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Matheus Pichonelli

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Thiago Brennand: no Brasil, vilania não é nada banal. É item de ostentação

Thiago Brennand, de tradicional família pernambucana, chegou a ostentar "guarda-roupa de armas" nas redes sociais - thiagobrennandfv/Instagram/Reprodução
Thiago Brennand, de tradicional família pernambucana, chegou a ostentar 'guarda-roupa de armas' nas redes sociais Imagem: thiagobrennandfv/Instagram/Reprodução

Colunista do UOL

07/09/2022 04h01

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Flagrado pelo sistema de monitoramento de uma academia de luxo agredindo uma modelo, em São Paulo, o empresário Thiago Brennand Fernandes Vieira, 42, deixou o Brasil na madrugada do último domingo (4), horas antes de ser denunciado pelo Ministério Público por lesão corporal e corrupção de menores. A fuga providencial com destino a Dubai foi revelada pelo repórter Mateus Araújo, do TAB.

Brennand saiu do país no momento em que uma série de acusações vinha à tona, saindo de baixo do tapete sobre o qual ele transitava seguro e confiante de que nunca seria punido. "Herdeiro profissional", como descreveu um primo, o dito empresário sabia onde pisava: um território onde pessoas como ele estão acostumadas a ter tudo o que querem, sem jamais serem contrariadas.

A fuga deixa em suspenso a chance de responder como gente grande a uma série de denúncias, feitas por quem um dia cruzou seu caminho.

A lista é extensa. Segundo o "Fantástico", da TV Globo, o comportamento "desrespeitoso e agressivo" do dito empresário era conhecido por professores e colegas desde os tempos de faculdade. Ele gostava de mostrar que andava armado e chegou a ser processado por injúria pelo funcionário de um clube de hipismo por causa de uma desavença.

Brennand foi processado também por danos morais após, segundo um boletim de ocorrência, ter apertado as nádegas e xingado a funcionária de um restaurante em São Paulo ao ser repreendido.

Ele também foi citado em um boletim de ocorrência aberto pela mãe de seu filho, que fugiu da casa onde morava com o pai, na Rússia, dizendo ser vítima de espancamento.

Em meio às denúncias, uma mulher veio a público dizer que o dito empresário a manteve em cárcere privado, divulgou um vídeo íntimo sem seu consentimento, a agrediu e a forçou a fazer uma tatuagem com as iniciais do fugitivo.

Ela só tomou coragem de contar a história para o "Fantástico" após o vídeo da agressão a outra mulher na academia viralizar.

Mas a cereja do bolo fecal foi o depoimento, também ao "Fantástico", de um primo diagnosticado com câncer para quem Brennand, que o apelidou de "Cancinho", enviou um caixão, uma coroa de flores e um áudio celebrando a doença.

"Já tá todo mundo sabendo da metástase, Cancinho. Que pena, né? Parece ferrugem no teu corpo", debochou o parente.

Vem então a pergunta: que tipo de pessoa é capaz de uma coisa assim?

Bem, alguém que, graças ao sobrenome, distribuiu patadas e circulou com desenvoltura esse tempo todo, até que um vídeo levado a público impedisse qualquer possibilidade de ele, seu advogado e os passadores de pano colocarem em dúvida a palavra da vítima.

No livro "Eichmann em Jerusalém", sobre julgamento, em 1963, de um oficial nazista acusado por crimes contra o povo judeu, a filósofa Hannah Arendt relata seu espanto ao observar no réu as feições não de um monstro, mas de um sujeito comum, medíocre e sem inclinação aparente para o mal. O burocrata, segundo ela, não encarnava o estereótipo do vilão perverso ou doentio. Era "só" um funcionário que cumpria ordens, sem qualquer capacidade de pensar realmente sobre o que fazia.

Arendt precisava conhecer de perto a elite brasileira — a que patrocinou morticínios pelo país de forma consciente e em troca recebeu homenagens em estátuas e nomes de rua.

Seus herdeiros, que levam na alma o calejamento do senhor de escravos, como descrevia Darcy Ribeiro, ainda mandam, desmandam e espancam, se preciso for. Destratam funcionários, ostentam armas para dissuadir quem cruzar seu caminho, flertam com cartilhas neonazistas, defendem golpes de Estado, queimam florestas e vibram a cada chacina nos territórios periféricos.

Brennand é regra, não uma aberração, em um país que decidiu colocar a perversidade na vitrine como item de ostentação.

Neste país, o mal só é banalizado quando burocratas silenciosos cumprem ordens para livrar a cara de quem anda por aí, a vida toda, pisando em quem for preciso.

Arendt teria dificuldade para traçar o perfil de pessoas como Brennand. Quando a coisa aperta, os filhos da elite fogem antes de se sentar no banco dos réus.