PAÍS DO FUTURO?

Primeira geração na China que cresceu livre da pobreza agora teme estagnação econômica

Jamil Chade Do UOL, em Xangai, Hong Kong e Yiwu

Chun teve um Ano Novo muito feliz em 2023. Ela pôde passar as festas com toda a família, no interior da China. Para a jovem, que trabalha numa estatal em Pequim, a possibilidade de compartilhar a mesa com parentes era a garantia de que a vida estava sendo restabelecida. "Foi muito especial", disse.

Mas ela teve de ouvir dos mais idosos, já completamente isentos de filtros, comentários típicos de uma conversa numa família numerosa: "Você engordou".

Quem nunca?

A China voltou a se abrir. Tanto internamente, depois de um ano de 2022 tenso e repleto de restrições, como para uma parcela importante do mundo. Muitos turistas e empresários que desembarcam em Pequim hoje não precisam permanecer semanas fechados em um hotel.

Os aeroportos e as estações de trem voltam a lotar, com milhares de pessoas disputando espaços. Em Hong Kong, dois garotos de 16 anos se preparavam para trocar de avião e embarcar rumo a Zurique, onde estudam em uma escola privada, reservada à elite mundial.

"Essa é a primeira vez que estamos viajando sem ter de fazer quarentena", contou um deles, visivelmente aliviado. "Da última vez que viemos ver meus pais, passamos 30 dias fechados."

No mesmo voo, uma família de Xangai viajava pela primeira vez desde o início da pandemia. De fato, o mundo inteiro aguarda uma parcela dos 180 milhões de turistas chineses que, em 2019, garantiram o sorriso de vendedores na Champs-Élysées ou nas ruas de Roma.

No centro de Pequim, alguns restaurantes mais populares têm filas de mais de três horas e as autoridades correm para conseguir emitir vistos e passaportes nas mesmas quantidades de 2019.

A noite multicultural de Xangai, onde qualquer bebida pode ser encontrada e onde as novas tendências musicais embalam as festas, voltou a vibrar. Já na pacata cidade de Yiwu, a esperança é que os estrangeiros retornem para um dos maiores entrepostos comerciais do mundo.

A reabertura da China é também um alívio para a economia mundial, abalada pela guerra na Ucrânia e pela inflação. Para 2023, as projeções apontam para a volta do crescimento do PIB, as obras foram retomadas e, na cúpula do Partido Comunista, o tom é o da inevitabilidade do êxito.

Mas, como em qualquer país do mundo, a volta à normalidade não foi a volta ao que o país era em 2019. Principalmente para os jovens.

Esta é a primeira geração de chineses que não conhece a pobreza. Em 20 anos, o PIB foi multiplicado por 15. A China declarou que conseguiu erradicar a extrema pobreza e foi o primeiro país a atingir as metas da ONU para a redução da fome.

Mas cerca de 280 milhões de chineses nascidos entre 1995 e 2010 são também os primeiros que viram uma queda de salários em 30 anos e a dificuldade de encontrar um emprego compatível com seu nível de educação.

Uma estudante de arquitetura, numa sexta-feira em Yiwu, estava feliz por voltar para casa num fim de semana. "Era triste passar esses dias sozinha", afirmou. Mas, perguntada se já tinha emprego, apenas balançou a cabeça.

O problema não é exatamente a falta de postos de trabalho, mas o resultado de um fenômeno da qualificação de milhões de chineses que, agora, não querem voltar ao chão de fábrica.

O empresário Jinwu Zhu é um dos que sofrem para encontrar gente para trabalhar em seu armazém. "Eles querem algo melhor", disse. Segundo ele, uma das candidatas ficou um dia na função e nunca mais apareceu.

O próprio empresário ficou "preso" na China por três anos. Ele mantém negócios no México e, no final de 2019, decidiu viajar de Puebla para a cidade de Yiwu para cuidar de seus avós idosos. Seu sócio na América Latina sugeriu que ele ficasse na China até o Ano Novo, mas a covid-19 desembarcou, as fronteiras fecharam e ele nunca mais voltou.

Outro sinal do mal-estar pós-covid-19 e que preocupa as autoridades nessa nova era é a queda expressiva de nascimentos e de casamentos. Para a Comissão Nacional de Saúde da China, a pandemia gerou "profundas mudanças", com mulheres optando por adiar bodas e filhos. A isso se soma o processo de urbanização do país, da pressão por encontrar um emprego de qualidade e o maior tempo dedicado à educação.

Ainda em 2021, a taxa de fertilidade da China era de apenas 1,1 criança por casal — Muito abaixo da média de 2,1 exigida em um país para evitar o encolhimento da população.

Jovens ouvidos pela reportagem que pediram para não ter seus nomes revelados apontam que a decisão do governo de permitir que as famílias tenham mais de um filho pode não ser suficiente. Com um custo de vida elevado, o que pode ser decisivo é a existência de um pacote fiscal ou ajuda financeira em determinados setores.

Os jovens chineses não escondem a angústia que sentem nessa nova era. "Perdi anos que eram muito importantes na minha vida", disse um deles, pedindo anonimato. "Não sei exatamente se nossos pais entenderam o que ocorreu conosco."

Para muitos, foi a pressão desses jovens que levou o governo de Xi Jinping a abandonar a política de "covid zero", na qual qualquer novo caso era motivo para se fechar um bairro inteiro ou até uma cidade.

Chineses e brasileiros que moram na China relataram como, mesmo no auge do fechamento, havia esquemas para que a juventude se reunisse — sempre sob intenso risco.

GRANDES INCERTEZAS

Segundo pesquisas, a atual geração de jovens chineses é a mais pessimista, dentro da própria sociedade local. Num levantamento realizado pela consultoria Oliver Wyman, 62% deles estão preocupados com seus empregos e 56% não sabem se conseguirão repetir o mesmo padrão de vida de seus pais. A taxa, segundo o levantamento, é superior a qualquer outro grupo etário dentro da China.

Diplomatas estrangeiros que vivem no país destacam que o governo sabe desse mal-estar. E não são poucos os que lembram que foram os estudantes insatisfeitos quem lideraram os protestos de 1989.

Não por acaso, Xi Jinping usou um trecho de seu discurso de Ano Novo chinês para mandar um recado: "Uma nação só vai prosperar quando seus jovens tiverem êxito".

A frase foi interpretada como um sinal de que o governo sabe que terá de construir novas possibilidades para essa geração, se não quiser ver essa insatisfação ganhar uma dimensão de contestação política. Dessa vez, porém, terá de fazê-lo num cenário de maior tensão internacional e de taxas de crescimento mais baixas.

De forma quase unânime, os jovens chineses afirmaram que não acreditam na propaganda oficial. "Queremos resultados. É nisso que acreditamos."

Seus pais tiveram. Já eles parecem duvidar.

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