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Matheus Pichonelli

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Vídeo de 'general amigo de Lula' reorganiza ala bolsonarista mais lunática

1º.jan.2023 - Presidente Lula abraça o então ministro do GSI, General Gonçalves Dias, durante cerimônia de posse - 1º.jan.2023 - Sergio Lima/AFP
1º.jan.2023 - Presidente Lula abraça o então ministro do GSI, General Gonçalves Dias, durante cerimônia de posse Imagem: 1º.jan.2023 - Sergio Lima/AFP

Colunista do UOL

20/04/2023 09h48

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Quem circula por ambientes majoritariamente bolsonaristas sabe que existem gradações na radicalidade de eleitores e/ou apoiadores do candidato derrotado em 2022.

Tem ali desde gente que votou no extremista porque faliu em 2016 e não quer a volta do PT, até quem de fato acredite que, por dentro do santo de pau oco e revólver no coldre, pulsa um coração genuinamente cristão. Tem quem associou o proselitismo nacionalista a um resgate de valores pátrios, supostamente abandonados em alguma curva do período democrático.

E tem quem, postado num nível pós-alucinógeno mais grave, acredite que Lula (PT) só foi eleito porque as urnas eletrônicas o beneficiaram. Para estes, o 8 de janeiro não passou de uma fábula encenada por atores petistas vestidos de verde e amarelo. A esses recomenda-se distância segura. Não tem argumento ou juízo dos fatos que arranhe a convicção. Ao menor sinal de contrariedade, eles mordem.

Pois foi essa ala mais, digamos, afastada da realidade que se rejubilou ao saber que o chefe do GSI (Gabinete de Segurança Institucional), nomeado dias antes por Lula, esteve entre os responsáveis por vandalizar o Palácio do Planalto no fatídico 8/1.

As imagens dizem muito, inclusive nada.

Nas cenas, entre remanescentes da estrutura deixada por Bolsonaro estava José Eduardo Natale de Paula Pereira, o capitão do Exército responsável pela segurança do Planalto. Em meio aos destroços, ele caminha, acena, oferece água e até abre a porta a uma invasora. O GSI entrou em contato com a CNN para afirmar que Pereira já não trabalha mais no órgão — saiu antes mesmo da divulgação do vídeo. Ele era um dos muitos sinais de que a segurança do presidente recém-empossado não poderia ficar com o GSI, até outro dia comandada pelo general Augusto Heleno, um antipetista de quatro costados, e sim com a Polícia Federal.

Entre as centenas de horas registradas pelas câmeras de segurança do Planalto, os trechos divulgados pela CNN permitem intuir que aquele capitão estava entre os seus em 8/1.

Na realidade editável das redes digitais, um rabo pode ser o prolongamento corporal de um rato ou de um dragão para quem crê em dragões. O fato é que, se não faltou a cauda, a calva do general Gonçalves Dias, chefe do GSI conhecido como amigo de Lula, também estava lá.

Nas imagens, ele parecia tão perdido ou amedrontado quanto qualquer espectador que olhasse as cenas de destruição.

A passividade, exibida para parte das lentes (as que não haviam sido quebradas) já nos atos finais da invasão, quando já não tinha muito o que fazer, deixa mais dúvidas do que respostas. Uma delas: que gesto corporal Gonçalves Dias poderia assumir para parecer mais leal ao amigo presidente diante dos invasores? Talvez não houvesse essa dúvida se ele tivesse deixado baixar o espírito de Beatrix Kiddo, a personagem espadachim de Uma Thurman em "Kill Bill", e expulsasse os inimigos aos pontapés.

De toda forma, é preciso cuidado ao confirmar a máxima de Luigi Pirandello. Nem tudo é o que lhe parece.

Por isso a Polícia Federal decidiu ouvir não menos do que 80 militares do Exército sobre os atos de vandalismo e invasão: para reconstituir as cenas de um (muitos) crime(s) que só a imagem não diz.

