Já são quase 2h em Atenas, capital da Grécia. A mochila está pronta, o check-in feito. A roupa - bermuda cargo, camisa pólo e tênis de marca, tudo novo - deixa Amin* impecável a caminho ao aeroporto. Suor na testa e música ao fundo, ele tenta controlar o nervosismo. Revela uma última dúvida para a viagem mais importante de sua vida: "Tiro ou deixo o piercing?". Após breve deliberação com um amigo, ele decide retirar a joia fake da orelha direita.
Amin caminha pela sala, se olha no espelho, troca de camiseta, uma, duas vezes, antes de voltar, em definitivo, à camisa pólo. "Você tem que andar mais tranquilo, relaxado. Você tem que pensar que é francês", afirma o companheiro que o hospeda em Atenas. Ele volta a praticar, com a calma possível e alguma classe no andar, os passos que em breve daria no embarque: check-in no scanner do QR code, olhares de seguranças, alfândega, despedidas (?) etc.
Esse zelo ao conferir os preparativos para uma viagem de avião poderia ser sobre um jovem francês vaidoso que, daqui a pouco, pegaria um voo de duas horas rumo a um país da União Europeia. Para essa pessoa, ter um cartão de embarque em mãos não custaria mais do que 50 euros em uma companhia de baixo custo. Só que a história é diferente. No mundo real de Amin, a passagem custou 3.500 euros (cerca de R$ 15 mil) na classe econômica. Ele não é francês: trata-se de um refugiado sírio, fugitivo da Guerra Civil naquele país, se passando por um turista europeu que volta para casa após férias na Grécia. Detalhe: até esse dia, Amin, nunca havia entrado em um aeroporto.
"Os traficantes (de pessoas) te dão um documento nacional de identidade, ou mesmo um passaporte, de acordo com as características físicas de cada pessoa", explica Amin. A semelhança entre o dono da cédula de identidade - muito provavelmente roubada - e o jovem sírio é espantosa. "São eles quem determinam se você parece com um italiano ou um espanhol. Para as pessoas com cabelo e pele claros, por exemplo, eles vendem documentação de pessoas suecas ou alemãs", completa.
A saga de Amin é uma das histórias que o TAB investigou durante meses em Atenas. O foco era conhecer pessoas e colher depoimentos de refugiados e imigrantes na capital grega, que virou o maior centro europeu de operação dos "smugglers", como são chamados esses traficantes de pessoas. Os nomes de todos os envolvidos foram alterados por motivos de segurança, mesma razão que impede a publicação de imagens dos entrevistados.