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Risco de precatórios é entrave em negociação pelo Banco Master

O banqueiro André Esteves, presidente do conselho de administração do BTG, tem afirmado a pessoas próximas que desistiu de comprar qualquer fatia do Banco Master, conforme apurou o UOL, depois de tomar conhecimento do que tem na carteira de ativos do banco.

O Master pertence ao empresário mineiro Daniel Vorcaro e está no centro de uma onda de desconfiança no mercado desde que seu banco se tornou um dos maiores vendedores de títulos de renda fixa do país, pagando retornos bem acima do mercado.

O ceticismo explodiu na semana passada, quando o BRB, um banco controlado pelo governo do Distrito Federal, ofereceu R$ 2 bilhões para adquirir parte do banco. O que está em jogo é se os ativos de que o Master dispõe são o suficiente para pagar as pesadas apostas feitas pela diretoria para bancar a expansão agressiva.

O pôquer dos precatórios

A reportagem apurou que a equipe do BTG viu os números e identificou que mais de 80% da carteira de precatórios do Master é, na verdade, de pré-precatórios, ativos de alto risco ainda pendentes de decisões judiciais.

Para o Master, a maioria absoluta de seus ativos são de primeira linha e capazes de fazer frente às suas obrigações no mercado. Uma fonte do banco disse ao UOL que 70% da carteira de ativos tem liquidez.

No Brasil, precatório é um instrumento formal que representa uma dívida que o poder público tem com pessoas físicas ou jurídicas, reconhecida por decisão judicial transitada em julgado.

No mercado, a desconfiança geral é de que haja uma parcela importante de pré-precatórios. O termo não existe no mundo jurídico, mas ganhou o jargão do mercado para designar a dívida do Estado em um litígio ao qual ainda cabe recurso.

Logo depois que uma dívida do Estado vira precatório, ela entra numa fila e a sua liquidação —isto é, quando o Estado vai mesmo pagar— tem prazo incerto.

Nesta sexta-feira, após a publicação da primeira versão desta reportagem, o BTG soltou uma nota negando ter feito "due diligence" da composição da carteira do Master.

"Due diligence" é uma espécie de check-up completo que o potencial comprador faz antes de fechar negócio. É um processo de investigação que analisa ativos, passivos e riscos potenciais, como trabalhistas e judiciais.

O BTG teve acesso à composição de ativos do Master no primeiro trimestre, mas o negócio não foi adiante. Isso ocorreu depois que a Galápagos, uma firma de investimentos, entrou em campo, em dezembro, para procurar um comprador para o banco de Vorcaro.

A pergunta sobre o real valor do que está na carteira de ativos do Master intriga todo o resto da indústria financeira. Depois que a reportagem do UOL foi publicada, uma fonte do Master afirmou que o banco está sob "ataque especulativo".

Segundo essa fonte, a carteira de precatórios não chega nem perto do cenário pintado pelo BTG e ela foi inspecionada por auditores da KPMG e técnicos do Banco Central.

Daniel Vorcaro, dono do Banco Master
Daniel Vorcaro, dono do Banco Master Imagem: Divulgação

As três portas de saída

Na última segunda-feira, Esteves foi chamado por Gabriel Galípolo, presidente do Banco Central, para discutir "soluções de mercado" para o Master.

Segundo fontes que acompanham o assunto de perto, o BC tem três alternativas para o imbróglio: dar liquidez através do Fundo Garantidor de Crédito (FGC) com nova gestão, aprovar a compra do Master pelo banco estatal BRB ou até uma intervenção.

Procurado, o BC não se manifestou.

Segundo apurou o UOL, o FGC está disposto a apoiar uma solução para o Master dada a sua exposição ao problema, mas ainda não foi procurado. A carteira do Master já chega a metade da liquidez do FGC.

Grandes bancos consultados pela reportagem não teriam objeção a uma eventual participação do FGC, um fundo privado criado para garantir a solidez do sistema financeiro. A entidade não comentou.

O tamanho do rombo

Agentes financeiros estão preocupados com um eventual rombo de dezenas de bilhões de reais nas contas do Master.

"Não me lembro de um escândalo como esse. O Pan é fichinha", disse uma fonte com conhecimento do assunto.

O que esses agentes questionam é se o BRB terá capacidade para honrar os CDBs a vencer do Master e em que medida isso vai afetar o FGC.

O Master cresceu oferecendo títulos de CDB com retornos da ordem de 120% a 140% do CDI (Certificado de Depósito Interbancário).

Nesse mesmo tipo de título, o mercado habitualmente paga menos de 100% do CDI.

O banco alega que não haveria riscos para o investidor, já que o FGC garante a cobertura de até R$ 250 mil por conta.

A carteira de CDBs só do Master (excluindo outras instituições do grupo de Vorcaro) estava em R$ 30,8 bilhões em dezembro do ano passado, conforme o balanço divulgado pelo banco na última terça-feira —o valor representa um aumento de R$ 4 bilhões em relação ao ano anterior.

Quase R$ 1 bilhão desse total vence entre abril e junho; outros R$ 3,1 bilhões devem ser pagos aos investidores ao longo do segundo semestre.

No caso do PanAmericano, mesmo com o plano de salvamento envolvendo a Caixa, que comprou o banco, o FGC precisou ser acionado para ressarcir clientes.

O rombo do PanAmericano era de quase R$ 4 bilhões. O receio é de que o buraco do Master seja bem maior. O banco nega.