Desde quarta-feira (19), tudo isso virou um detalhe para o acelerado processo de edificação narrativa nas penas da tinta e da galhofa bolsonarista. A sentença é uma só: se o chefe de segurança de Lula estava na cena do crime, está provada a tese de que foi Lula, e não os fãs de Bolsonaro, o interessado e principal responsável pela invasão. Na outra ponta da história falta contar o que ele ganharia com isso.

É fato que, desde 8 de janeiro, Lula conseguiu, se não pacificar, ao menos dispersar os estertores golpistas que enlaçavam Brasília como jiboia em pontos estratégicos da capital.

As cenas de destruição provocada pela multidão de verde e amarelo suspenderam a defesa do indefensável por uns dias.

Os atos foram condenados pela comunidade internacional e até por alas associadas ao bolsonarismo. Seus agentes foram presos e investigados. Parte deles agora está perto de se tornar ré. Inclusive o ex-ministro da Justiça de Bolsonaro, que guardava minutas golpistas na gaveta de casa quando era responsável pela segurança na capital.

Após o 8/1, Lula emplacou um interventor no Distrito Federal, reorganizou a estrutura de segurança, tirou a Abin da aba do GSI e acelerou o processo de desbolsonarização do governo. E, com os bolsonaristas, emplacou na chefia do Exército um general que agora defende em voz alta uma instituição "apolítica, apartidária, imparcial e coesa", tudo o que não aconteceu sob anos anos Bolsonaro.

Só que Lula errou ao manter Gonçalves Dias no posto durante os meses seguintes à invasão. Tanto a demissão quanto a revelação tardia, por imagens divulgadas em tom de alarde, servem agora de brecha para conspiracionistas acusarem o governo de "esconder" a verdade, aquela que liberta, e fugir de uma Comissão Parlamentar de Inquérito, sugerida pela oposição, para contar sua versão dos fatos que a levaram para a lona.

O governo não queria a CPI porque não podia perder tempo e energia numa trincheira de facções enquanto tem um novo e delicado arcabouço fiscal para aprovar. Agora corre para ocupar postos estratégicos da comissão para não deixar os bolsonaristas sozinhos com as imagens e a caneta da história.

O atestado entregue por GDias para faltar à comissão de Segurança Pública na Câmara dos Deputados no dia da revelação das imagens foi a cereja do bolo para a oposição acusar o "general amigo" (fã ou hater?) de Lula de bater em retirada. Ele, afinal, só pode estar com medo da "verdade", insistem os bolsonaristas. Mesmo que a suposta conveniência com golpistas se revele como mais pura incompetência. Dias tinha só oito dias no cargo.

Tudo isso no dia em que soube-se que a Polícia Federal, já sob Lula, fez silêncio sobre uma operação de busca e apreensão para apurar uma suposta relação entre um advogado de Adélio Bispo de Oliveira e o PCC (Primeiro Comando da Capital). Na pedra fundamental do bolsonarismo, o suposto interesse da esquerda, supostamente associada ao crime organizado para tirar Bolsonaro do jogo (e da vida) em 2018, é uma espécie de livro de Gênesis. Isso explica a virulência com que um filho do ex-presidente reagiu ao comentário de um deputado petista, ao ouvir que a facada não passou de uma farsa.

Toda vez que isso acontece, é o campo bolsonarista, do tio despolitizado ao extremista invasor, que se aglutina e se fortalece, mas a turma não aprende.

É possível que, sabendo como funciona a máquina de desinformação bolsonarista, o governo tenha evitado a todo o custo disponibilizar tanto as imagens de seu chefe do GSI nos atos quanto a divulgação da operação apontada como frágil pelo próprio comando da PF.

Mas, ao aparentemente esconder para não alardear nem dar brecha para extremista dançar, o que a gestão Lula conseguiu foi o contrário: apenas alimentou a tese de que as pontas soltas do rabo escondem na antessala do petismo o Dragão da Maldade contra o Santo Guerreiro.