas da IBM Brasil.

Como a internet sabe do que você gosta?

A tendência dessa personalização é a internet trabalhar cada vez mais para o usuário se esforçar cada vez menos. Em comunicado ao TAB, o Facebook afirma que o envio do conteúdo terá um "timing preciso" à medida que o sistema conhecer mais profundamente os hábitos de cada um.

Nesse sentido, a meta do Google é antecipar as perguntas - até mesmo para antes delas serem feitas. Esse terreno já começa a ser explorado pelo serviço Google Now, que indica espontaneamente quanto tempo se leva para chegar ao trabalho e se há algum acidente naquela rota. Pelos planos da Netflix, não será preciso fazer escolhas; na hora do clique, o aplicativo saberá qual o conteúdo mais adequado para exibir naquele momento.

Hoje, quando alguém pesquisa um produto, a publicidade pode segui-lo durante a navegação. Mas o apelo será bem maior se essa mesma propaganda - usando dados coletados da internet - mostrar automóveis com a cor, marca e acessórios favoritos do usuário. "Não é para ter medo, mas sim consciência sobre a situação", afirma Gandour sobre a influência que esses sistemas poderão ter sobre a vida das pessoas, ajudando-as a tomar decisões sem que elas necessariamente percebam.

No futuro, tudo será mais personalizado: o anúncio poderá mostrar o carro já com sua cor favorita

Fábio Gandour, cientista-chefe do
Laboratório de Pesquisas da IBM Brasil

Como seria na vida offline...

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A internet que mima

As empresas de internet se esforçam para entregar exatamente aquilo que seus usuários desejam, mas há poucos detalhes sobre como fazem isso. Entre os critérios divulgados estão a localização do usuário, os assuntos de interesse, o idioma, a popularidade do conteúdo e o grau de interação com a pessoa que fez a postagem. "Não podemos divulgar exatamente como os algoritmos funcionam, porque os sites poderiam utilizar essas informações para burlar os resultados, subir no ranking e, desta forma, reduzir a relevância para os usuários", explica Bruno Possas, engenheiro-chefe de buscas do Google.

Já o Facebook afirma que seus 1,3 bilhão de usuários podem receber 1.500 novas histórias por dia, considerando status, links, fotos e vídeos. Mas o sistema faz uma filtragem, priorizando 300 delas. O Twitter deve adotar uma linha parecida. A empresa cogita destacar posts que o internauta deveria ver e também disponibilizar uma linha do tempo personalizada para novos usuários - eles receberiam conteúdo de seu interesse, mesmo sem escolher quem seguir.

Quando a meta de entregar o conteúdo certo é cumprida, as empresas têm um benefício direto. "Mais de 80% do que os usuários assistem na Netflix vêm das listas de recomendações. Quanto mais acertadas essas indicações, maior o engajamento dos clientes e menor o número de cancelamentos", explica Carlos Gomez-Uribe, vice-presidente de algoritmos da empresa.

A personalização de conteúdo afeta uma em cada cinco pesquisas no Google

No Facebook, uma pessoa poderia ver 1.500 posts por dia, mas só são exibidos cerca de 300

Mais de 80% do que os usuários assistem na Netflix vêm da lista de recomendações

Você gosta que eu sei

Os cookies coletados do seu computador indicam que esses são alguns assuntos do seu interesse. São mesmo?

Não foi possível identificar seus interesses.

Isso pode ter acontecido porque; a coleta de cookies está desabilitada em seu computador: os cookies foram limpos: a navegação ocorre numa janela anônima ou o browser utilizado é o Safari no sistema operacional iOS.

Dados fornecidos pela Tail Target

Quanto vale o clique?

Quanto mais detalhada sua identidade digital, mais os sites conseguem oferecer anúncios direcionados. A empresa especializada em marketing online Tail Target afirma que as campanhas são pelo menos cinco vezes mais eficientes no caso de retargeting - aquele sistema que insiste em exibir um produto pelo qual o usuário já demonstrou interesse. "Em troca do serviço de filtragem, damos às grandes empresas uma enorme quantidade de dados sobre nossa vida diária", explica Eli Pariser, autor do livro "O Filtro Invisível - o que a Internet está Escondendo de Você".