Saguão do escritório do Banco Master
Saguão do escritório do Banco Master Imagem: Divulgação

A saída BRB

Questionada pelo mercado, a solução via BRB permite a Vorcaro continuar com participação no negócio e ainda receber um bom dinheiro.

Vorcaro será co-controlador do banco, mantendo 51% das ações com direito a voto e 42% do capital total.

A marca Master deixa de existir, mas Vorcaro terá um assento no conselho de administração do banco.

O BRB anunciou que vai pagar R$ 2 bilhões por 58% do Master, sob a condição de que Vorcaro finalize um aumento de capital da ordem de R$ 2 bilhões e conclua uma reorganização societária.

A proposta do banco brasiliense deixa de fora R$ 23 bilhões em ativos problemáticos, que o mercado estima estarem sobrevalorizados ou com baixa liquidez.

Um volume equivalente de passivo também ficaria fora do negócio. Restariam ainda R$ 40 bilhões em ativos supostamente bons.

O presidente do BRB, Paulo Henrique Costa, afirma que a operação é uma estratégia de nacionalização para o banco regional.

A explicação, no entanto, não convence fontes ouvidas pelo UOL.

Os especialistas têm dúvidas se o BRB, um banco com patrimônio líquido relativamente pequeno, consegue "engolir" uma fatia tão grande do Master.

Esses analistas questionam se a operação vai sobreviver nesse formato aos testes de estresse do Banco Central.

Esses testes consistem em simulações que avaliam como uma instituição ou sistema financeiro se comportam em momentos de crise.

Outra questão que levanta polêmica é se tornar-se nacional faz parte da missão de um banco regional estatal.

Bancos regionais foram criados para investirem e apoiarem cidadãos, empresas e infraestrutura de seus Estados de origem. Os que fugiram desse papel acabaram privatizados, ponderam especialistas.

Gabriel Galípolo, presidente do Banco Central
Gabriel Galípolo, presidente do Banco Central Imagem: Adriano Machado/Reuters

Os alertas sobre o Master

Segundo apurou o UOL, o BC foi alertado pela primeira vez dos problemas do Master em 2020, ainda na gestão de Roberto Campos Neto.

Foi nessa época que o banco começou a lançar como ativo no balanço uma carteira de pré-precatórios.

"Uma insanidade isso figurar na carteira de qualquer banco", diz uma fonte. A regra só foi ajustada pelo BC em outubro de 2023.

Além de precatórios, a carteira do Master tem lastro em ativos como fundos de direitos creditórios, derivativos e fundos de ações de empresas de gestão questionável.

Seguiram-se então alertas sucessivos, inclusive por meio de cartas, do FGC e também da Febraban (Federação Brasileira de Bancos).

No final do ano passado, o Master já havia contratado a gestora Galápagos para tentar encontrar um comprador.

O BTG foi o único que topou se engajar numa negociação e assinou um contrato de confidencialidade.

Na ocasião, Esteves já tinha avaliado os números e chegado à conclusão que o Master não valia nada. Circularam rumores de que o banqueiro teria oferecido R$ 1 pelo Master, sob a condição de que Vorcaro teria que sair do negócio. Não houve acordo.

O BTG nega que tenha feito a proposta.

André Esteves, dono do BTG Pactual
André Esteves, dono do BTG Pactual Imagem: Renato S. Cerqueira/Estadão Conteúdo

Conexões políticas

Controlador do Master, o mineiro Daniel Vorcaro costuma esbanjar. Nos últimos anos, ele comprou parte das operações do Fasano Itaim, pagou R$ 100 milhões para participar da SAF do Clube Atlético Mineiro e, com sua família, adquiriu por US$ 37 milhões uma mansão em Orlando (EUA).

Desde que virou banqueiro, em 2019, ao comprar o antigo Banco Máxima e rebatizá-lo de Master, Vorcaro circula muito bem nos gabinetes de Brasília.

No coração dessas conexões está o senador Ciro Nogueira (Progressistas-PI), uma das lideranças do Centrão e ex-ministro da Casa Civil no governo Bolsonaro.

No ano passado, Ciro foi autor de proposta para elevar o limite de cobertura do FGC de R$ 250 mil para R$ 1 milhão, um movimento para favorecer o Master e sua agressiva estratégia de distribuição de CDBs.

A proposta teve oposição do Banco Central e da Febraban e não foi adiante.

Outra peça-chave é Augusto Lima, sócio de Vorcaro e responsável por trazer os negócios do CredCesta —um consignado para servidores que é considerado o filé dos ativos do Master.

Lima é casado com Flávia Peres, ex-ministra-chefe da Secretaria de Governo também durante a administração Bolsonaro (2021-2022) e ex-primeira-dama do Distrito Federal (ela foi casada com o ex-governador José Roberto Arruda).

Com trânsito entre empresários e políticos, Lima é apontado por fontes como operador informal, tendo obtido aproximação com o governador Ibaneis Rocha (MDB-DF) por meio de Ciro Nogueira.

Ciro foi procurado, mas não respondeu aos pedidos de comentários do UOL.

Figuras importantes também fizeram parte de um conselho consultivo criado por Vorcaro, como o atual ministro da Justiça, Ricardo Lewandowski. Entre outros nomes, o conselho consultivo tem dois ex-presidentes do BC: Henrique Meirelles e Gustavo Loyola.

Guido Mantega, ex-ministro da Fazenda, também prestou consultoria para o banco.

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