Eu temo, eles temem, nós tememos. O verbo é conjugado em todas as pessoas, no singular e no plural, desde que o ser humano existe. O medo é um sentimento fundamental e teve papel determinante na nossa adaptação e evolução como espécie. Temer é avaliar, ponderar, estar alerta diante das ameaças. Mas cada época tem seus medos peculiares, que dizem respeito ao tempo no qual se vive. E em um período de mudanças vertiginosas, como o atual, nada mais apropriado que uma fornada de novos temores a nos moldar enquanto seres humanos. Diante da sensação de ameaça, recebemos o velho alerta de “lutar ou fugir”. Nossa reação é a mesma de sempre, mas os nossos medos, quanta diferença.
“Um medo muito fundo no nosso tempo é o do abandono, a ideia de não estar conectado, de não ser lembrado”, afirma Mario Sergio Cortella, filósofo, professor e escritor, que lançou em 2018 “A Sorte Segue a Coragem” (Ed. Planeta). “O medo do esquecimento é muito contemporâneo e, em grande medida, se deve ao fato de vivermos em grandes agrupamentos humanos e termos tecnologia de conexão, que faz com que a gente precise estar o tempo todo em rede”, completa.
Essa solidão, por incrível que pareça, pode ser uma parte até tolerável diante dos outros medos da era digital. Há quem enxergue lados mais sombrios. “No século 14 havia medos objetivos, como o da peste, e subjetivos, como o do fim do mundo. Hoje, medos objetivos e subjetivos foram intensificados na divulgação pelo cyberspace (ciberespaço). A autoridade foi diluída e todos são especialistas em tudo por possuírem acesso ao Facebook”, afirma Leandro Karnal, historiador, professor e escritor, que lançou em 2018, em coautoria com Monja Cohen, o livro “O Inferno Somos Nós: Do Ódio à Cultura de Paz” (Ed. Papirus 7 Mares).
Algumas atualizações dos medos são de ordem prática. “Hoje, o medo de raios, trovões, tempestades não possui a característica comum aos nossos antepassados, visto que a ciência já compreende os fenômenos da natureza. Entretanto, o medo do desconhecido ainda é algo que permeia a humanidade, mesmo que tenha apenas mudado de foco”, avalia Antônio Geraldo da Silva, presidente eleito da APAL (Associação Psiquiátrica da América Latina). Banais, digitais ou superficiais, os medos da nossa era dizem muito a respeito de quem somos e, principalmente, do que será de nós no futuro.