Companheiros de bocha que se encontravam todo sábado, Mário e José não se falam há dois meses. "Eu e o polaco éramos que nem irmãos. Queria pedir perdão para cada pessoa daqui, mas principalmente para ele. Não sei se vai me perdoar. Talvez só com o tempo", desabafa Mário Mai (veja entrevista dele em vídeo abaixo).
Atrás de seu portão e de sua dor, José Aniecevski não quer dar entrevista. Responde a uma única pergunta. "Não tenho nada contra ele. Quem sabe no futuro, mas agora não consigo falar."
Em 4 de maio, o filho de Mário, Fabiano, 18, entrou na creche Aquarela e matou três crianças e duas funcionárias. Uma delas era a professora Keli, 30, filha de José. Ao contrário dos pais, assassino e vítima não se conheciam.
O massacre em Saudades, no oeste de Santa Catarina, comoveu o Brasil, e suas feridas continuam abertas na cidade de quase 10 mil habitantes. Mais de 30 psicólogos foram mobilizados para tratar vítimas, testemunhas, impactados indiretamente e, claro, familiares — inclusive os do autor. Luis Picazio Neto, professor da PUC-SP (Pontifícia Universidade Católica de São Paulo) que atuou em tragédias como a de Brumadinho (MG), lidera uma das equipes de assistência.
Há exatos 90 anos, a região foi colonizada por alemães católicos, vindos de mais ao sul. Depois de construir as primeiras casas nas clareiras que abriram, os colonos iam voltar e trazer suas famílias, mas uma enchente no meio do caminho os impediu.
As semanas distantes das pessoas amadas, olhando a água espessa e parda que não queria baixar, fizeram esses pioneiros batizarem a cidade e o rio com a emoção que os inundava: saudades. Nos dias correntes, seus habitantes voltam a se afundar nesse sentimento de ausência.