Mais de 20 ex-alunos do tradicional Colégio Rio Branco, em São Paulo, relatam ao UOL terem sido abusados sexualmente por Carlos Veiga Filho, 62, que foi professor de história e teatro do colégio e coordenador de um programa de monitoria. Ele deu aula no Rio Branco por 17 anos.
A história de como Veiga passou quase quatro décadas violando crianças e adolescentes é contada em detalhes no podcast "O Professor e os Meninos: uma História de Abusos". Ele foi preso em 2024 e condenado em fevereiro por abusar de três alunos em outro colégio no interior de SP.
Assinante do UOL já pode escutar todos os episódios em uol.com.br/podcastprofessor ou no Spotify:
- episódio 1: "O Mago"
- episódio 2: "Leia o Livro'
- episódio 3: "As Tais Fotografias"
- episodio 4: "Maldito Seja"
Ex-estudantes contam no podcast que, para participar de atividades escolares, foram coagidos por Veiga a ficarem nus, tocarem uns aos outros e pintarem seus corpos. Relatam ter sido fotografados nesses momentos.
Em outras ocasiões, dizem, Veiga também os tocava, incluindo suas partes íntimas, sob o pretexto de "limpar os chacras" dos alunos.
Eles apontam omissão por parte da escola, mesmo diante de sinais claros e denúncias.
O Rio Branco, por meio da Fundação de Rotarianos de São Paulo, alega que não havia registros de comportamento inadequado de Veiga e que não agiu por "não ter consciência" do que ocorria.
Traumas revividos
A prisão do professor fez dezenas de ex-alunos do Rio Branco relembrarem seus traumas e irem à Justiça para depor como testemunhas. Os casos ocorridos na capital paulista prescreveram.
O UOL teve acesso à íntegra do processo contra Veiga, que corre em segredo de Justiça, e ouviu 41 pessoas —entre eles ex-alunos, pais de ex-alunos e ex-funcionários das escolas onde trabalhou.
Para colégio, 'não havia sinais de estranhamento'

Veiga foi professor das duas unidades do Rio Branco entre 1986 e 2003, ano em que foi demitido, segundo o colégio, numa "reestruturação interna".
Ex-alunos de idades variadas contaram ao UOL que procuraram funcionários da escola para dizer que foram constrangidos pelos toques do professor --o que contraria a versão do colégio de que "não havia 'sinais de estranhamento'".
Um ex-diretor do Rio Branco confirmou à reportagem que Primo Páscoli Melaré, então diretor da instituição e amigo de Veiga, foi procurado por pelo menos uma mãe de aluno, nos anos 1990, mas disse não ter encontrado provas dos abusos.
Gustavo Pozzebon, promotor de Justiça à frente do caso em Serra Negra, afirma que pelo menos 30 ex-alunos de Veiga no Rio Branco procuraram o Ministério Público para contar o que viveram.
Ex-aluno diz ter denunciado Veiga em 1994
O advogado e ator Spencer Toth Sydow, 45, ex-aluno do Rio Branco, conta ter participado de uma seletiva em 1994 para entrar no grupo de teatro do colégio —Veiga era o único adulto na seleção.
"Ele começou dizendo que, na arte, não podemos ter medo de nos expor, e pediu para ficarmos de cueca. Havia entre 10 e 20 meninos."
Sydow disse que não queria, e Veiga teria respondido que ele precisava se despir para entrar no grupo.
Incomodado, o então adolescente foi embora e contou o caso à mãe. Ambos procuraram o diretor Melaré. "Contei a história, e ele falou que ia tentar entender o que aconteceu. Mas ficou por isso."
Sydow conversou ainda com duas professoras —uma delas era chefe de Veiga. Ouviu dela que o "método" do professor "era normal no teatro". A outra nada fez.
Quando Veiga foi preso, tive a sensação de que, finalmente, pararam ele. Mas, se tivessem ouvido um adolescente de 14 anos, nada disso teria acontecido.
Spencer Toth Sydow, ex-aluno do Rio Branco
Como eram os abusos contra alunos do Rio Branco

