SOCIEDADE

próxima parada: tóquio

O que acontece nos trens japoneses -- e o que está saindo dos trilhos nos últimos tempos

Cidade-sede da Olimpíada, Tóquio é considerada um modelo de mobilidade urbana com uma mega malha de metrô e trens: a região metropolitana é cruzada por 121 linhas, operadas por 30 empresas, totalizando 882 estações.

O primeiro trecho ferroviário aberto no Japão foi Tóquio-Yokohama, em 1872. De lá para cá foram construídos mais de 30 mil km de ferrovias no arquipélago. Um dos últimos foi Tomioka-Namie (Fukushima), trecho destruído pelo terremoto de 2011 -- e  reaberto em 2020.

Trem é o principal transporte no Japão - e há toda uma cultura própria nos trilhos: gente que gosta de viajar neles (nori-tetsu), ler sobre eles (yomi-tetsu), seus sons (oto-tetsu), seu design (sharyo-tetsu) e suas estações (eki-tetsu).

Também há, claro, gente que gosta de escrever só sobre eles, tal como os autores especializados Junichi Sugiyama, Shunichi Fukuhara e Takashi Noda. 'O sistema de trens é um microcosmo do próprio Japão', definiu Noda ao Washington Post

Há diversos tipos de comboios: trem-bala (o famoso shinkansen, um dos mais rápidos do mundo, que opera a 320 km/h, mas pode chegar a 603 km/h), trem limitado expresso, expresso, rápido, semi-expresso e o mais simples, o local.

Nas cidades também transitam metrôs e bondinhos, às vezes cruzando campos de flores ou arrozais. Onde for, há um tipo de código de conduta esperado pelos passageiros japoneses.

Segundo a Japan Railways, não é bem-visto conversar, falar no telefone (falar alto, então, jamais), ocupar assentos prioritários se você não é prioridade, entrar no vagão exclusivo para mulheres se você não é mulher ou entrar no vagão enquanto ainda há gente desembarcando.

Nas plataformas formam-se filas quase que indianas para esperar passageiros saírem e então embarcar, mesmo nas estações lotadíssimas na hora do rush -- imagine o empurra-empurra na estação da Sé às 18h, só que ao contrário.

Diz-se que os trens japoneses são ordenados e pontuais -- uma vez, em 2018, a Japan Railways emitiu comunicado pedindo desculpas por um trem Tóquio-Tsukuba ter partido 20 segundos antes do marcado. E limpos: a faxina do trem-bala, por exemplo, leva impressionantes 7 minutos

Mas nem todo trem é trem-bala pontual-perfeito-zero erros. Às vezes atrasa, sim. Outras tem gente se acotovelando, conversando, dormindo ocupando mais do que deveria do banco, ouvindo música que ultrapassa fones ou sem máscara, mesmo na pandemia.

Às vésperas da Tóquio-2020, em uma estação foram pregados cartazes divulgando um app do governo japonês para escanear o zairyu card (tipo o RG dos residentes estrangeiros).

Lançado no fim de 2020, o app foi liberado para uso geral, o que na prática permite que japoneses parem outros na rua e peçam para conferir documentos e checar se não são imigrantes ilegais.

Não é a primeira vez que trens se tornam parada de polêmica. Em 2016, reportou a agência Kyodo, um condutor da Nankai Electric Railway "pediu desculpas" aos japoneses pelo número de estrangeiros presentes no trem rumo ao aeroporto internacional de Kansai

Em 2008, Baye McNeil, um autor americano negro radicado no Japão, escreveu uma crônica no jornal Japan Times relatando que, num trem lotado, nota que muitas vezes japoneses preferem ficar em pé a se sentar a seu lado.

Em 2021, a revista Cypher publicou uma HQ da artista Mari Mello narrando a história da ativista Jaime Smith, uma das líderes do Black Lives Matter de Tóquio: nas estações, abordagens policiais pedindo seus documentos e o registro da bicicleta que ela portava.

Para Jaime, trens se tornaram lembranças de trauma. Para Baye, de inquietação mental. Mas não é culpa dos comboios: a máquina está ali tentando funcionar à risca como um relógio; é o erro humano que extrapola os trilhos.

Edição
Luiza Sahd

Reportagem
 Juliana Sayuri

Publicado em 25 de julho de 2021