Dormir é imposição fisiológica, o corpo pede. Entretanto, estamos sempre lutando contra o sono, com medo de perder algo da vida vivida acordado. O que transforma uma necessidade tão básica quanto dormir em "luxo" é uma ordem, nem sempre consciente, de vigilância permanente.
Querendo ou não, essa ordem atravessa os corpos e produz cada vez mais confusão nas fronteiras borradas entre descanso, trabalho, lazer, consumo e entretenimento — fronteiras que se bifurcam em aparelhos eletrônicos que enviam notificações a qualquer hora do dia. E da noite. E da madrugada.
A divisão entre noite e dia é coisa do passado nas metrópoles que nunca dormem. Na crise do novo coronavírus, com a orientação expressa de trabalho remoto para muitos e a regra do distanciamento social, essas fronteiras se borraram de vez — e para um contingente ainda maior de pessoas conectadas e em busca de atualização permanente.
Trata-se, afinal, da primeira grande crise mundial desde a explosão de smartphones e das redes sociais. No colapso financeiro de 2008, por exemplo, o WhatsApp sequer existia. Hoje, de tanta ansiedade e mal-estar, há quem precise sair dos grupos de mensagens instantâneas para fugir da hiperinformação e manter a sanidade. Como manter o sono em dia quando o mundo que conhecemos parece desmoronar?
Se resiliência é a palavra da moda, que ensina a sobreviver em um mundo que nunca desliga, a insônia é o seu efeito rebote.