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Perdão de Lula e resgate de R$ 31 milhões: os planos de Palocci

O ex-ministro Antonio Palocci está ansioso com a votação no STF (Supremo Tribunal Federal) que decidirá sobre a possível anulação de seus processos na Lava Jato até meados deste ano.

Além da chance de "limpar" sua biografia, pessoas próximas a Palocci apontam duas razões para a expectativa.

A primeira é que, se for vitorioso, poderá solicitar o resgate de R$ 31 milhões de contas pessoais e de sua empresa bloqueadas desde 2016 --e, em uma hipótese, se mudar para a Itália.

A segunda é questão de honra, revelam amigos ao UOL.

Com os processos encerrados na Justiça, o ex-petista deseja se reaproximar de Lula e tentar que ele o perdoe por tê-lo, em delação premiada, acusado de corrupção.

Também poderia voltar a circular nos mesmos ambientes do presidente e ampliar contatos profissionais —desde que saiu da política, Palocci tem atuado como consultor de empresas e instituições financeiras.

Por ter relações cortadas com Lula, enfrenta limitações. Embora seja próximo de Marta Suplicy, ex-prefeita de São Paulo, o ex-ministro não compareceu à festa de aniversário dela, em 14 de março.

Se Palocci fosse, Lula não iria, garantiram aliados.

Ano passado, Lula mandou dizer que desejava a felicidade do ex-ministro, mas longe dele, disse um dirigente petista ao UOL.

Antonio Palocci durante depoimento em acordo de colaboração
Antonio Palocci durante depoimento em acordo de colaboração Imagem: Reprodução

A versão de que foi torturado

Se Lula concordar em recebê-lo para conversar, Palocci poderá dizer ao presidente o que seus amigos contam ter ouvido dele: que inventou histórias para o então juiz Sergio Moro porque teria sido torturado psicologicamente na prisão.

Em 2017, sua versão era outra. Sofrendo um processo disciplinar dentro do PT, Palocci pediu desfiliação do partido por carta, afirmando que o que narrou a Moro eram "fatos absolutamente verdadeiros", situações que presenciou, acompanhou ou coordenou, "normalmente junto ou a pedido" de Lula.

Segundo ele, "o próprio Lula" iria confirmar "tudo isso".

Ex-ministro dos primeiros mandatos dos governos Lula (Economia) e Dilma Rousseff (Casa Civil), Palocci passou quase três anos preso na superintendência da Polícia Federal em Curitiba, acusado de coordenar o pagamento de propina da empreiteira Odebrecht para o PT.

Ficou outros dois anos em prisão domiciliar, usando tornozeleira eletrônica, até a decisão que o mantinha preso ser anulada em dezembro de 2021 pelo STJ (Superior Tribunal de Justiça), sob a justificativa de que o processo contra ele deveria ter corrido na Justiça Eleitoral.

A decisão final sobre a anulação das ações contra Palocci na Lava Jato deverá ocorrer até julho.

O julgamento estava empatado em 2 a 2 na Segunda Turma do Supremo quando o ministro Kassio Nunes Marques pediu vista do processo.

André Mendonça e Edson Fachin votaram contra Palocci; Dias Toffoli e Gilmar Mendes, a favor.

Vida nova na Itália

Palocci quer a anulação dos processos da Lava Jato porque isso lhe daria a chance de se mudar com a esposa Margarete Rose para a Itália --ele tem cidadania italiana-- e viver lá como um homem comum, porém rico, comendo e bebendo bem, longe dos holofotes.

Contra essa opção há o fato de que sentiria saudades dos netos. Ao amigo Brasil Salomão, advogado de Ribeirão Preto, confidenciou que seu "negócio é ser avô".

"Ele me disse que está feliz com os cinco netos e vai permanecer afastado [da cena pública], aguardando o fim do processo", narrou Salomão.

Antonio Palocci não quis dar entrevista ao UOL.

26.set.2016 - O ex-ministro Antonio Palocci é preso em Curitiba, em fase da Operação Lava Jato
26.set.2016 - O ex-ministro Antonio Palocci é preso em Curitiba, em fase da Operação Lava Jato Imagem: Reuters/Rodolfo Buhrer

Antonio Palocci vive em um amplo apartamento nos Jardins, em São Paulo, e participa timidamente da vida político-partidária, sob o incentivo do casal Marta Suplicy e Márcio Toledo, cujo escritório a poucas quadras de sua casa costuma frequentar.

Visita constantemente a casa dos dois, viaja com eles para o Guarujá e é perdoado quando faz algo desagradável, como no dia em que deixou cair cinzas de charuto no sofá do casal, como relatou uma testemunha da cena ao UOL.

Nos encontros promovidos por Marta e Toledo, Palocci tem a oportunidade de desfrutar de algo que viveu nos tempos em que era poderoso no governo.

São ocasiões em que dialoga com donos de grandes escritórios de advocacia, empresários e ex-ministros —entre eles Nelson Jobim (Justiça), que não respondeu ao contato do UOL.

Marta Suplicy também não respondeu aos pedidos de entrevista, e Márcio Toledo informou que preferia não participar da reportagem.

No dia 20 de fevereiro, Palocci esteve em almoço em São Paulo oferecido pelo casal ao ex-prefeito de Araraquara Edinho Silva, que disputa a presidência do PT.

Sentou-se distante duas cadeiras de Edinho, que o cumprimentou com um aperto protocolar de mãos.

Embora haja quem compare o estilo dos dois - ambos foram prefeitos de cidades do interior paulista e dialogaram com o empresariado local nas suas gestões-, eles não são próximos.

