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São Paulo tem olhar pioneiro para as pessoas em situação de rua. A lei municipal 12.316 é modelo para o resto do país. E o censo promovido pela Fipe (Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas) desde 2000 a pedido da Secretaria Municipal de Desenvolvimento e Assistência Social traz números que ajudam a entender o problema e a planejar políticas públicas. O levantamento mais recente, realizado entre fevereiro e março de 2015, contabilizou 15.905 pessoas que dormem pela cidade e nos albergues públicos ou de entidades sociais – não foram consideradas moradias precárias. De acordo com o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), o número de habitantes de São Paulo cresceu 16% entre 2000 e 2017. Num período menor, entre 2000 e 2015, a população em situação de rua da cidade cresceu 82,6%.
Maria Vany Freitas, autora de “Trançando os Fios de uma História: População em Situação de Rua na Cidade de São Paulo (1970-2005)”, tese de doutorado em História pela UnB (Universidade de Brasília) Estudo produzido pelo Grupo de Estudos da OAF (Organização de Auxílio Fraterno) em abril de 1976 revela que, naquela década, o fenômeno da população em situação de rua estava diretamente associado à questão do êxodo rural. Outro documento de agosto de 1986, feito pela mesma instituição, revela que em um período de 10 anos somente na região metropolitana de São Paulo entraram 3,5 milhões de migrantes, oriundos de todas as regiões do país, empobrecidos e em busca de trabalho e moradia.
Daniel de Lucca, antropólogo, autor de “A Rua em Movimento: experiências urbanas e jogos sociais em torno da população de rua”, dissertação de mestrado na USP (Universidade de São Paulo) O surgimento da população em situação de rua como uma questão social em São Paulo tem a ver com a Teologia da Libertação e Comunidades Eclesiais de Base na virada dos anos 1970 para os 1980. A ideia da rua ser um lugar de risco, de morte, de dor, e essas pessoas mesmo assim conseguirem se manter vivas, é porque Deus está lá. É o momento no qual essas pessoas se tornam gente. A Teologia da Libertação reconhece neles um grupo com dignidade e com direitos.
Maria Vany Freitas Até meados da década de 80, o que predominava era um conjunto de análises baseadas em suposições em relação ao número de pessoas sem casa que usavam as ruas do centro como moradia. Da parte do poder público, a relação que se estabelecia com essa população se caracterizava fundamentalmente pela repressão ou por meras ações assistencialistas de atendimentos imediatos precários.
Júlio Lancellotti, pároco da Matriz Paroquial São Miguel Arcanjo e da Pastoral Povo da Rua O perfil mudou e ele é dinâmico, porque diz respeito a uma série de fatores, como o momento em que vivemos, drogas, desemprego, saúde mental. Falar de pessoas bipolares, por exemplo, é recente, mas a bipolaridade não é recente. Hoje se fala mais de doenças mentais e de diferentes diagnósticos.