AZZIS,
UM REFUGIADO E SEUS SONHOS
Por André Naddeo
Por André Naddeo
Esta é a história de uma criança.
Mas não é uma história alegre.
Azzis vivia em uma vila do Afeganistão,
perto da capital, Cabul.
Ele não sabia exatamente quantos anos tinha,
porque em seu país ainda é assim:
a maioria das pessoas não têm documento.
Não tem bolo, bexigas, presentes,
não tem 'parabéns pra você'.
O grande sonho de Azzis
era poder ir à escola,
para um dia...
...ser veterinário.
Ele quer muito
aprender a cuidar de bichos.
Um dia, Azzis pensou:
"O Afeganistão seria o melhor país do mundo.
Só que tem tanta guerra que
nunca vou realizar meus sonhos aqui".
Cansado de tanta violência,
começou uma longa jornada
com sua família.
"O futuro está na Europa. Aí vamos nós!"
Primeiro eles atravessaram as montanhas
e foram caminhando até o país vizinho, o Irã.
"Lembro que minha irmã caiu do carrinho,
mas nem chorou. Acho que mesmo pequenininha
ela também entendia que não tinha outro jeito. A gente
tinha que deixar nossa casa, nossos amigos."
Eles chegaram à Turquia, sempre andando.
Foi quando Azzis se assustou
com uns caras armados,
que gritavam muito.
Eles colocaram a sua e outras famílias
em um pequeno ônibus.
"Papai e mamãe tinham caras tristes,
mas quando viam que eu olhava,
sorriam e me davam beijos."
"Os mesmos homens com rostos malvados
colocaram a gente dentro de um barco pequeno,
dias depois. Era a primeira vez que eu via o
mar, os peixinhos... No Afeganistão não tem mar.
Por isso, quase nenhum afegão sabe nadar."
Azzis finalmente chegou à Grécia. Ele e sua
família foram levados para algo que chamava
"campo de refugiados".
"Isso aqui é Europa?
Ué, me disseram que a Europa
era preciosa como um diamante..."
"... mas isso aqui parece uma floresta.
Não tem água nem luz. A gente vive
em barracas de camping por meses.
Chove e molha tudo. Venta e tudo voa.
Cadê a escola?"
"Vejo sempre a mamãe com cara de preocupada.
Quando começa a chover, molha o colchão,
nossas roupas, tudo outra vez."
A vida de Azzis em Moria, o maior campo
de refugiados da Europa, acabou se tornando uma
infinidade de rabiscos que lhe impedem de ver o futuro.
"No campo de Moria, você tem que fazer fila
para tudo. É fila para ir ao banheiro...
... para conseguir um pouco de água e comida...
... e nem sempre sobra água e comida para todo mundo.
Eu só queria tomar um sorvete. Faz tanto calor aqui."
"Às vezes eu queria ser um gatinho.
Acho que assim eu não teria que
me preocupar com mais nada na vida."
"Ou então entrar num avião, num ônibus,
escapar desse lugar. Aqui tem violência igual ao
Afeganistão, as pessoas brigam o tempo todo.
Poxa, foi justamente por isso que a gente fugiu."
O grande alívio de Azzis é quando ele dorme.
É o momento em que ele sonha com sua nova casa...
... seu novo lar, com um jardim imenso na frente.
Dentro da casa de seus sonhos tem livros,
jogos para brincar, uma mesa de jantar.
É onde ele quer plantar e florescer os seus
mais bonitos sonhos. Ele só
quer acordar quando tudo estiver bem.
Baseado em desenhos feitos por crianças afegãs refugiadas no campo de Moria, na ilha de Lesbos, Grécia, para o projeto @Drawfugees.
A história de Azzis se assemelha a de várias outras crianças refugiadas.
O estresse pós-traumático da fuga de seu país de origem, somado à incerteza de um longo processo de asilo, cria uma situação de limbo na qual a criança simplesmente "desliga da tomada". Em alguns meses, a criança não come mais, não bebe água, não fala. Só dorme.
O estado de sono e coma profundos foi batizado de Síndrome da Resignação.
Esta é a realidade de centenas de crianças que esperam, na ilha de Lesbos, a permissão para entrar para o continente. São milhares por toda a Europa.
Edição: Olívia Fraga
Reportagem e fotos: André Naddeo
Arte: René Cardillo
Publicado em 12 de outubro de 2020.