O empresário paranaense Luciano Fracaro exibe em suas redes sociais uma vida de luxo. É dono de pelo menos dois veículos Lamborghini, um BMW, um jato particular e um iate de 22 metros.
Fracaro foi condenado, em 2023, a três anos de prisão por integrar uma organização criminosa que fazia descontos indevidos de idosos. A pena foi convertida em cumprimento de medidas alternativas; Ministério Público (MP) e réu recorreram.
Em 2024, um grupo de empresas de Fracaro foram condenadas a pagar R$ 1,5 milhão a título de danos morais coletivos, por lesar aposentados no interior de São Paulo.
No Rio Grande do Sul, o MP pede indenização de R$ 500 mil pelo mesmo motivo.
Empresas ligadas ao empresário foram processadas mais de 15 mil vezes nos últimos quatro anos, de acordo com dados do Escavador, plataforma que reúne informações de todos os tribunais brasileiros.
"Todo mundo gosta das Lamborghinis, eu tenho duas", diz Fracaro, em post nas redes sociais. "A maior embarcação que navega, acho que do Sul do Brasil, é a minha", afirmou, em entrevista para um podcast.
O patrimônio de Fracaro inclui ainda 17 imóveis que custaram pelo menos R$ 7,6 milhões.
Mas, em 2019, advogados de uma das empresas ligadas a Fracaro pediram redução do valor de uma multa do Procon-SP, sob a alegação de que se tratava de empresa familiar com capital social de R$ 10 mil e "renda mensal unicamente de R$ 30 mil".
"Seu patrimônio é fruto de uma trajetória de trabalho, dedicação, investimentos e gestão bem-sucedida", disseram os advogados do empresário, em nota ao UOL.
Apoio político
Os negócios de Fracaro contam com um importante aliado em Brasília: o deputado federal Ricardo Barros (PP-PR).
O UOL apurou que Barros fez lobby junto ao Banco Central (BC) e a três bancos comerciais em nome de uma das empresas de Fracaro, a financeira Sudacred.
Em atuação desde 2021, a Sudacred faz cobranças de seguros de vida, em débito automático, nas contas bancárias em que aposentados recebem o benefício do INSS.
Em ações na Justiça, os aposentados dizem não terem contratado o serviço. Dados oficiais do setor de seguros reforçam as suspeitas de cobranças indevidas em massa.
Barros — que foi ministro da Saúde de Michel Temer e líder do governo de Jair Bolsonaro na Câmara — tentou evitar que bancos interrompessem os débitos automáticos da Sudacred, após reclamações de clientes.
As reuniões com representantes dos bancos e do BC ocorreram entre 2022 e julho de 2025, período em que Barros ocupou cargos políticos (leia mais aqui).
O deputado disse ao UOL que defendeu os interesses da Sudacred "porque é uma empresa paranaense que buscou o apoio para assegurar sua capacidade de concorrência no setor que atua".
Em 2022, Fracaro doou R$ 300 mil para a campanha do atual governador do Paraná, Ratinho Júnior (PSD). Foi a maior doação realizada para a campanha por pessoa física sem cargo eletivo.
Barros foi secretário da Indústria, Comércio e Serviços do Paraná, no governo de Ratinho Júnior, de 2023 a 2024.
Veja o que disseram Barros, Sudacred e Fracaro.
Ascensão dos negócios
Fracaro lidera o grupo de empresas Suda, de Curitiba.
Os negócios começaram com uma pequena corretora de seguros e um clube de benefícios —antes, chamados de Sudamerica e, hoje, rebatizados de Sudavida e Sudaclub, alvos de milhares de reclamações e processos por descontos indevidos.
Em 2018, o grupo Suda se expandiu, criando sua própria seguradora, a Sudaseg.
Os dados da seguradora chamam atenção. A cada R$ 100 recebidos em apólices no ano passado, a Sudaseg pagou menos de R$ 3 em sinistros — quando os clientes acionam a cobertura. A média do mercado é de R$ 42.
Já se considerados apenas os seguros pessoais, principal modalidade vendida pela Sudaseg, o mercado paga R$ 30 em sinistros, em média, a cada R$ 100 em apólices.
Isso mostra que as pessoas estão pagando, mas não estão utilizando os seguros. É um indício de possíveis cobranças indevidas.
A seguradora também registrou um crescimento muito acima da média do mercado.
Entre 2021 e 2024, a receita do setor com apólices cresceu 67%. Já a Sudaseg registrou uma alta de mais de 700%: de R$ 5,8 milhões para R$ 49 milhões.
O pagamento de sinistros da Sudaseg, por outro lado, caiu: de R$ 1,8 milhão, em 2021, para R$ 1,5 milhão, em 2024. Os números são da Susep, autarquia que fiscaliza o setor de seguros.

Em nota, a Sudaseg disse que seu crescimento "decorre do processo de gestão eficiente, com práticas internas sólidas e pautadas em processos técnicos".
Sobre a baixa sinistralidade, afirmou que tem "uma carteira diversificada de clientes de 18 a 85 anos", o que "gera equilíbrio e sustentabilidade à empresa".
Em 2021, o grupo Suda se expandiu novamente, com a Sudacred.
Naquele mesmo ano, entraram em vigor novas regras do Banco Central para o débito automático. Desde então, os bancos não precisaram mais de autorização dos clientes para fazerem débitos automáticos em nome de outra empresa financeira.
É o caso da Sudacred, que passou a fazer débitos automáticos de seguros para as demais empresas do grupo. A partir daí, as queixas sobre cobranças indevidas da financeira dispararam.
