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'Pai do Pix', banqueiro carioca quer liderar luta contra violência na AL

Ilan Goldfajn, 59, não dá espaço para a inércia. Depois de revolucionar a vida bancária do país com o Pix e se tornar o brasileiro mais poderoso do sistema financeiro global, ele quer liderar a luta contra o crime organizado na América Latina.

Presidente do BID (Banco Interamericano de Desenvolvimento), banco público controlado pelos países da América Latina e do Caribe, Goldfajn administra o financiamento de iniciativas sociais, econômicas e institucionais que afetam a vida de 667 milhões de pessoas.

Para entender o que pensa e como atua o executivo, o UOL foi à sede do BID, em Washington, capital dos EUA, entrevistar Goldfajn e conversou, em diferentes ocasiões, com 17 profissionais que o conheceram em várias fases de sua trajetória.

O economista é famoso pela capacidade de estruturar projetos inovadores —caso do Pix, criado quando era presidente do Banco Central do Brasil—, por enfrentar o status quo quando se dispõe a aprimorar uma situação e pelo estilo colaborativo de liderança.

"Não chego nos lugares com grandes sacadas e mando executar. Prefiro dizer que sou um 'empurrador'. Vou lá e empurro", diz sobre sua estratégia de gestão.

Um exemplo dessa metodologia é o desenvolvimento do mais ambicioso projeto do BID em décadas.

Quando tomou posse, em dezembro de 2022, Goldfajn tinha algumas ideias de quais deveriam ser as prioridades do banco, mas seu plano mudou logo nos primeiros encontros com os países beneficiários.

Ele e a equipe do BID haviam criado o fórum "Amazônia Sempre", de oito nações que têm parte do território na floresta, com a proposta inicial priorizando o combate ao desmatamento.

Mas Goldfajn queria um olhar mais completo, pensando em pessoas, cidades e infraestrutura, e levou essa visão holística às autoridades.

"Porém, o que escutei de volta foi: 'Não adianta fazer nada disso se não agir contra o crime organizado'. Foi uma surpresa para mim", conta o executivo.

A surpresa não estava no fato de o ecossistema do tráfico de drogas ser um problema —e sim de que havia se tornado, na região, uma prioridade acima das demais.

Além dos países estigmatizados, como a Colômbia e a Bolívia, e dos conhecidos pelas metrópoles violentas, como o Brasil, aqueles que antes não reclamavam em voz alta da violência, caso do Chile e do Uruguai, passaram a citá-la entre seus principais desafios.

Ao olhar para dentro do BID, Goldfajn descobriu um núcleo de estudos sobre segurança pública que nunca havia ganhado destaque na instituição.

O banco fornece crédito para programas governamentais e de empresas privadas que tenham foco no bem-estar da população, mas também ajuda, com especialistas próprios, na construção e implantação desses projetos.

Se, nas administrações anteriores do BID, a ordem era não mexer no vespeiro do crime organizado, o executivo brasileiro resolveu dar ao assunto a importância que os países-membros pediam.

Ficou claro, para Goldfajn, que a violência é, agora, o principal entrave ao desenvolvimento da América Latina e do Caribe —e promover o avanço da região constitui a principal missão do banco.

O grupo de estudos interno então ganhou mais poder, e, depois de um ano e meio, apresentou uma proposta de pacto regional para fortalecer a segurança e o sistema de Justiça, com ações coordenadas entre autoridades de governo e manejo conjunto de recursos.

A Aliança para Segurança, Justiça e Desenvolvimento foi oficializada em agosto de 2024, tendo o Equador como presidente e o BID como secretário técnico.

Desde dezembro passado, quando os demais países-membros do banco se juntaram formalmente à iniciativa, o grupo organizou seus objetivos e as ações a serem implementadas.

Uma das principais metas é a disrupção dos fluxos financeiros para asfixiar as quadrilhas —a Interpol já assinou um acordo para colaborar com a aliança também.

"Isso tudo é ouvido. Não inventei nada, o que eu fiz foi escutar", diz Goldfajn.

Escutar, entender as necessidades dos envolvidos com empatia, acolher as opiniões, dar liberdade e autonomia —seu papel, resume o executivo, é incentivar os liderados a entregarem suas melhores contribuições.

Ilan Goldfajn, quando era presidente do Banco Central
Ilan Goldfajn, quando era presidente do Banco Central Imagem: Gabriela Bilá/Estadão Conteúdo/AE

O bem maior

Essas habilidades foram construídas desde cedo, enquanto Goldfajn circulava por lugares e realidades diversas.

Nascido em Israel em 1966, Goldfajn passou alguns anos da infância no México por causa do trabalho do pai, adido comercial do governo israelense, até se mudar com a família, no começo da adolescência, para o Rio.

Além da economia, ele colocou o Rio e o futebol no centro da sua vida. O estudante Ilan brilhou nos times de futebol da graduação da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro) e das empresas em que trabalhou.

Hoje, em seu escritório na capital dos Estados Unidos, Goldfajn mantém um conjunto de 11 miniesculturas de argila pintada representando o Flamengo.

Em 1991, casou-se com a psicóloga Denise Salomão Goldfajn, que tinha conhecido na faculdade. O casal se mudou logo depois para os EUA para estudar e ficou quase dez anos no país, onde nasceram dois de seus três filhos.

Ao longo da carreira, Goldfajn transitou do setor público ao privado e de volta ao público com desenvoltura graças às habilidades diplomáticas.

O economista cursou o doutorado no MIT (Massachusetts Institute of Technology), de 1993 a 1995. Depois, trabalhou por dois anos e meio como economista do FMI (Fundo Monetário Internacional), até o início de 1999, e voltou ao Brasil.

