O fetiche

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Sons exclusivosAlgumas músicas só existem nos discos de vinil, por motivos variados. Aqui você pode ouvi-las e descobrir os mistérios delas.

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Dominador

O formato saiu da mão dos colecionadores e reencontrou o desejo do consumidor, o que reacende a pergunta: por que o vinil desperta tanto desejo em gerações tão diferentes?

Por Paulo Terron

Nem precisa procurar muito: você vai encontrar em qualquer canto uma novidade sobre discos de vinil. Seja a de que "Lazaretto" - lançado este ano por Jack White - tornou-se o álbum mais vendido nesse formato nas últimas duas décadas ou que pela primeira vez desde 1996 o número de vinis vendidos num ano na Inglaterra ultrapassa 1 milhão de cópias. Mas não se trata de um "renascimento". O motivo é simples: esses discos nunca deixaram totalmente de existir. "Antes havia aquele papo de 'nossa, você não vai acreditar: ainda existe vinil! As pessoas ainda compram'. Agora é algo definitivo. Todo mundo compra", afirma Ben Swank, sócio de White na gravadora Third Man Records.

Há várias teses sobre como essa resistência histórica resultou numa redescoberta do vinil pelo mercado. Enquanto o CD prometia mais qualidade de som e portabilidade, os defensores do bolachão viam no tamanho uma vantagem e diziam que o som é, no mínimo, diferente dos equivalentes digitais. Sem contar elementos mais abstratos que agregam um valor imensurável, como a nostalgia e a sensação de posse física que não existe no streaming e download. Invariavelmente o amor ao vinil é centrado em algum tipo de fetiche.

Esse culto segurou o vinil até que "fãs mortais" voltassem a procurá-lo, algo que pode ser notado com o surgimento de feiras de vinil regulares em todo o Brasil - além dos inúmeros estabelecimentos comerciais que voltaram a surgir em todo o mundo.

"É possível achar lojas que só têm vinil, como a Mississippi Records, em Portland. Mas impossível que o mesmo ocorra com CDs", afirma Rodrigo Pinto, que roda o planeta explorando esse universo como codiretor do programa "Minha Loja de Discos", do canal Bis. "O vinil parece atrair mais a molecada. E uma enorme parte dos lançamentos vem com um código para download, o que torna o conteúdo portátil. Para as lojas, o vinil usado, porém, é o melhor negócio, porque elas compram barato e têm uma margem de 800%, 1000%, dependendo do estado e do quão raro é o LP", completa.

Caçadores

Há vários tipos de fã dos LPs - podem ser colecionadores dedicados, gente que trabalha com raridades e, claro, aqueles que apenas gostam de ouvir um disco

Veja abaixo

Tem amor

Única fábrica de discos de vinil da América Latina, a Polysom é um quartel-general da resistência instalada em Belford Roxo, no Rio de Janeiro, desde 1999. Lá atualmente são prensadas cerca de 7.700 mil unidades ao mês. A direção analisa como ampliar a produção - hoje a fila de espera para encomendas é de até quatro meses. "São poucas fábricas no mundo e a informação que se tem é: todas estão lotadas", conta o produtor musical e consultor da Polysom Rafael Ramos. No total, pouco mais de 40 fábricas estão em atividade no planeta.

Ramos é claro sobre o que mantém a fábrica brasileira: "um ato de amor. Ninguém aqui quer ficar milionário". Mas, ainda assim, ele vê um crescimento grande nos últimos anos. "É maior que 300% por ano desde 2011", explica, lembrando que os números absolutos do vinil são pequenos; se antes um artista encomendava 300 cópias, hoje ele pede mil. "Acho que a fábrica de CD não está tão animada quanto aqui. Não para. Tem gente ligando a cada minuto e pedindo entrega o mês seguinte. Não dá", afirma Ramos. A Polysom já considera a possibilidade de colocar suas três prensas (uma de compactos, uma de álbuns de 140 gramas e outra de LPs de 180 gramas) funcionando em dois turnos, sem parar.

