MINI-QUEBRADA

Projeto Quebradinha, de Marcelino Melo, vira sensação e cria memória da periferia

Leu Britto/Divulgação

Marcelino Melo, o Nenê, tem 26 anos, mas se lembra até hoje da infância no sertão de Alagoas, quando criava carrinhos com latas de óleo e brinquedos com casca de coco. “Existia um lugar interpretativo muito interessante nas crianças ali, não só em mim”, conta.

Leu Britto/Divulgação

Assim mesmo, no diminutivo

Hoje morador do Campo Limpo, na zona sul de São Paulo, o produtor e arte-educador apura suas observações do dia a dia nas quebradas num projeto que vem ganhando cada vez mais seguidores: a Quebradinha.

Leu Britto Divulgação

A criatividade da infância agora se expressa nas miniaturas que faz. Com fidelidade, ele recria a toda a engenharia da quebrada, nos mínimos detalhes, e em escala diminuta

Evelyn Vilhena/Divulgação

Esse olhar fotográfico começou a ser exercitado há 5 anos, quando Marcelino fazia fotos aéreas da região com um drone. Lá de cima, os pontinhos azuis das caixas d’água e o cinza-chumbo dos telhados de Brasilit chamavam sua atenção

Marcelino Melo

 "Meu processo de construção das casas aconteceu ao contrário. Não comecei pela sapata, depois as paredes, colunas, viga. Eu comecei pela caixa d'água." Com o telhado pronto, teve a ideia: “Mano, vou fazer uma casinha inteira”

E foram esses elementos que ele quis reconstruir com as mãos, sem saber muito bem no que aquilo ali iria dar.

Arquivo pessoal

Na escala 1:20, uma porta de 2 metros de altura passa a ter 10 centímetros. “É muita matemática”, ele diz

Vieram outras casas, pensadas desde os detalhes mais discretos.

Arquivo pessoal

O processo pode durar meses -- o tempo necessário para o artista contar bem uma história. "Eu não penso nos detalhes, me deixo ser influenciado”.

A estrutura é feita de MDF e o papel marchê serve de reboco e massa. “Mas uso materiais reais. As pedrinhas são pedra de verdade”

Arquivo pessoal

O isopor que protege pétalas de rosas jogadas ao meio fio viraram grades em janelas e portões -- algo muito comum nas casas do Campo Limpo

Além de tinta, barro e argila, Marcelino anda  de bicicleta com os olhos sempre atentos aos menores objetos no chão.

Arquivo pessoal

“Só não fiz a cadeira girando porque eu brinco que aqui não é a casa da Barbie”, diz 

Seu mini-salão de cabeleireiros tem espelhos, xampus e um grafite feito pelo artista Image ERC, conhecido na zona sul
por seus personagens femininos.

Arquivo pessoal

Sua namorada deu o toque: o produto faz parte de todo salão que se preze na quebrada. "Se na cabeça dela era tão presente a cor e a embalagem, na cabeça de outras pessoas também é”

Antes mesmo de montar as prateleiras, Marcelino sabia que tinha que reproduzir um pote roxinho

Arquivo pessoal


“A pessoa vê o detalhe e pensa: 'mano do céu, eu lembro desse barato'. É uma espécie de isca. Captou, já era.”

Do pote de creme à maneira como o varal é amarrado na laje, esse universo em miniatura reúne lembranças afetivas. 

Arquivo pessoal

Para Marcelino, a Quebradinha revela o conhecimento empírico dos moradores. "É um saber periférico. Exije matemátatica, cálculo, é muito maior do que apenas tijolinhos. A gente tem muito desse conhecimento, só não tem diploma."

Arquivo pessoal

Quer coisa mais engenhosa e inteligente do que subir literalmente uma cidade em cima de uma pedra? Não tem esquadro e o bagulho não cai. 
A quebradinha fala dessa tecnologia

Marcelino Melo

"A casa de quebrada nunca acaba. Eu não vou serrar o ferrinho, porque depois sai uma graninha da recisão e eu posso construir outro andar. Essa é a poesia da quebrada", explica o artista

Os ferros para fora da laje podem ser algo errado na visão de um engenheiro,
mas não é aleatório.

Arquivo pessoal

"A quebrada muda muito rápido. Pode ser que em 10 anos seja tudo prédio, tudo Minha Casa Minha Vida, pode ser que todo mundo reboque suas casas. A quebradinha é igual à fotografia periférica, o rap: guarda a estética histórica periférica."

Cada casa traz um tema que sintetiza a vida e o comportamento daquele pedaço da quebrada. É um modo de produzir memória.

Arquivo pessoal

“É algo que não remete à morte ou à violência. É uma coisa leve, serve como um acalanto para as pessoas.”

O perfil da Quebradinha no Instagram servia apenas para registrar o processo das esculturas à mão, mas bateu 40 mil seguidores na pandemia. 
Com o sucesso, foi citado no Instagram da Bienal de São Paulo e na Semana do Design da Holanda.

Leu Britto/Divulgação


"Quero colocá-la no lugar de arte"

Por enquanto, ele prefere não vender suas criações, mas vê-las em exposições -- desde que a primeira seja no Campo Limpo

Arquivo pessoal

Edição
Olívia Fraga

Reportagem
Tiago Dias

Arte
Carol Malavolta

Publicado em 6 de novembro de 2020

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