A INDISCIPLINA DO CAPITÃO
A pandemia de covid-19 surge numa época única da história. Nunca houve redes sociais tão poderosas e poucas vezes o debate político esteve tão polarizado, com tantos governos apostando na negação e no nacionalismo. Embora a condução da crise ao longo da semana estivesse nas mãos do ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, que foi à Câmara e à TV falar da pandemia, a prova do descompasso veio no domingo (15): Jair Bolsonaro, que esteve em contato com pelo menos doze infectados pelo novo vírus, descumpriu a orientação de autoisolamento do ministério da Saúde e foi tirar selfie com apoiadores que protestavam contra o Congresso e o STF.
Nos Estados Unidos, o secretário de Estado Mike Pompeo se referiu várias vezes ao coronavírus como o "vírus de Wuhan", procurando estigmatizar a China. Ao mesmo tempo, grupos da extrema-direita afirmavam que o vírus escapou de um laboratório de armas biológicas dos governo chinês, que funciona ao lado do mercado da cidade. Entre os manifestantes de domingo, covid-19 era chamada de "comunavírus".
No sentido contrário, sites supostamente ligados ao governo russo disseminam a ideia de que o vírus surgiu nos EUA, não na China. Ambas as narrativas são replicadas no Brasil, por grupos de diferentes ideologias.
A circulação de fake news na área de saúde pública, que já tem causado grandes estragos mundo afora e feito a população duvidar de médicos e cientistas, levam a mais tragédia. No Irã, 44 pessoas morreram porque acreditaram que tomar álcool puro as protegeria. No Brasil, corre um boato de que ingerir alimentos alcalinos melhora a resistência ao vírus.
Para o infectologista Celso Granato, que trabalha no laboratório Fleury, em São Paulo, a busca por soluções milagrosas pode levar as pessoas a deixar de adotar as práticas corretas, que são mais simples. "Muita gente não acredita que lavar bem as mãos pode fazer diferença, por ser simples demais. E aí vai buscar um tratamento mais complicado, que muitas vezes não funciona."
O seu colega canadense Bruce Aylward, chefe da missão da Organização Mundial da Saúde de combate à covid-19, disse numa entrevista à TV CBC, do Canadá, que o trabalho nas epidemias de zika e ebola o ensinou que informação precisa é crucial. "As pessoas são inteligentes. Deem as informações certas e elas tomarão as decisões certas", disse. A coisa complica quando teorias da conspiração disputam a narrativa com a ciência.