Até 7 de dezembro de 2014, a venda de discos de vinil nos EUA cresceu 49% (para US$ 7,9 milhões). Nos primeiros 9 meses do ano, a de CDs caiu 18,9% (para US$ 91,7 milhões)

Dados da Nielsen SoundScan

Mas mesmo quem trabalha com música sabe que o sentimento gerado pelo disco de vinil é difícil de explicar. "O disco do Balão Mágico tinha um carrossel. Você colocava em cima do vinil e fica olhando o cavalinho. É total fetiche", diz o produtor e músico Adriano Cintra, referindo-se a um álbum cada vez mais raro nas lojas de usados, "A Turma do Balão Mágico", lançado em 1985. "É um regresso materialista. Antes, não era só a capa: o álbum todo tinha uma grande preocupação estética. Hoje as pessoas mais jovens lançam CD e não tem informação. Antigamente você queria saber quem era o baixista que tinha tocado naquele disco do David Bowie. Agora a música virou algo tão descartável e perdeu muito o valor. Ninguém se importa." Já o produtor Carlos Eduardo Miranda discorda radicalmente, apesar de gostar do formato e comprar muitos vinis. "Eu não tenho esse negócio", conta. "O que importa é a música, e eu gosto de ouvir em vinil. Um pouco pelo som e sei lá por que mais", completa Miranda.

É um regresso materialista. Antes, não era só a capa: o álbum todo tinha uma grande preocupação estética

Adriano Cintra, produtor e músico

Bate com carinho

Você faz ideia de como uma massa disforme se transforma num registro musical definitivo?

Preto ou branco?

Faz parte do fetiche pelo vinil buscar cores cada vez mais variadas, formatos estranhos e infinitas possibilidades de surpreender o consumidor - mesmo que nem sempre de forma positiva. "Já comprei disco repetido porque um era preto e o outro, branco", confessa Cintra. "Aconteceu com um disco do Dead Kennedys ['Fresh Fruit for Rotting Vegetables', 1980], todo mundo comprou de novo. E o som era uma bosta, o do preto era melhor! Aí aprendemos: disco colorido tem qualidade de som pior."

A Third Man Records é exemplar nesse cenário. A gravadora foi criada por Jack White (atração do Lollapalooza Brasil, em março de 2015), Ben Swank e Ben Blackwell para relançar discos do White Stripes cujos direitos haviam sido revertidos a White. Como ele precisava de um espaço para guardar equipamento e vender merchandising, nasceu também uma loja, em Nashville, nos Estados Unidos. Hoje o local é visitado por peregrinos do mundo todo.

Acredito que o vinil é onde você tem a música em seu formato mais puro, de melhor qualidade. E com a melhor experiência como consumidor

Rafael Ramos, produtor musical e consultor da Polysom

Eles já produziram discos com líquido dentro, compactos que você precisa quebrar para ouvir uma música inédita e até um álbum cujo lado A toca ao contrário - "Lazaretto", de White, apelidado de Ultra LP por ter vários recursos incomuns. "Se pudermos expandir as fronteiras, faremos isso", conta Swank. "O Ultra foi um exemplo: juntamos tudo que podíamos em um só. Foi uma maneira de aperfeiçoar o disco, torná-lo mais misterioso, hipnotizante."

O extremo da relação com o consumidor é uma cabine instalada na Third Man Records na qual qualquer pessoa pode gravar um vinil, que é prensado automaticamente na hora. "É algo que o Jack sempre quis, e agora podemos fazer porque pessoas do mundo todo nos visitam; existe um modo melhor de receber alguém do que deixar a pessoa gravar o próprio disco? Elas podem descobrir como é. É uma grande experiência ouvir a sua voz gravada [no vinil] pela primeira vez", afirma.

Atração física

Um toca-discos é simples e impressionante. A agulha segue por sulcos cujos formatos são uma reprodução física do som. De perto, fica ainda mais fascinante

Atração física

Um toca-discos é simples e impressionante. A agulha segue por sulcos cujos formatos são uma reprodução física do som. De perto, fica ainda mais fascinante

Grandes imagens, imagens grandes

Algumas capas de disco são tão facilmente reconhecíveis quanto as músicas de um álbum