Mais recentemente, a Sudacred entrou no mercado de crédito consignado, firmando parcerias com estados e prefeituras para desconto em folha de pagamento.
Este ano, um dia antes da operação da Polícia Federal contra descontos indevidos de aposentados, a Sudacred assinou convênio com o INSS. Três meses depois, a parceria foi encerrada pelo órgão.
Na semana passada, o Banco Central mudou as regras do débito automático, determinando que os bancos peçam autorização de clientes para cobranças como as feitas pela Sudacred, em nome de terceiros.
A medida foi tomada após reportagens do UOL revelarem milhares de cobranças indevidas contra aposentados do INSS.

Organização criminosa
Em 2023, Fracaro foi condenado pela Justiça do Distrito Federal a três anos de prisão por liderar uma organização criminosa que fazia descontos de idosos do Distrito Federal.
A pena foi convertida em cumprimento de medidas alternativas. Fracaro recorreu, pedindo absolvição. O Ministério Público do Distrito Federal e Territórios também recorreu, solicitando aumento da pena.
A condenação é decorrente da Operação Strike II, deflagrada pela Polícia Civil do Distrito Federal, em 2019, contra associações de fachada que faziam descontos indevidos de funcionários públicos aposentados.
É um caso semelhante ao investigado pela Operação Sem Desconto, da Polícia Federal, que identificou descontos indevidos na folha de pagamento do INSS.
A diferença é que, no caso da Operação Strike II, os descontos ocorriam na folha de pagamento do governo do Distrito Federal.
Entre as associações investigadas, a que mais lucrou com os descontos foi a Sudamerica/Assep-DF, que era presidida por Fracaro.
Oficialmente, a Sudamerica/Assep-DF dizia disponibilizar benefícios aos idosos associados, como assistência funeral e serviços de saúde. Mas a investigação não encontrou evidências disso.
Das buscas e apreensões realizadas na Assep não foram encontrados documentos relacionados a funerárias, laboratórios, clínicas médicas, clínicas odontológicas ou médicas que comprovassem que a Assep/Sudamerica, de fato, oferecesse alguns desses serviços a seus associados.
Denúncia do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios, de 2020
A investigação da Polícia Civil também identificou que Fracaro sacou mais de R$ 3 milhões, em dinheiro vivo, em agosto de 2018, o que foi considerado indício de parte de uma operação de lavagem de dinheiro.
O denunciado Luciano Fracaro participou ativamente da organização criminosa, unindo-se aos demais, em função de liderança, com conhecimento da ilicitude da atividade exercida pelo grupo, bem como concorreu para a prática de centenas de estelionatos perpetrados pelo grupo.
Denúncia do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios, de 2020
Em nota, os advogados do grupo Suda afirmaram que "os casos ocorreram antes de Luciano Fracaro integrar a gestão" da associação e "que o assunto está sendo esclarecido na Justiça e Luciano Fracaro tem a confiança de que será absolvido em instâncias superiores".
Vulnerabilidade dos idosos
Na Justiça, as empresas do grupo Suda alegam que os aposentados compraram os seguros, depois cobrados em débito automático. Muitas vezes, apresentam gravações telefônicas com prova da contratação.
Mas, ao condenar as empresas ao pagamento de R$ 1,5 milhão em danos morais coletivos, a Justiça paulista afirmou que as gravações demonstram o contrário.
"A informação passada pelos atendentes a respeito do seguro não chega ao consumidor de maneira adequada, clara, precisa e ostensiva e, o que é pior, a cobrança ocorre sem que efetivamente tenha ocorrido a contratação", diz a sentença.
Não se trata apenas de captação de clientes, mas de aproveitamento da condição de hipervulnerabilidade daqueles que, na maioria das vezes, têm pouquíssima habilidade e sagacidade para lidar com o meio tecnológico, para lhes forçar o consumo de produtos e serviços, ignorando toda a angústia e sofrimentos posteriormente causados.
Tribunal de Justiça de São Paulo, em sentença de setembro de 2024
Além das condenações na Justiça, as empresas foram multadas administrativamente.
Em 2019, o Procon-SP multou a corretora do grupo em R$ 83 mil após dezenas de reclamações sobre descontos irregulares.
Além da multa, o Procon-SP levou o caso para o Ministério da Justiça, em reunião com o então ministro Sérgio Moro, em 2019.
Depois disso, a Senacon (Secretaria Nacional do Consumidor), ligada à pasta, iniciou uma averiguação.
À Senacon, os advogados da empresa argumentaram que seria contrário à "livre iniciativa" tomar a palavra dos idosos como verdadeira, pois poderiam ter perdido a memória.
Dar total credibilidade e tomar como verdade absoluta as palavras de consumidores idosos que alegam não lembrar de celebrar contrato, mesmo com a alta probabilidade de terem adquirido falta de memória posteriormente à contratação, é ato contrário ao princípio constitucional da 'livre iniciativa'.
Sudamerica, hoje Sudavida, empresa do grupo Suda, em manifestação enviada à Senacon
A Senacon concluiu que a corretora estava fazendo cobranças indevidas de idosos. Em 2021, aplicou uma multa de R$ 171 mil, noticiada no site do governo e replicada pela imprensa.
Mas, no ano seguinte, a multa foi anulada para que o processo fosse reiniciado. Dessa vez, não houve notícia oficial, apenas publicação no Diário Oficial. O caso ficou parado por mais de dois anos. Em março deste ano, foi retomado.
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