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Matheus Pichonelli

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

'Perdeu, mané': Barroso prova que o atraso com pitadas de psicopatia venceu

Luís Roberto Barroso, ministro do STF, foi ofendido durante caminhada nos EUA - Reprodução
Luís Roberto Barroso, ministro do STF, foi ofendido durante caminhada nos EUA Imagem: Reprodução

Colunista do UOL

18/11/2022 04h01

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Em março de 2018, durante uma sessão do Supremo Tribunal Federal, o ministro Luís Roberto Barroso revidou uma provocação do colega Gilmar Mendes com um discurso que entrou para a história — uma história registrada em memes e camisetas vendidas até pouco tempo nas lojas virtuais.

"Você é uma pessoa horrível. Uma mistura do mal com atraso e pitadas de psicopatia", disse Barroso. "A vida, para vossa excelência, é ofender as pessoas. Não tem nenhuma ideia. Nenhuma. Só ofende as pessoas. Qual é sua ideia? Qual é sua proposta? Nenhuma! É bílis, ódio, mau sentimento, mal secreto, uma coisa horrível."

O ataque com as armas da sintaxe mostrava que a Suprema Corte já havia se transformado em ringue, mas ninguém poderia negar que as louças da língua portuguesa, a mesma que forjou Machado de Assis e Clarice Lispector, saíam da contenda intactas.

Mais de quatro anos se passaram desde então.

Jair Bolsonaro (PL), como alguns devem saber, seria eleito presidente em outubro daquele mesmo ano.

De lá pra cá, quem manteve preservado algum fio de memória vai se lembrar da aposta, nos círculos republicanos mais bem equipados, segundo a qual as instituições seriam responsáveis por modular e converter o então deputado do baixo clero, brigão e mal encarado, num cavalheiro.

O alvitre era que estaríamos todos a salvo às investidas e coices protagonizados pelo presidente eleito desde seus tempos de militar rebelde.

Bolsonaro seria, assim, uma espécie de florista Eliza do filme "My Fair Lady": uma experiência em tempo real promovida por juristas e entendidos no assunto dispostos a pagar uma bala para mostrar a capacidade de transformar um incendiário chulo e despreparado em estadista. (Na história original, a aposta do professor esnobe interpretado por Rex Harrison era era que a florista de modos simples pudesse ser convertida em uma verdadeira dama durante o tempo de convívio com gente fina como ele).

O fim da história está mais para a paródia de Roberto Gómez Bolaños do que para o filme de George Cukor — no esquete do gênio mexicano, é o cavalheiro quem incorpora a brutalidade da personagem caricata e de poucos modos.

Barroso é a prova disso.

Nesta semana, ao ser provocado durante uma viagem a Nova York (EUA) por um ativista inconformado com a derrota de Bolsonaro nas eleições para presidente, o ministro mostrou que sobrou muito pouco ou quase nada daquele magistrado capaz de julgar o caráter dos desafetos com as ferramentas da norma culta da linguagem. A reação, disse, foi até singela diante da agressão.

É verdade. Ao ser confrontado, o ministro poderia dizer novamente que estava diante de uma pessoa horrível, de temperamento agressivo, grosseiro e rude, sempre atrás de algum interesse que não o da Justiça e que foi até a porta de seu hotel fazer um comício sem conseguir articular um só argumento; uma pessoa que não tinha patriotismo, não tinha nenhuma ideia a não ser ofender o presidente (eleito), os ministros do Supremo e ele mesmo.

Torcida e retorcida, a capacidade retórica do juiz foi resumida dessa vez a uma frase curta, digna de um tuíte: "Perdeu, mané, não amola!".

A frase poderia inspirar um tratado sobre a forma como as eleições são interpretadas em seu país, onde vence apenas quem se elege, como poderia acreditar o ídolo dos revoltados de verde e amarelo. E que o árbitro do jogo pode agora se virar para qualquer mané da torcida e tirar onda do resultado da partida.

Mas o que chama a atenção mesmo é o empobrecimento das relações humanas, e consequentemente na capacidade de articular um pensamento, nesses últimos quatro anos, período em que o Brasil parece ter sido tomado de assalto por uma multidão de "manés" do tipo.

Barroso não é o único que já percebeu que não há como vencer ninguém no argumento sem absorver a linguagem do interlocutor destituído de ideias e que está ali apenas para ofender.

Olavo de Carvalho, de onde estiver, deve estar sorrindo satisfeito. Seu plano de migrar para cá a cartilha que já fazia estragos nos EUA de Donald Trump funcionou.

Em meados da década passada, quando o comportamento de arquibancada migrou para a esfera política, não faltou quem estranhasse o surgimento de grupos e seitas organizadas que tinham uma única resposta diante de qualquer questionamento: "chola mais".

Pouco a pouco as peças dessa nova engrenagem linguística foram incorporadas ao ambiente institucional. "Mimimi" talvez seja a principal.

O resultado da gritaria é um dilema: quem quer ser levado a sério não é ouvido. A não ser que deixe a seriedade de lado e passe a gritar também.

Durante a campanha presidencial, a turma do Carluxo e companhia encontrou em André Janones, o coordenador da campanha petista, um rival de peso na estratégia "constranger e zoar os cara".

Foi-se o tempo em que políticos e magistrados guardavam energia, disposição e a bílis para duelar com os pares.

Talvez tudo isso não passe de um viral para vender camisetas — como as que levam a inscrição "We're Back, Bitches!" levadas pela claque de Lula (PT), o presidente eleito, na Cop 27, a conferência do Clima da ONU, no Egito.

Como diz um amigo, o meme agora é a mensagem.

Ao topar bater boca com qualquer "mané" com as armas escolhidas pelo ofensor, Barroso mostrou que a "estética zueira" que tomou conta das redes, chegou à Suprema Corte e viralizou como meme veio mesmo para ficar.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL