ARTE

RETRATOS DO ISOLAMENTO

Projeto de brasileiro leva registros inusitados do confinamento à Eslovênia

Abril, 2020. Em seu apartamento no Rio, o fotógrafo Bruno Alencastro vivia o isolamento da pandemia quando decidiu realizar um experimento artístico: transformar a sala de estar em  câmara escura. 

Ele e a mulher, a jornalista Greyce Vargas, vedaram as entradas de luz. “Compramos todas as cartolinas pretas da papelaria do bairro, minutos antes de o dono fechar as portas para a quarentena”, ela recorda.

Nascia assim o projeto Obs-cu-ra. “Quando vi o resultado, percebi que havia uma potência. Precisava torná-lo colaborativo. Mas não dava para entrar na casa das pessoas, naquele momento, para fazer isso”, conta Alencastro.

Era o próprio retrato da pandemia: pessoas isoladas em suas casas, com um fragmento do mundo lá de fora projetado de cabeça para baixo nas paredes. Um misto de tédio e caos, de inusitado e incertezas.

Cerca de 80 fotógrafos aderiram ao projeto. Via internet, Alencastro os auxiliava a fazer as imagens -- e os dirigia. “Um deles estava fazendo aniversário e pedi para ele ficar com uma vela na mão”, exemplifica.

O projeto virou notícia do jornal britânico Independent, em maio de 2020, e ganhou repercussão mundial. Depois, começou a fazer parte de festivais de fotografia pelo mundo -- sempre com a participação remota do idealizador.

O festival Kranj Foto Fest, na Eslovênia, convidou Alencastro para participar de sua primeira edição, com o tema Isolation Freedom, justamente inspirado na pandemia. A abertura ocorreu no fim de agosto.

“O projeto dele é fenomenal pelo que ele conseguiu mover mesmo ‘preso’ em seu apartamento. A fotografia não ficou confinada: ela está livre, se expande”, pontua a idealizadora do festival, a fotógrafa brasileira Fernanda Prado Verčič.

Alencastro conseguiu viajar a Kranj, a 30 km da capital, Ljubljana, graças ao apoio da embaixada brasileira. O embaixador Renato Mosca de Souza viu no projeto a possibilidade de “construir pontes entre Brasil e Eslovênia” e intensificar “o fluxo de pessoas e de conhecimentos”.

O trabalho dirigido por Alencastro já estava rodando o mundo, mas esta é a primeira vez que ele consegue acompanhar, in loco, uma exposição. Culpa da covid, é claro. Ironicamente, sua ideia também foi culpa da covid. 

O fotógrafo montou uma câmara escura na exposição eslovena, para que visitantes possam sentir a experiência: uma caixa vedada com um pequeno orifício para a entrada de luz, a base da invenção das máquinas fotográficas.

Alencastro precisou fazer ajustes para o festival, onde a vedação da câmara deve durar semanas -- e não apenas dias, como no projeto original. A exposição estreou no dia 25 de agosto e fica em cartaz até 30 de setembro.

Fotos: Projeto Obs-cu-ra

Reportagem: Edison Veiga

Edição: Luiza Sahd

Publicado em 10 de setembro de 2021