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Prefeitura passou contrato de firma investigada a clã ligado a MDB e União

O prefeito de São Paulo, Ricardo Nunes (MDB), transferiu no fim de fevereiro o contrato da Transwolff, empresa de ônibus acusada de elo com o PCC, à Sancetur, empresa da família Chedid.

Membros da família Chedid são políticos filiados ao MDB e ao União Brasil.

Não houve informe para "manifestação de interesse" de empresas que gostariam de disputar o contrato —ou seja, não houve concorrência.

A Sancetur (Santa Cecília Turismo) opera em 21 cidades paulistas, segundo publicou a Prefeitura de São Paulo ao divulgar a transferência da concessão.

O UOL perguntou à prefeitura por que escolheu uma empresa que não opera na capital paulista, onde não possui garagem, para assumir uma das maiores concessões de ônibus da cidade.

A prefeitura não respondeu às questões enviadas e, após a publicação da reportagem, enviou nota na qual se limitou a dizer "que as concessionárias Transwolff e Upbus concordaram em ceder seus direitos contratuais às empresas Sancetur e Alfa RodoBus, respectivamente", e que "as duas empresas atendem a todas as exigências do edital da licitação realizada em 2019".

O contrato da Transwolff, responsável por 132 linhas da capital paulista, transportando 590 mil passageiros por dia, segundo a prefeitura, rendeu R$ 748 milhões em 2023.

Foram mais de R$ 4,5 bilhões desde 2015.

O UOL apurou que o processo administrativo que levou à rescisão do contrato com a Transwolff não seguiu trâmites necessários.

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Uma das irregularidades é que não foi nem publicado um decreto da prefeitura formalizando o rompimento do contrato —o que é necessário antes da transferência da concessão.

Apesar de ter anunciado que a Transwolff concordou em transferir a concessão à Sancetur, a reportagem apurou que não há nenhum documento que comprove isso.

A prefeitura também não enviou um relatório à Transwolff estabelecendo um "prazo de cura", durante o qual, antes de a prefeitura optar pela rescisão do contrato, a empresa deveria se comprometer a sanar os erros administrativos encontrados.

Luiz Arthur Abi Chedid e Ricardo Nunes
Luiz Arthur Abi Chedid e Ricardo Nunes Imagem: Reprodução/Instagram

Família Chedid

A Sancetur integra o grupo SOU (Sistema de Ônibus Urbano), que pertence a Luiz Arthur Abi Chedid.

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Presidente da Aesp (Associação das Emissoras de Rádio e TV do Estado de São Paulo), Luiz é filho do ex-vereador de Campinas e ex-deputado federal Marquinho Chedid (MDB) e primo dos prefeitos Edmir Chedid (União Brasil), de Bragança Paulista, e Elmir Chedid (União Brasil), de Serra Negra.

Os irmãos Edmir e Elmir são filhos do empresário Jesus Chedid (União Brasil), ex-prefeito de Bragança Paulista que morreu aos 83 anos, em 2022.

O Grupo Chedid, como é conhecido no interior paulista, reúne políticos de partidos como União Brasil, MDB e Republicanos.

Nunes contou com o apoio do União Brasil, liderado na capital pelo então presidente da Câmara Municipal de São Paulo, Milton Leite, para se reeleger em 2024.

A diretora-executiva da Transparência Brasil, Juliana Sakai, entende haver conflito de interesses no caso.

"No caso narrado há uma situação de conflito de interesses, com aliados políticos do prefeito beneficiando-se com a decisão de transferência", afirma.

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"Um processo aberto a diversos interessados, com resultado público de análises técnicas, econômicas e jurídicas, garantiria que a transferência ocorresse com princípios de boa gestão, guiada exclusivamente pelo interesse público. Infelizmente, não foi o caso."

Nunes vem ensaiando se lançar candidato ao governo do estado em 2026. Entre as articulações está a nomeação de ex-prefeitos paulistas como secretários na capital.

