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Elo de ministra com milícia atualiza Tropa de Elite: inimigo agora é amigo?

Lula (PT) tinha um entre muitos desafios para resolver em sua campanha: evitar ou minimizar uma derrota por goleada para Jair Bolsonaro (PL) no Rio de Janeiro, terceiro maior colégio do país e reduto político do então presidente.
Para isso, além da capital, era fundamental o apoio de lideranças na Baixada Fluminense, que concentra 22% da população do estado.
Lula conseguiu trazer para seu barco o prefeito de Belford Roxo, Wagner dos Santos Carneiro, o Waguinho (União Brasil). Belford Roxo é o sexto município mais populoso do Rio. De lá saiu a deputada federal mais votada do estado, Daniela Carneiro (União Brasil), com mais de 214 mil votos. Daniela é companheira de Waguinho — nome que levava nos materiais de campanha.
O engajamento do casal, que promoveu carreatas pela região em apoio a Lula, não impediu que o petista ficasse atrás de Bolsonaro em toda a Baixada, inclusive Belford Roxo, onde o candidato do PL venceu por 60,2% a 39,8%.
Ainda assim, como se sabe, Lula acabou eleito, graças à votação expressiva obtida no Nordeste do país, e assumiu com outro desafio: formar uma base de apoio no Congresso para além dos partidos aliados.
Para isso era fundamental atrair o apoio do União Brasil, partido com a terceira maior bancada da Câmara, com 59 deputados eleitos.
O União Brasil é resultado da fusão entre DEM e PSL, partido que elegeu Bolsonaro em 2018, e tem entre suas fileiras o ex-juiz Sergio Moro, eleito para o Senado pelo Paraná. Coisas da realpolitik.
Para fechar a aliança, Lula acenou para a bancada da legenda na Câmara e nomeou a deputada Daniela Carneiro, a apoiadora lá de Belford Roxo, para o Ministério do Turismo.
A ideia era matar dois coelhos numa paulada só: atrair o União Brasil e agradecer pelos esforços de campanha. Faltou a alguém dar um Google antes.
Uma ronda simples teria mostrado o estranho apoio do miliciano Jura, o ex-PM Juracy Alves Prudêncio, à família da nova ministra durante as últimas eleições. Condenado a 26 anos de prisão, Jura é acusado de liderar o Bonde do Jura (título autoexplicativo), suspeito de promover uma centena de assassinatos na Baixada Fluminense.
Jura é acusado também de planejar a morte de um delegado e de um jovem deputado estadual responsável pela CPI das Milícias na Assembleia Legislativa do Rio.
Em 2018, quando cumpria regime semiaberto, o miliciano participou ativamente da campanha de Daniela Carneiro. O engajamento está fartamente registrado em fotos e vídeos. Em um deles, ele organizou um comício na cidade e, após uma caminhada, foi chamado de "liderança" pela então candidata, que na época apoiava Jair Bolsonaro, então no PSL, e já indicava posições alinhadas à agenda bolsonarista (como críticas à tal "ideologia de gênero" e a linguagem inclusiva).
Jura também marcou presença em uma festa de aniversário de Waguinho naquele ano.
Em 2022, já de volta à prisão, o miliciano foi representado por sua mulher, a ex-vereadora Giane do Jura, na campanha de Daniela para a Câmara.
Desde que ela tomou posse, Lula, que explorou na campanha a ligação de Bolsonaro com milicianos, não se pronunciou ainda sobre o conflito, mas Rui Costa, seu ministro da Casa Civil, afirma que não há materialidade (ainda) que comprometa a permanência da neoaliada no cargo.
Presidente da Embratur, órgão ligado ao Ministério do Turismo, Marcelo Freixo disse que sua relação com a ministra é recente, mas marcada por um bom diálogo. Freixo é o deputado que, segundo a polícia, estava na mira de Jura nos tempos da CPI da Milícia — fato que o ex-parlamentar, cuja luta contra os grupos paramilitares inspirou o ativista interpretado por Irandhir Santos em Tropa de Elite 2, diz não se lembrar muito bem.
O cineasta José Padilha não iria tão longe se pensasse em um terceiro filme para continuar a saga do Capitão Nascimento.
No Brasil de 2022, o inimigo agora é amigo.
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