Matheus Pichonelli

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Opinião

O que Delgatti, anti-herói conterrâneo de Macunaíma, queria com Bolsonaro?

Há pouco mais de um ano, quando concedeu uma entrevista ao TAB, o hacker Walter Delgatti Neto já deixava claro o seu desejo de obter um indulto dos crimes pelos quais era acusado na Operação Spoofing, que investigou o vazamento de mensagens de dezenas de autoridades, entre elas o então juiz Sergio Moro e os procuradores da Lava Jato.

"O Daniel Silveira fez muito menos pelo Bolsonaro do que eu fiz pelo Lula", disse ele, em referência ao deputado indultado pelo então presidente após ser detido.

Delgatti respondia ao seu processo em liberdade. Uma das medidas cautelares para ser libertado, no fim de 2020, era a proibição de acessar computadores.

Em julho de 2022, quando decidiu falar, ele se queixou por não poder trabalhar, devido à ordem da Justiça, e pela falta de reconhecimento do então candidato à Presidência Luiz Inácio Lula da Silva (PT), principal beneficiário da divulgação das mensagens. O hacker falava de um eventual indulto diante das possibilidades de o petista vencer, como venceu, as eleições daquele ano.

Um ano depois, em seu depoimento à CPI do 8 de Janeiro, Delgatti disse que Bolsonaro prometeu o tal indulto caso tivesse problemas na Justiça ao assumir uma missão que só agora vem a público. Delgatti possivelmente imaginou que Bolsonaro seria o melhor atalho para o indulto, principalmente se o plano desse certo e ele conseguisse anular a eleição. Isso, ao menos, é o que ele diz. Falta provar.

O plano foi desenhado por Delgatti durante a sessão na CPI. Bolsonaro, segundo o depoimento, queria usar o hacker como um troféu para dizer que as urnas eram passíveis de serem fraudadas. Em troca, sempre segundo sua versão, ele ganharia uma promessa de proteção e um trabalho temporário. Para fazer o quê?

O hacker estava ali para legitimar a farsa, que contaria com a ajuda de uma urna "emprestada" (o hacker falou que ela poderia ser fornecida pela OAB, uma história estranha e carente de sentido, já que a Ordem não passaria por eleições naquele ano) e um vídeo mostrando que poderia mudar o código-fonte do sistema. A farsa poderia criar uma revolta popular, como a que transbordou no 8 de Janeiro e por pouco não gestou uma sonhada intervenção militar.

Os detalhes do depoimento dão pistas para as autoridades completarem lacunas que, no fim das contas, não surpreendem ninguém. Delgatti foi recebido por Bolsonaro na residência oficial da Presidência às vésperas da eleição e pouco depois de a sua interlocutora, a deputada Carla Zambelli (PL-SP), correr para as redes e dizer que havia gente em Brasília que deveria ter razão para ficar de cabelo em pé. Os que tivessem. Era uma referência indireta a Alexandre de Moraes, que pode ser chamado de tudo, menos de cabeludo.

Era claro que, durante duas horas, Bolsonaro e o hacker não conversaram sobre as chances da Ferroviária, de Araraquara, no Paulista do ano seguinte — ano em que foi rebaixada para a Série A2, diga-se.

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Bolsonaro tinha uma única obsessão, e ela não se manifestava apenas em encontros discretos. Era desenhada em carros de som, motociatas, palanques, entrevistas e reuniões com diplomatas.

Na segunda parte do depoimento, quando Delgatti preferiu se reservar ao direito de ficar calado, a oposição ao governo Lula tentou de todo jeito descredenciar seu relato. Pegou onde doía (falta de provas, incoerências) e também onde não fazia sentido. Por exemplo, lembraram os enroscos judiciais do depoente para dizer que tudo o que ele falava não tinha crédito. O homem diante deles, afinal, já havia sido processado por entrar de modo ilegal no Beto Carreiro World e jura que foi abusado, depois de beber muito (justo ele, que em tese não bebe) pela mãe de sua filha, que só reconheceu depois de ganhar fama e ser localizado pela mulher.

Mas nada disso era novo quando Zambelli bateu o bumbo para dizer que "o homem que hackeou 200 autoridades, entre ministros do Executivo e do Judiciário brasileiro", havia bandeado para seu lado.

Sim, o hacker dizia votar em Lula e era até então considerado um herói da esquerda por revelar as mensagens da Vaza Jato. Mas ninguém vive de aplauso e ele, na entrevista do fim de julho, deixava claro que preferia trabalhar e garantir seu indulto, não exatamente nessa ordem. Ele flertou entre um campo e outro da disputa política não como um personagem informante de filme policial, que uma hora municia os heróis e, em outra, os vilões.

Age como a versão hackeada de Macunaíma, anti-herói criado por Mário de Andrade enquanto se refrescava na banheira da chácara de seu tio Pio, ironicamente localizada na mesma cidade onde Delgatti nasceu, em Araraquara — como bem lembrou, em seu Twitter, o também araraquarense Osvaldo Salvador. O personagem da trama, ao menos na ficção, carregava a alcunha de herói sem nenhum caráter.

O encontro fortuito citado por Zambelli em um hotel de Ribeirão Preto (SP), quando começaram a conversar, foi uma parceria de insucesso múltiplo. Os contratantes conseguiram, no máximo, um acesso ilegal ao sistema do CNJ (Conselho Nacional de Justiça) — era como se a montanha parisse um rato e ainda o mandasse de voltar à prisão, pouco depois.

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Com mais um processo pintando nas costas, Delgatti decidiu reatar com seu antigo advogado, com quem havia rompido ao ser cooptado por Zambelli, e decidiu delatá-la. A deputada está agora com o mandato por um fio. E seu mentor, citado nominalmente numa trama que não deu em nada, a não ser novas acusações.

Nesse spin-off da série da Vaza Jato, ficou marcado o "reencontro" entre Sergio Moro e seu inimigo íntimo, a quem tentou desmoralizar em público, quatro anos depois de ser desmoralizado por ele. Delgatti tentou mostrar que sabe mais do que divulgou ao acusar, numa das poucas vezes em que não gaguejou, o ex-ministro de Bolsonaro de ser um criminoso contumaz.

Pediu escusas e ficou por isso mesmo.

Ao seu lado, ironicamente, quem presidia a CPI era o senador Cid Gomes (PDT-CE), seu antigo alter ego. Foi justamente fingindo ser Cid Gomes que Delgatti puxou conversa com políticos do campo progressista para oferecer os dados roubados dos celulares alheios.

Um roteirista de ficção não iria tão longe.

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Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL

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