John Lennon & Yoko Ono.
Unfinished Music No. 1: Two Virgins, 1968

John Coltrane.
Blue Train, 1957

Caetano Veloso.
Transa, 1972

Patti Smith.
Horses, 1975

Rolling Stones.
Sticky Fingers, 1971

Elvis Presley.
Elvis Presley, 1956

Nara.
Nara Leão, 1964

Erasmo Carlos.
Amar Pra Viver Ou Morrer de Amor, 1982

Gal Costa.
Índia, 1973

Nirvana.
Nevermind, 1991

Pink Floyd.
Dark Side of the Moon, 1973

Nara.
Nara Leão, 1964

Secos & Molhados.
Secos & Molhados, 1973

Milton Nascimento & Lô Borges.
Clube da Esquina, 1972

David Bowie.
Alladin Sane, 1973

Joy Divison.
Unknown Pleasures, 1979

Milton Nascimento & Lô Borges.
Clube da Esquina, 1972

John Lennon & Yoko Ono.
Unfinished Music No. 1: Two Virgins, 1968

John Coltrane.
Blue Train, 1957

John Coltrane.
Blue Train, 1957

Patti Smith.
Horses, 1975

Gal Costa.
Índia, 1973

Elvis Presley.
Elvis Presley, 1956

Bob Dylan.
The Freewheelin? Bob Dylan, 1963

Erasmo Carlos.
Amar Pra Viver Ou Morrer de Amor, 1982

Elvis Presley.
Elvis Presley, 1956

Nirvana.
Nevermind, 1991

David Bowie.
Alladin Sane, 1973

Nara.
Nara Leão, 1964

Cartola.
Verde Que Te Quero Rosa, 1977

Milton Nascimento & Lô Borges.
Clube da Esquina, 1972

Caetano Veloso.
Transa, 1972

Joy Divison.
Unknown Pleasures, 1979

Bruce Springsteen.
Born In The USA, 1984

John Lennon & Yoko Ono.
Unfinished Music No. 1: Two Virgins, 1968

Bob Dylan.
The Freewheelin? Bob Dylan, 1963

Se entrega

"Houve um período em que o vinil esteve apagado - o normal era ter CDs. As pessoas dessa geração sentem que perderam algo e querem experimentar. Para a geração que está surgindo, ele voltará a ser natural. Para os mais jovens faz sentido, ter um disco é algo especial: você tem de cuidar dele, só dá para ouvi-lo em casa. Não algo fácil de ignorar. Ele é grande, você tem de virá-lo. Esses pequenos detalhes tornam o processo mais participativo, é preciso dar mais atenção à música"

Ben Swank, sócio da Third Man Records

Sem preconceitos

Discos excêntricos mostram que o bolachão não precisa ser um vinil de uma só cor

A volta do vinil ao mainstream e o interesse de um novo público não garantem que tudo nesse formato seja desejado pelo consumidor. "Tem uns tipos de música que estão se aposentando como vinil", explica o lojista Celso Marcilio, proprietário da Celsom Discos, em atividade no centro de São Paulo há 8 anos. "Sertanejo raiz, por exemplo, só é comprado por senhores de mais de 60 anos. Já o forró, não. Por ser um ritmo dançante, é muito comprado pelos jovens. Depende do ritmo." Ele diz que LPs da Tropicália, psicodelia em geral, de MPB, dos Beatles e dos Mutantes continuam sendo muito procurados. "Não vale mais a pena investir em alguns tipos, você não vai ter retorno", completa.

Também não dá para desprezar a influência de um modismo nessa reviravolta do vinil. Uma grande prova disso foi uma recente campanha da Urban Outfitters, rede norte-americana de lojas de roupas e produtos descolados. A empresa se autodefiniu como a maior vendedora de discos nesse formato do mundo - não é, o posto é da Amazon. A integração entre estar na moda e vendas faz com que muitos jovens comprem LPs sem ter como tocá-los em casa. "Se têm vitrola ou não, eles se comportam como se estivessem comprando a coisa mais importante do mundo", defende Ramos. "'Nossa, encontrei um Mutantes? Obrigado', sacou"? Já Miranda vê com estranheza essa imposição do produto e sub-valorização da música, que é o motivo básico da existência de um disco de vinil. "Que ideia idiota! Tem de ser um moleque estúpido para fazer isso. Às vezes é porque o cara não tem dinheiro para comprar um toca-discos, aí tudo bem. Vai comprando até poder. Agora, comprar só para dizer que tem em vinil? Para, velho." Para alguns, fetiche tem limite.

Paulo Terron

Repórter multimídia do UOL. Tem muitos discos de vinil, mas um tocador de péssima qualidade.

tabuol@uol.com.br

Mitos e Verdades

Mesmo os colecionadores mais dedicados debatem profundamente sobre alguns aspectos dos discos de vinil. Confira se você está aberto para esses detalhes!

Esta reportagem também contou com apoio de:

Flávio Florido, André Lobo, Universidade de Rochester, URnano, fotografia; Juliana Fumero e Tais Vilela, edição de vídeo. Agradecimentos: Amanda Ghassaei, Celsom Discos, Coletiva Produtora, Lollapalooza Brasil, Polysom, T4F Entretenimento.

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