PRÓXIMA PARADA

Sem medo da solidão, idosos internam-se voluntariamente em residencial de luxo na zona oeste de São Paulo

Bruno Cirillo (texto) e Fernando Moraes (fotos) Fernando Moraes/UOL

Sentadas em duas fileiras de cadeiras, diante do retroprojetor conduzido por uma psicóloga, as sete velhinhas tinham de acertar, de memória, quais letras e números formavam um par, depois de observar uma tabela projetada no painel. Parece que gabaritavam. Em seguida, a psicóloga propôs o mesmo exercício com formas geométricas e, depois, palavras:

1-BOLO
2-AMOR
3-GARFO
4-BABOSA
5-MALUCA
6-PEQUENO

Jogos para driblar a senilidade, além de fisioterapia, pintura e artesanato, ocupam os dias dos 75 idosos que vivem no Lar Sant'Ana, residencial de alto padrão para a terceira idade no Alto de Pinheiros, bairro de classe média-alta na zona oeste da capital paulista.

Às 10h de uma quarta-feira, os residentes circulavam pelos três sobrados de arquitetura colonial. A maioria se espalhava pelo grande salão, cheio de poltronas e sofás, banhado pela luz que escapava de um jardim de inverno. Alguns deles tinham hora marcada para se exercitarem nas máquinas pneumáticas importadas da Finlândia, e boa parte se recolhia, após o café da manhã, a seus respectivos quartos.

O empresário aposentado Euclides Bacci Álvares, 84, que trabalhava na construção civil, era o único idoso na sala de artes. Ao lado do terapeuta, brincava com um jogo cognitivo de combinações silábicas. Desde 2018 ele mora no asilo com a esposa, com quem é casado há 54 anos. Álvares fala com gestos largos: "Aqui estamos nessa idade que não tem mais nada pela frente na vida. É comer, beber, dormir e se divertir".

A família, naturalmente, ficou sabendo da decisão. Aprovaram a transferência de Bacci e sua esposa para o asilo. "Nós já frequentávamos aqui. A gente vinha jogar. Depois, moramos aqui perto. Acabamos nos juntando às pessoas, nos tornamos conhecidos. Minha mulher se integrou, se enraizou. Ela gosta", lembrou.

O aposentado, que tem diabetes e faz hemodiálise, declara-se orgulhosamente "católico apostólico romano" e afirma não temer a morte. "Prefiro não pensar nisso. Sou muito ligado a Deus, sei que Ele me protege, então não tenho medo." Nessa questão, as respostas dos idosos consultados pela reportagem de TAB repetiram-se: não pensam e, portanto, não temem.

Via de regra, os asilos, residenciais e casas de repouso são procurados por famílias, e não pelos futuros internados. Há 350 mil pessoas vivendo nesse tipo de abrigo no país — 1,5% dos 32 milhões de velhos, segundo a SBGG (Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia).

Enquanto nas ILPIs (Instituições de Longa Permanência para Idosos) a idade média dos internos está em torno de 80, no Lar é de 89. "Aqui é diferenciado porque tem um grande número de atividades", frisa a supervisora de gerontologia, Roberta Seriacopi, que indicou os velhinhos mais dispostos a falar. O custo mensal, no Lar Sant'Ana, começa em R$ 14.800. Segundo a SBGG, o custo médio de cada idoso internado no país é de R$ 8 mil ao mês.

A psicóloga lembra que o residencial, mantido pela Liga Solidária, tem duas unidades. A do Butantã atende idosos com demência e deficiências. Já a de Pinheiros é lar para um público mais lúcido e sem grandes dificuldades motoras. Quando a decrepitude acomete e debilita bastante um idoso em Pinheiros, ele vai para o Butantã.

No apartamento 107, pouco antes do meio-dia, o químico industrial aposentado Tharcísio Rosa, 95, arruma-se para receber a família e almoçar fora. "Deve ser horrível viver do passado", desconversa vagarosamente o homem magro, de nariz adunco e careca, por trás dos óculos e bigode, sentado à beira da cama numa suíte mobiliada com poltrona, sofá, cadeiras, computador e uma cruz na parede. A julgar pelo que diz, entre longas pausas e gestos contidos, envelhecer é viver o presente: "Você vive mais o dia-a-dia".

Sua mudança tem dois anos, numa decisão tomada por ele próprio — não queria dar trabalho, na velhice, para os quatro filhos (também idosos já aposentados) após o falecimento da esposa, em agosto de 2018.

As duas fotos do casal na parede lembram o casamento e a festa das bodas de ouro. "Vivemos 67 anos juntos, sempre tivemos uma vida moderada, sem exageros", recorda o ex-funcionário de carreira da CPFL Energia.

Há um ano, Rosa pegou covid-19 e se safou. Ele e os vizinhos já foram vacinados, mas as visitas são controladas. Sair para almoçar é exceção. As famílias têm feito contato por telefone ou por meio de um balcão na sala de leitura, com abertura para a área externa e uma placa de acrílico. Nas ILPIs, o novo coronavírus agravou o maior problema enfrentado pela terceira idade, segundo geriatras: a solidão pela ausência dos familiares.