Ônibus operados pela Transwolff na cidade de São Paulo
Ônibus operados pela Transwolff na cidade de São Paulo Imagem: Divulgação

O processo de transferência

A Transwolff é um dos alvos da Operação Fim da Linha, deflagrada pelo MP-SP (Ministério Público de São Paulo) em abril de 2024.

Liderada por Luiz Carlos Efigênio Pacheco, conhecido como Pandora, a empresa é acusada de lavar dinheiro para o PCC.

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A SPTrans, empresa pública vinculada à Prefeitura de São Paulo, assumiu como interventora na Transwolff, em 9 de abril de 2024, atendendo decisão judicial.

Nunes decidiu romper o contrato da Transwolff em 27 de dezembro de 2024, entre o Natal e o Réveillon.

Depois, em 28 de fevereiro deste ano, na véspera do Carnaval, o prefeito divulgou que a Transwolff seria substituída pela Sancetur.

Segundo a nota publicada pela prefeitura, a Transwolff concordou e cedeu os direitos contratuais. A reportagem apurou que isso não ocorreu.

Procurados pela reportagem, Chedid e Sancetur não se manifestaram.

Segundo a nota publicada pela prefeitura, a Sancetur fez "manifestação de interesse" para assumir as linhas da Transwolff.

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Questionada pelo UOL sobre a publicação de um informe para que interessados se manifestassem para assumir a concessão, a prefeitura afirmou que "as concessionárias do sistema municipal de transportes podem solicitar a transferência de seus direitos a qualquer tempo, sem necessidade de chamamento público".

Não foi o que aconteceu: as concessionárias foram contra o rompimento dos contratos e não solicitaram a transferência de seus direitos a nenhuma empresa.

Foi a prefeitura que escolheu as outras empresas, sem chamamento público.

O advogado Fernando Neisser, professor de direito da FGV, pondera que os contratos do setor são complexos.

"De modo geral, a administração precisa passar qualquer concessão por consulta pública, num processo que respeite a publicidade e a impessoalidade", afirma.

Ônibus da Sancetur
Ônibus da Sancetur Imagem: Divulgação
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Operação da Sancetur

Alvos da Operação Fim da Linha, duas concessionárias estão sob intervenção da Prefeitura de São Paulo desde abril de 2024: Transwolff, na zona sul, e Upbus, na zona leste.

A Sancetur deve assumir o contrato maior, o da Transwolff; e a Alfa RodoBus, o contrato menor, o da Upbus.

"Fundada em 1922, a Sancetur atua no setor de transportes desde 1952. A empresa possui uma frota de 2.050 ônibus, com um total de 4.200 funcionários. Atualmente, a Sancetur opera em 21 cidades paulistas", divulgou a prefeitura paulistana.

A Transwolff tem 4.000 funcionários e uma das maiores frotas da cidade de São Paulo, com 1.206 ônibus.

A reportagem perguntou se a frota será "transferida" para a Sancetur e o que deve acontecer com os funcionários da Transwolff. A prefeitura não respondeu.

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O UOL também perguntou à prefeitura se a Sancetur assumirá o Aquático-SP, o transporte público por barcos que liga os terminais Cantinho do Céu e Mar Paulista, na zona sul, que tinha sido concedido à Transwolff. A prefeitura também não respondeu.

Procurados, os advogados da Upbus não responderam.

As transferências Transwolff —Sancetur e Upbus— Alfa começaram em 15 de março, de acordo com a prefeitura. Não foi divulgada uma data para o fim das transições.

Após a publicação desta reportagem, a Transwolff enviou a seguinte nota:

"A Transwolff Transportes Turismo Ltda esclarece que a situação envolvendo a eventual cessão de seus direitos contratuais ainda está em análise, sem definições concretas até o momento. A empresa acompanha o andamento do procedimento administrativo e avalia os caminhos cabíveis, respeitando o devido processo legal.

A questão também depende do Poder Judiciário, que poderá se manifestar sobre eventuais aspectos legais envolvidos. A Transwolff reitera seu compromisso com a continuidade do serviço de transporte público e com a transparência em suas ações."