Veiga era o coordenador da monitoria e gerenciava as excursões e viagens do Rio Branco. Boa parte dos abusos ocorria nessas ocasiões, de acordo com relatos ouvidos pela reportagem.
O roteiro, dizem, era sempre o mesmo: Veiga usava as viagens para "batizar" quem virasse monitor sênior, cargo responsável por acompanhar e orientar os mais jovens em atividades extraclasse. O UOL teve acesso a um caderno com 301 nomes de monitores "batizados" em um ano. Alunas escolhidas para serem monitoras não participavam do ritual.
O "batismo" acontecia à noite. Os meninos iam para um lugar afastado, ficavam nus e pintavam uns aos outros com tinta.
Veiga assistia aos jovens se pintando e os fotografava. Eram os próprios estudantes que levavam os filmes para revelar.
Um pai de ex-aluno relatou ao UOL que, há cerca de 20 anos, seu filho passou pelo "batismo", no qual ficou nu, foi pintado com tinta e teve fotos tiradas por um colega, em uma das viagens promovidas por Veiga -quando ele já havia deixado o Rio Branco e montado sua própria agência de viagens.
O pai disse ter procurado uma ex-professora do colégio que trabalhava com Veiga nessas viagens. "Contei o que aconteceu e ela disse: 'Nossa, o Veiga fez isso outra vez?'. Só aí caiu a ficha. Ele já fazia essas coisas antes."
Um ex-aluno contou que o ritual acontecia também no colégio, no teatro do Rio Branco.
Eles relatam que Veiga ainda dizia ter poderes místicos. Conquistava os jovens com conversas inteligentes e, quando "via" em algum deles uma "energia pesada" ou "encosto", dizia que poderia ajudar.
O estudante ia até a casa dele e, lá, ele mandava o menino tirar a roupa e o tocava, inclusive no órgão genital, afirmando estar limpando seus chacras.
Na casa em que funcionava uma agência de viagens fundada por ele, após a demissão do Rio Branco, encontros entre seus ex-alunos eram comuns.
"A gente ficava lá comendo pizza e jogando videogame. Uma das vezes, ele me chamou pra deitar com ele. Lembro de ficar muito desconfortável, mas deitei. Ele me abraçou e, com essa justificativa de passar boas energias, colocou a mão dentro da minha calça por um bom tempo", conta Marcelo Melissopoulos, 34.
A acusação que levou à prisão

Em Serra Negra, as práticas se limitavam a convites para limpeza energética de alunos do colégio Libere Vivere, onde ele foi professor de 2007 a 2023.
Os três garotos que denunciaram o professor aos pais e à escola tinham entre 13 e 16 anos.
A mãe de uma das vítimas relatou à polícia e à Justiça que, após uma aula de teatro, Veiga pediu ao seu filho, que não tinha pai, que ficasse no centro de um círculo de velas montado por ele.
Dizendo que iria invocar o pai do garoto, pediu ao menino que tirasse a roupa, mas o adolescente se negou.
Ao denunciá-lo, o Ministério Público afirmou que o docente ganhava a confiança das vítimas e as ludibriava para cometer os abusos. E ele também enganava adultos.
A mãe de um aluno do Libere Vivere contou à Justiça que o professor chegava a passar as ceias de Natal na casa dela.
Não desconfiava de nada, ele se passava por amigo da família. Me senti enganada.
Pelos abusos em Serra Negra, Carlos Veiga Filho foi condenado em fevereiro a 40 anos de prisão por estupro de vulnerável, violação sexual mediante fraude e por filmar e fotografar cena pornográfica com menores.
À Justiça o professor disse que agiu tal qual os alunos relataram, mas que nunca houve conotação sexual. Disse ainda que só pedia a meninos que ficassem nus porque, com meninas, "seria errado".
Sobre os relatos de ex-alunos do Rio Branco, Jhonatan Wilke, o advogado de Veiga, disse que não comenta casos antigos, por não haver processo. Mas chamou de "equivocada" a decisão da Justiça de incluir depoimentos de ex-alunos do Rio Branco no processo aberto em Serra Negra, como foi feito.
"Não estou ignorando a fala deles, mas as regras do processo penal são muito rígidas. Eles foram colocados como testemunhas sem ter presenciado os fatos denunciados, isso não contribui em nada", afirmou o advogado ao UOL.
Como denunciar
Se você é ou conhece alguma vítima de abuso, pode procurar uma delegacia especializada ou ligar para o Disque 100 ou Disque 180. São serviços telefônicos que funcionam diariamente, 24 horas por dia, incluindo sábados, domingos e feriados. As ligações podem ser feitas de todo o Brasil por meio de discagem direta e gratuita, de qualquer terminal telefônico —fixo ou móvel. Basta discar 100 ou 180.
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