Trata-se da teoria de que, quando não paga por algo na internet, você não é o cliente; é o produto à venda. Um estudo realizado em 2012 pelo Pew Internet & American Life Project indica que 73% dos entrevistados reprovam a coleta de informações para personalizar o resultado de futuras buscas online. Mas, a essa altura, pode ser difícil viver de outra maneira.

"Se quiser privacidade, você terá de abandonar dispositivos conectados à internet, voltar a armazenar arquivos em pendrive e ter um celular que só faz ligações, em vez de um smartphone. É uma escolha; informação personalizada vem ao custo de privacidade", define Gisele Pappa, professora-adjunta do Departamento de Ciências da Computação da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais).

A personalização é uma barganha. Em troca do serviço de filtragem, damos nossas informações

Eli Pariser, autor do livro
"O Filtro Invisível"

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Estoure a bolha

Você tem um árduo trabalho pela frente se quiser manter sua privacidade na internet. Essas dicas podem ajudá-lo, mas, mesmo com elas, o anonimato é praticamente impossível

A internet que limita

A cientista da computação Jennifer Golbeck define a existência das bolhas virtuais como preocupante. "Desconhecemos toda a informação existente no ambiente virtual e não sabemos como ela é filtrada", afirma Golbeck, diretora do laboratório de interação entre humanos e computadores da Universidade de Maryland. "Uma coisa é o Google usar dados para nos indicar a melhor pizza. Outra é ninguém nos contratar porque um algoritmo definiu que não somos confiáveis", completa.

Muitos usuários ignoram a existência de filtros e pensam que as informações de sua timeline no Facebook representam o senso comum - algo visível nas últimas eleições presidenciais do Brasil. A situação se agrava conforme a importância da rede social cresce; nos EUA, 30% da população adulta diz ler notícias via Facebook.

"O usuário pode acabar cercado por um contexto de informação específico e nem perceber isso. Os algoritmos não são programados para dar uma visão geral do mundo, mas sim para aumentar o tempo de permanência e o lucro dos sites", afirma o advogado Ronaldo Lemos, especialista em tecnologia. "A bolha funciona como um anteparo, deixando o sujeito mais engessado dentro de suas próprias crenças", completa Cristiano Nabuco, psicólogo especializado em transtornos da internet.

Você estaria disposto a abrir mão do conteúdo personalizado para manter sua privacidade?

Se a nova bolha da internet é praticamente inevitável, aceitá-la pode valer um final feliz. Amy Webb, fundadora da agência de estratégia digital Webbmedia, estudou o algoritmo de sites de namoro e afirma que dessa maneira conheceu seu marido, com quem hoje tem uma filha. A história é relatada no livro "Dados, uma História de Amor - Como Burlei os Códigos do Namoro Virtual para Encontrar meu Parceiro" (sem tradução para o português).

Webb criou uma lista de 72 critérios para achar um parceiro no site JDate. Depois, desenvolveu um sistema de pontuação que calculava se formariam um bom casal. Em seguida, criou dez perfis falsos de homens para analisar como outras mulheres interagiam no site. Com esses dados em mãos, Amy desenvolveu o "superperfil" usado para encontrar o marido. "Existe um algoritmo para o amor, mas ele não está pronto [...]. Você tem de criar sua própria estrutura e jogar com suas regras", afirma.

Funcionou para Amy, que trabalha com dados. Mas, para o usuário comum, ainda pode ser mais fácil encontrar na paquera a sua cara-metade do que entender e manipular o funcionamento dos sistemas digitais. Até porque você pode acabar manipulado por eles.

Juliana Carpanez

Editora de Tecnologia do UOL. Gosta do conforto da bolha, mas às vezes tenta dar uma espiada no que tem lá fora.

tabuol@uol.com.br

Esta reportagem também contou com apoio de:

Raphael Salinema, ilustração HQ; Bruno Galan, animação e Adriano Delgado, vídeo.

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