Edinho Silva também se recusou a dar entrevista para esta reportagem.

A interlocutores, nega que possua algo em comum com Palocci e diz que, quando prefeito de Ribeirão Preto, Palocci tinha "políticas heterodoxas em relação ao PT" --privatizou a companhia telefônica e concedeu o sistema de tratamento de esgoto à iniciativa privada.

Ele também teria sido um petista "pouco petista", na avaliação de integrantes do PT -apesar de ter começado seu envolvimento na política com a Libelu, sigla do movimento estudantil Liberdade e Luta, dos anos 1970, de viés trotskista.

Mas era um Libelu atípico, como lembra o advogado Roberto Tardelli, procurador de Justiça aposentado —ele e o ex-ministro se conhecem desde crianças, quando estudavam na mesma escola em Ribeirão Preto.

Críticos do capitalismo, os integrantes da tendência não bebiam Coca-Cola e usavam chinelos de couro, ele conta. Palocci, ao contrário, calçava tênis, diz o advogado.

Um dirigente do PT que conviveu com Palocci na Libelu diz que ele podia não corresponder à caricatura do estudante de esquerda —ele cursava medicina no campus da USP de Ribeirão Preto—, mas era ideologicamente comprometido com a causa.

Tanto assim que participou em 1980 da fundação do PT, partido pelo qual se elegeu vereador em 1988, deputado estadual em 1990 e prefeito em 1992 (depois novamente em 2000).

Também venceu a disputa para deputado federal em 2006.

O ex-ministro Antonio Palocci
O ex-ministro Antonio Palocci Imagem: Rodolfo Buhrer/Reuters

Régua alta

Antigos aliados do tempo de Ribeirão Preto defendem que, caso vença no STF, Palocci se lance candidato a deputado, preferencialmente federal.

"Ele seria um deputado fundamental. Palocci não é cara para se perder. É um quadro para se recuperar", afirma o advogado Roberto Tardelli.

Mas à exceção de poucos aliados silenciosos, a impressão geral no PT é que política, para Palocci, sempre foi um projeto individual, não coletivo.

Isso dificultaria uma reaproximação do ex-ministro com o partido, onde, dizem, "ele não tem ambiente".

Palocci é descrito como ganancioso e muitos defendem que ele inventou mentiras contra Lula e Dilma para proteger seu dinheiro --e, como colaborou com as investigações, fez um acordo melhor para suas finanças.

Isso seria um empecilho para o perdão de Lula, "que gosta de poder, mas não liga para dinheiro", e cuja régua é muito alta, como disse ao UOL um dirigente do PT.

Ele lembra que João Vaccari Neto [ex-tesoureiro do PT] foi preso e não falou de ninguém. José Dirceu também. Essa seria a régua de Lula, segundo um antigo companheiro de Palocci na Libelu.

Além disso, este ex-Libelu afirma que a delação é tida como a "arma dos covardes". Segundo ele, a esquerda abomina os delatores, principalmente os que "inventam mentiras".

6.set.2017 - O ex-ministro Antonio Palocci presta depoimento ao juiz Sergio Moro na Operação Lava Jato, em processo sobre terreno do Instituto Lula
6.set.2017 - O ex-ministro Antonio Palocci presta depoimento ao juiz Sergio Moro na Operação Lava Jato, em processo sobre terreno do Instituto Lula Imagem: Reprodução/Justiça Federal do Paraná

Horta pisoteada

Os companheiros de Palocci —gente que o define, reservadamente, como educado, carinhoso e culto— querem que ele deixe correr as histórias que teria enfrentado na carceragem da PF.

Ele resiste.

Uma das histórias preferidas relatadas pelos amigos envolve uma horta.

A versão que espalham é a seguinte: ele teria obtido autorização da PF para cultivar uma horta no pátio da carceragem, onde os presos tomam banho de sol, e desenvolvido uma relação de dependência emocional com as plantas.

Certo dia, com a única intenção de ferir Palocci, um carcereiro teria pisoteado a horta, o que o teria deixado emocionalmente devastado.

"Você vai apodrecer aqui", teria dito o homem.

Os adversários de Palocci, no entanto, dizem que ele era bem tratado na PF, que estava tão bem física e emocionalmente que até ajudava os outros presos (inclusive prestando serviços voluntários como médico) e que a história foi inventada para comover Lula.

Duas fontes da PF confirmaram ao UOL que Palocci cultivou uma horta ali com tomate-cereja, salsa, cebolinha e abacate, além de uma planta que cresceu até a grade do teto e precisou ser podada.

Quando soube que seria solto, Palocci teria se desfeito da horta, a pedido da PF. Um agente disse ao UOL que "a história de que ela foi pisoteada é uma fantasia".

Outro relato que amigos do ex-ministro gostam de contar é de que ele teria sofrido pressão para denunciar Lula.

Essa pressão teria sido feita, dentre outras maneiras, sob a forma de sussurros —carcereiros mencionando as filhas e a esposa de Palocci, enquanto caminhavam próximos de sua cela, sugerindo que elas corriam perigo caso ele não entregasse Lula.

Esses amigos acham que Palocci deveria escrever uma carta para o presidente de próprio punho, como fez Léo Pinheiro, ex-presidente da empreiteira OAS, que havia acusado Lula de corrupção.

Na carta, Pinheiro assume que mentiu em delação na Lava Jato.

Mesmo com cartas e relatos dramáticos, a impressão geral é de que Lula seguirá negando o perdão a Palocci.

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