"Glamour é uma ilusão", diz a consultora de arte paulistana Bianca Cutait, 43, servindo em sua casa um blend de café feito por ela própria, no prédio onde mora o músico Lenny Kravitz. Desde 2013 em Miami, foi contratada recentemente como especialista sênior da casa de leilões londrina Bonhams, uma das maiores do mundo.
O mercado de arte é "como outro qualquer, a diferença é o público", diz ela, que acorda às 3h para participar de reuniões online com parceiros em Hong Kong e trabalha até altas horas em Miami. "O público poder pagar US$ 560 mil num quadro de Adriana Varejão não quer dizer que eu posso. Adoraria, mas não é assim. A gente vê o glamour, mas não significa que nós somos o glamour".
Dias antes da pandemia, Cutait encontrou o prefeito de Miami num coquetel. Suarez disse que queria transformar a cidade no maior "tech hub" dos EUA. "E não é que ele fez? Deu linha para a pipa e foi o porta-voz dessa 'brincadeira'", diz ela. Desde então, a cidade passou a abrigar eventos gigantes, de bitcoin a arte NFT. Uma das consequências do crescimento acelerado é o trânsito, tanto que ela comprou um patinete elétrico para percorrer diferentes pontos da Art Basel de Miami, feira de arte que movimenta cerca de US$ 65 bilhões por ano.
Dos carrões que cruzam a cidade não dá para ver, mas Miami também tem ruas sujas e fedidas de urina. Após a pandemia, a população de rua ficou mais visível, acrescenta ela, que faz trabalho voluntário em abrigos.
"Você vê trailer, gente vivendo na miséria em North Miami Beach", conta a empresária mineira Mila Garro, 35, que mora no alto do Trump International Resort, em Sunny Isles. Fiel da Igreja Universal, ela evangeliza nos bairros pobres nos finais de semana. Outras vezes, vai pregar nos bairros ricos: "Dentro desses lugares, o que mais tem é gente triste".
Garro cresceu com a avó, dona de loja de lingerie em Contagem (MG). Aos 19, decidiu migrar para os EUA "na cara e na coragem", trabalhando como faxineira. Casou com um empreendedor, e juntos foram para Charlotte, na Carolina do Norte. Lá, ela abriu a empresa de faxina Fiv5 Star Cleaning: começou limpando 28 casas em 2011; em 2015, já eram 600. No fim de 2016, alcançou o primeiro US$ 1 milhão de faturamento. Três anos depois, o marido recebeu uma proposta de trabalho e o casal se instalou na Flórida.
"'Pô, venci na vida', alguém pode pensar, mas não é isso: minha maior vontade era poder ter dignidade", diz, citando que já foi humilhada por chefes anteriores. Na manhã da entrevista, ela viajou de Orlando a Miami à noite, fez as unhas às 5h, passou num mercado para preparar um café caprichado e se produziu com uma maquiadora profissional às 8h. Tinha Louboutin nos pés e Chanel nas orelhas. Não para ser famosa, mas "para ser famosa na faxina: para que vejam que faxineira pode se vestir bem, ter empresa, estudar".
Da varanda de Garro dá para ver o arranha-céu da Porsche ao lado. Ela gosta da vista, imagina um dia mudar para lá. "Às vezes Miami traz muito isso, ilusão."