Matheus Pichonelli

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Opinião

Nunes é eleito em via oposta à que levou Bruno Covas à vitória em 2020

Com cadeirada, chiliques, gritarias e acusações pessoais até o último minuto, a campanha à Prefeitura de São Paulo de 2024 termina como a antítese da eleição anterior, de 2020.

Realizada durante a pandemia, a disputa naquele ano suspendeu, por tempo limitado, o rame-rame da guerra cultural - essa que deixa as questões estruturais de lado para debater quem é o candidato favorito do Papai do Céu.

Parte da explicação era a própria pandemia. A crise sanitária mostrou que na hora que a barata voa não adianta dizer que é a favor da vida desde a concepção e não saber o que fazer quando os governados estão morrendo sem oxigênio no hospital.

Não por acaso, o candidato apoiado por Jair Bolsonaro (PL) naquele pleito, Celso Russomanno (Republicanos), não foi sequer para o segundo turno.

Os paulistanos não se sentiam seguros em apostar em um aliado de quem negava a vacina e provocava aglomerações para forçar uma infundada imunidade de rebanho.

Bruno Covas (PSDB), prefeito reconduzido ao posto naquele ano - tendo Ricardo Nunes como vice -, incorporava uma espécie de bandeira branca com a política, a palavra mais maltratada desde que extremistas travestidos de outsider ascenderam ao poder (ou chegaram perto dele) a partir de 2016.

Em sua propaganda, ele dizia ter orgulho de vir de uma família de políticos, que fazer política era seu trabalho e que não havia soluções para os impasses da sociedade sem política. Nem Covas nem Guilherme Boulos (PSOL), seu oponente no segundo turno, tiveram coragem de atacar um e outro além da linha da cintura.

Parecia que o berreiro da eleição presidencial de 2018 era só uma pane em um sistema que aos poucos voltava a operar normalmente. Mas não foi bem assim: em 2024 a presença de herdeiros mais radicais do negacionismo em capitais como Cuiabá, Fortaleza, Belém e Curitiba sugere o que a análise de boteco poderia chamar de memória curta eleitoral.

Em São Paulo, Pablo Marçal (PRTB) se destacou no debate mostrando a mesma habilidade política de um touro espetado no arpão. A divulgação de um laudo falso sobre uma mentirosa internação de um rival por overdose foi o momento mais baixo da campanha e até agora não foi punida.

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Ricardo Nunes (MDB), por sua vez, até tentou mostrar o lado gestor, ecoando em dado momento a pegada malufista de mostrar grandes obras e dizer que foi ele quem fez. Mas nos debates ele mostrou que aprendeu rapidinho a cartilha bolsonarista ao performar um cristianismo de ocasião e associar Guilherme Boulos, novamente finalista da disputa, à defesa da liberação de drogas, do aborto e de invasões de moradias.

Boulos respondeu trazendo acusações pessoais sobre o rival para o centro do debate, que se estendeu (e ainda se estenderá) pelos tribunais eleitorais. E explorando em cada oportunidade os malfeitos da gestão Nunes: a suposta "Máfia das Creches", suspeitas de superfaturamento de compras com empresas de amigos e proximidade com o chefe do PCC.

Tanto um quanto outro contaram com padrinhos políticos de peso ao longo da campanha. Na ausência de Jair Bolsonaro (PL), Nunes não deu dois passos sem o suporte do governador Tarcísio de Freitas (Republicanos).

E Boulos contava com o engajamento do presidente Lula (PT) na reta final. A queda de uma banqueta no banheiro da residência oficial tirou o petista de campo.

No ato final, Tarcísio declarou, sem provas, que o PCC pedia votos a Boulos na disputa.

Contratou, assim, uma crise jurídica para o aliado, que agora responderá a um processo com pedido de inelegibilidade por abuso de poder político e uso indevido dos meios de comunicação.

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A campanha municipal de 2024 na maior cidade do país termina assim do mesmo jeito que começou: com muito grito, muita porrada, pouco debate de ideias e muito tiro de festim.

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Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL

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