Começou a dar aulas na PUC-RJ (Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro) e foi convidado por Armínio Fraga, então presidente do BC, para ocupar a diretoria de política econômica.

No cargo entre 2000 e 2003, ajudou a elaborar o regime de metas de inflação, um dos pilares do plano que inaugurou a era moderna da economia brasileira.

Ao sair do BC, foi sócio de Armínio na gestora de investimentos Gávea e depois abriu a sua própria firma, a Ciano. Também trabalhou no Itaú Unibanco e no Credit Suisse, até que o chamado do serviço público falou mais alto novamente.

Goldfajn voltou ao BC. Desta vez, como presidente da instituição, convidado pelo então presidente da República Michel Temer (MDB) em 2016.

No banco, começou a organizar uma série de projetos para aprimorar a própria instituição, o sistema financeiro e o nível de educação financeira no país.

Ao conversar com os funcionários de carreira do BC, descobriu que havia um grupo pesquisando um sistema de pagamentos instantâneos.

Quando cheguei, havia a ideia do Pix, havia várias ideias. Estavam lá borbulhando e ninguém teve coragem de puxar. Então, acho que talvez a função das lideranças é simplesmente pegar o que as pessoas estão fazendo e dizer: 'Vamos lá, vamos juntos'. Eu dei a maior força. Ilan Goldfajn

Para levar o projeto adiante, Goldfajn tomou para si a responsabilidade de explicar ao Congresso Nacional e a representantes do sistema financeiro e da sociedade como essa inovação funcionaria.

Na época, os bancos tinham medo de perder as receitas com as transferências tipo DOC e TED, e também havia o risco de aumento das fraudes digitais.

Mas, para os técnicos do BC, as vantagens para a sociedade eram claras e maiores do que os eventuais problemas.

"A turma [do BC] já estava fazendo. Qual foi a diferença da gente [sua administração]? A gente comprou a briga. É o bem coletivo versus o receio do establishment", frisa.

Em outras frentes, Goldfajn reuniu as principais iniciativas reformistas que estavam em desenvolvimento sob o nome Agenda BC+, um grande plano estratégico que se desdobrou em ações até hoje em implantação.

O Pix se encontrava em estágio bastante adiantado quando Goldfajn foi substituído por Roberto Campos Neto na presidência do BC em fevereiro de 2019.

O lançamento oficial da ferramenta foi em agosto de 2020.

Ilan Goldfajn durante o evento Lide Brazil Investment Forum 2025
Ilan Goldfajn durante o evento Lide Brazil Investment Forum 2025 Imagem: Vanessa Carvalho/Brazil Photo Press/Folhapress

Influência internacional

Depois de deixar o BC, Goldfajn ainda estava interessado em contribuir para o debate sobre o sistema financeiro. Em setembro de 2021, foi nomeado diretor do FMI para o hemisfério ocidental. Um ano depois, chegou ao BID.

O nome do plano de reforma da instituição leva o mesmo sinal de "+" do plano do BC, uma marca de Goldfajn, porque o executivo diz acreditar que sempre é possível fazer mais e melhor.

No caso da instituição internacional, o mote é selecionar e administrar melhor os empreendimentos apoiados de acordo com o seu potencial de impacto na vida da comunidade onde são estabelecidos.

Um exemplo hipotético: se, no passado, era liberado um crédito para aumentar o nível educacional em determinada região, o sucesso do projeto era medido pelo número de escolas construídas, professores contratados e alunos matriculados —e só depois de encerrado o desembolso do dinheiro.

Em vez disso, o novo sistema, que está em desenvolvimento pelas equipes internas do banco, determinaria a avaliação do impacto econômico do processo de construção das escolas —como no emprego de pedreiros e compra de materiais dos pequenos comerciantes nas proximidades— e as notas dos estudantes beneficiados nas grandes provas internacionais de português e matemática.

Todo esse esforço vem incomodando algumas alas que não estavam acostumadas com uma carga de trabalho incomum em instituições sem fins lucrativos, como é o caso do BID.

As piadas sobre o ritmo de trabalho de Goldfjan são feitas em sua presença e também à boca pequena.

Em Washington, ele repete o modo "trator" que caracterizou sua passagem pelo BC.

Passados quase seis anos do fim do seu mandato na autoridade monetária brasileira, os desafetos contabilizam os projetos que não foram para a frente, mas concordam que os bem-sucedidos os superam em número e impacto.

Para muitos ex-colegas que o admiram, Goldfajn busca empurrar as pessoas, sim, e também dar o exemplo.

Nos dois anos e meio à frente do BID, o executivo contou 42 viagens para fora dos EUA, frequentemente emendando um destino no outro para fazer o tempo e o deslocamento renderem.

Neste momento "cada um por si" da política internacional, o economista aposta na parceria entre as nações para o mundo avançar.

Defende o diálogo aberto e objetivo: discute projetos tanto com o "libertário" Javier Milei na Argentina quanto com a esquerdista Claudia Sheinbaum no México.

Na última reunião do G20, que reúne as principais economias do mundo, anunciou o maior apoio ao programa de combate à fome criado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT): US$ 25 bilhões.

Órgãos de governo e instituições multilaterais costumam lidar com projetos e agendas de prazo bem longo, que frequentemente superam os mandatos dos seus líderes.

Ilan Goldfajn no Almoço de Confraternização dos Dirigentes de Bancos
Ilan Goldfajn no Almoço de Confraternização dos Dirigentes de Bancos Imagem: Zanone Fraissat/Folhapress

O mandato de Goldfajn é de quatro anos e pode ser renovado.

Ele diz que está totalmente focado em sua missão no BID e que sabe que ideias grandiosas como o consórcio pela redução da violência na América Latina podem ou não sair como o esperado.

O importante é continuar empurrando.

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