Viúva há 25 anos, Maria José Sawaia, 84, considera-se muito bem acompanhada pelos vizinhos. "Sinto muita falta das crianças", diz a educadora aposentada, que lecionou e fez parte, nos anos 1950, da estruturação da rede de ensino municipal em São Paulo. "Eu saía de casa desanimada, nervosa, sem dormir direito, mas quando entrava na sala de aula, recebia uma energia tão boa que ficava me sentindo leve."

Depois do almoço, no decorado apartamento 121, o telefone toca e Sawaia atende Clélia Martins, mulher de Álvares, o engenheiro. "Alô? Estou falando com o rapaz que está filmando aqui", avisa.

Para ela, morar no residencial é melhor do que viver no antigo apartamento, vizinho ao local, ou no Guarujá, onde tem outro imóvel. Para evitar a solidão, ela passa todos os dias ocupada: três atividades de manhã, duas à tarde — quatro aulas de ginástica por semana, pilates, artesanato e pintura.

As atividades são mantidas por um batalhão com cerca de cem funcionários, que dividem o trânsito com os moradores e visitantes nos largos corredores da instituição, algo entre hotel cinco estrelas e hospital de primeira categoria. São sete enfermeiras, vinte auxiliares, quatro técnicos, terapeutas, fisioterapeutas e outras especialidades, como psicólogos, gestores, faxineiros e o pessoal da cozinha e manutenção.

"Não deu pra sentir muita solidão na velhice porque trabalhei na prefeitura, no estado e depois vim pra cá, então tive todo o tempo tomado", conta Sawaia, muito simpática e delicada ao falar, quase pomposa, impecavelmente arrumada para a ocasião. "Ficar desesperada porque me aposentei, porque sinto um vazio existencial? Nada disso", acrescenta.

Sobre a perda do marido, que infartou aos 39 anos, ela não titubeia. "Olha, pra dizer a verdade, ele me deu muito trabalho no final — e eu já tinha minha mãe com 101 anos pra cuidar. Então, depois que eles faleceram, nunca mais tive crises emocionais." Quando não está em atividade, Sawaia gosta de ler num caramanchão do lado externo dos sobrados. "Não deixe de ver o caramanchão", pontua ela.

Na área externa, Seriacopi comenta que há apenas um fumante no residencial. Cadeirantes são três. "Todos aqui devem ter um problema de saúde. Os mais comuns são hipertensão, pressão alta, diabetes, labirintite... se pegar o prontuário, tem muitos diagnósticos", observa a psicóloga, ressaltando ainda que a maior parte da residência é composta por mulheres (64) e há apenas onze homens. "Mulher vive mais. Mulher se cuida mais."

No meio da tarde, sete velhinhas reuniam-se na sala de artes, em volta de uma mesa repleta de tinta acrílica, panos de prato e folhas ilustradas. Pouco a pouco, mais internas iam apinhando — Sawaia por último — num total de doze participantes. Todas elas estavam muito bem vestidas e enfeitadas com brincos e colares de pérolas, usando maquiagem para disfarçar as rugas e penteados carregados de laquê.

Oriette da Silva, que faz 89 anos em junho, conta que foi a responsável pelas reuniões diárias na capela para rezar o terço. "Começamos o terço na pandemia, para rezar pelo fim da doença e manter a tradição católica", explica, interrompendo a pintura de um pano de prato.

Há cinco anos, ela perdeu o marido para o Alzheimer, em Curitiba, e decidiu se mudar para o residencial em São Paulo. Tem seis filhos e uma aposentadoria devido à carreira de orientadora social no SESC. "Me sinto como se tivesse 14 anos, muito bem, feliz e alegre."

Apesar de figurar entre as instituições filantrópicas, que hoje representam cerca de metade dos asilos no país, o Lar Sant'Ana é um ponto fora da curva. Trata-se de um local luxuoso, que não reflete o cenário comum.

São Paulo tem cerca de 387 lares de idosos em atividade, entre públicos e privados. A prefeitura oferece acolhimento integral para idosos em 14 endereços, segundo a Secretaria de Assistência e Desenvolvimento Social. Esses locais públicos atendem mais de 14 mil idosos em situação de vulnerabilidade pessoal e social, oferecendo abrigo temporário (de curta ou prolongada estadia), atividades e proteção.

Mas, durante a pandemia, a situação das ILPIs piorou com a restrição à entrada de novos pacientes. A mortalidade, consequentemente, também aumentou. Entre janeiro e março, 39% das mortes registradas nos abrigos da terceira idade ocorreram em função do vírus.

Flanando pelo salão principal até repousar numa mesa próxima ao jardim de inverno, Jeanne Aires de Abreu, 88, estava fora do roteiro da visita. Internada há sete meses, suspeitam que ela sofre de Alzheimer. Vestia um suéter cinza. De corte chanel e unhas pintadas de vermelho, falava bem baixinho e devagar. "Aqui é muito bom, tranquilo e organizado. Fiz bastante amizade e o pessoal é muito comunicativo", elogiou. Para se distrair, tem um jogo preferido: o dominó.

Ao redor, as muitas mesas espalhadas eram ocupadas apenas por um velhinho cada, exceto por um ou outro casal (são cinco vivendo na residência). Todos olhavam vagamente para o além ou para a televisão, cujo ruído, à distância, era irreconhecível.

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