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Por que o preço do café, que já está caro, vai continuar subindo

Se café é indispensável para você, uma má notícia: os preços altos, que vemos há pelo menos um ano nos mercados, vão persistir. Pior: a xícara de café deve ficar ainda mais cara.

O cenário é de tempestade. Nunca houve tanto consumo de café no mundo, especialmente com a popularidade crescente da bebida na Ásia.

Some-se a isso safras castigadas pelo clima nos maiores produtores globais, incluindo o Brasil, que lidera a produção mundial e as exportações.

Desde 2021, parte da nossa produção foi dizimada primeiro por geada e, nos últimos três anos, por secas nos estados produtores.

O país produziu 63 milhões de sacas em 2020 e, no ano passado, somente 54 milhões, segundo a Conab (Companhia Nacional de Abastecimento).

Após apanhar do clima, muitos produtores reduziram suas áreas plantadas, consolidando a tendência de colheitas menores.

A cada dez xícaras de café consumidas no mundo todo, quatro foram servidas a partir de grãos colhidos nos cafezais brasileiros.

O preço médio do quilo do café no varejo quase dobrou nos últimos 12 meses, segundo a Abic (Associação Brasileira das Indústrias de Café). Foi de R$ 29,62 para R$ 56,07.

Na semana passada, o café arábica ultrapassou a marca de US$ 4 por libra na ICE, bolsa de Nova York que oferece referência para os mercados globais.

Nesta terça-feira (11), os contratos futuros eram negociados a US$ 4,13 —quase duas vezes e meia a cotação de um ano atrás (cerca de US$ 1,77).

A saca de 60 kg do tipo arábica fechou nesta segunda (10) em R$ 2.750 em Guaxupé (MG), sede da maior cooperativa de produtores do país. Em fevereiro de 2024, o valor chegou a R$ 992.

A saca do conilon, ou robusta, um tipo de café com maior concentração de cafeína e de sabor mais amargo, usado para o café solúvel, cápsulas ou blend, fechou em R$ 2.071,60, segundo o Cepea/Esalq (Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz da USP). Um ano atrás, bateu R$ 836.

Esse movimento tende a acelerar o impacto sobre os consumidores, já que o aumento do preço dos grãos se traduz em um produto cada vez mais caro no varejo.

"A matéria-prima subiu 180% para a indústria no ano passado, que repassou em média de 40% aos supermercados", disse à coluna Celírio Inácio, diretor-executivo da Abic.

Segundo Inácio, o cenário pode começar a ser revertido apenas em setembro, quando a florada das plantas começa, podendo indicar uma safra melhor.

O cenário para o produtor que resistiu às intempéries, no entanto, é de bonança.

Normalmente, 60% da produção era vendida antecipadamente para custear a lavoura. Agora, 30% das sacas colhidas nos atuais patamares de preço já cobrem as despesas.

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Imagem: Arte/UOL

Estoques em baixa

O rali histórico do café é um fenômeno raro em termos econômicos.

Além de quebras de safras no Brasil, problemas climáticos também provocaram a redução da produção no Vietnã (2º maior produtor) e na Indonésia (o 4º).

Em 2024, o fenômeno El Niño, que provoca o aquecimento das águas do oceano Pacífico, tornou mais severas as monções no Vietnã, padrões sazonais de ventos que influenciam diretamente o clima do país.

Isso afetou temperaturas, precipitação e produção agrícola, incluindo a do café robusta, uma das principais commodities vietnamitas.

Plantação de café afetada pela estiagem em São Paulo, em 2024
Plantação de café afetada pela estiagem em São Paulo, em 2024 Imagem: Edson Silva - 17.set.2014/Folhapress

Já a populosa Indonésia (284 milhões de habitantes) mais que dobrou as importações de café brasileiro em 2024. Lá, o El Niño veio em forma de estiagem.

A combinação dos problemas no Brasil, no Vietnã e na Indonésia deve reduzir os estoques globais para o menor nível em 25 anos, segundo previsões do Departamento de Agricultura dos Estados Unidos (USDA).

Segundo o Cecafé (Conselho dos Exportadores de Café), o Brasil exportou, em 2024, 50 milhões de sacas, quebrando o recorde histórico para um único ano e gerando US$ 12 bilhões em receitas.

A comparação dos dados de exportações com o de produção é confusa e indica uma opacidade das estatísticas. 40% da produção brasileira é consumida no mercado doméstico, segundo a Abic.

Se o país produziu mesmo 54 milhões de sacas, como indica a Conab, e exportou 50 milhões, como diz o Cecafé, faltaria algo como 16 milhões de sacas para fechar a conta de consumo doméstico e exportações.

Os estoques costumavam ser de 5 milhões de toneladas.

"O que dá para dizer é que os estoques estão cada vez menores. Ou então sobrou quase nenhum estoque", avalia Inácio, da Abic.

Xícara com café ao lado de saco com grãos de café
Xícara com café ao lado de saco com grãos de café Imagem: Divulgação

Desafio de longo prazo

Nos últimos anos, mudanças culturais e econômicas têm feito a demanda por café na Ásia crescer. A China é o grande "drive" da expansão do consumo.

Segundo a Organização Internacional do Café, o consumo chinês passou de 231 mil sacas de 60 kg em 2002 para 2,8 milhões em 2022.

Esse aumento é atribuído à expansão de cafeterias nas grandes cidades e à crescente popularidade do café entre os jovens chineses.

Um símbolo deste fenômeno cultural é a Luckin Coffee, rede de cafeterias fundada em 2017 em Pequim.

No ano passado, a cadeia tinha 9.300 lojas e um número estimado de 500 milhões de clientes.

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