Algumas das quadras de beach tennis mais valorizadas de São Paulo estão com os dias contados.
A areia que recebe treinos e competições esportivas em terrenos localizados na região da avenida Brigadeiro Faria Lima deve dar lugar a prédios de escritórios de altíssimo padrão.
A mudança já tem até data marcada: meados de agosto, quando a Prefeitura de São Paulo planeja promover o penúltimo leilão de títulos imobiliários para interessados em construir por ali.
Esses centros esportivos, montados no corredor que liga Pinheiros à Vila Olímpia, explodiram nos últimos anos. Sua função é "guardar" o patrimônio de grandes empresas até a decisão pelo início das obras.
A demanda por atividades ao ar livre cresceu durante a pandemia de covid-19 e ajudou o mercado a "virar a chave".
Em vez de criar novos estacionamentos —que não cumprem função social e podem até render aumento de IPTU, a depender da região—, construtoras, bancos, fundos de investimento e demais proprietários de terra passaram a investir em quadras de areia, que viraram a bola da vez.

Elas servem para dar uso aos terrenos e, de quebra, maquiar ações de especulação imobiliária, que é a prática de segurar a edificação da área à espera de valorização.
Os negócios são temporários, com prazos curtos de locação, afirma o engenheiro civil e vice-presidente do Secovi-SP, Claudio Bernardes.
"Investir em uma quadra esportiva é certamente uma solução melhor do que deixar o terreno parado. Além disso, ainda é mais lucrativo que um estacionamento."
De acordo com o endereço, a locação de uma hora pode custar até R$ 270. Já os pacotes mensais saem mais em conta, por volta de R$ 550.

Arrecadação deve passar de R$ 3,8 bilhões
A reportagem identificou 56 quadras de beach tennis e de tênis de quadra e saibro em vias de alto valor imobiliário, como as avenidas Presidente Juscelino Kubitschek, Santo Amaro, Rebouças e Doutor Cardoso de Melo.
Ao menos 18 estão no perímetro da Operação Urbana Faria Lima, que exige a posse de Cepacs (Certificados de Potencial Adicional de Construção), nome oficial dos títulos a serem leiloados pela prefeitura para a edificação potencializada de lotes.
Sem eles, as construtoras não podem construir prédios altos, reduzindo o aproveitamento do terreno e o valor de mercado dos projetos.
É por isso que as quadras se multiplicaram na região. Como o último leilão ocorreu em 2021, não há Cepacs disponíveis no mercado.
Mas o cenário vai mudar.
Segundo o presidente da SP Urbanismo, Pedro Fernandes, a prefeitura vai leiloar um total de 156.675 títulos. Como o lance inicial para cada um é de R$ 17,6 mil, a expectativa de arrecadação é de ao menos R$ 2,8 bilhões.
"Dentro de um ano, devemos leiloar o restante. Serão mais 62 mil títulos aproximadamente, que podem render mais de R$ 1 bilhão", explica Fernandes.
Depois disso, a prefeitura terá de definir qual tipo de legislação será aplicada à região, já que não haverá Cepacs para todo mundo.
A depender das regras a serem impostas, as quadras situadas no entorno da Faria Lima também poderão ter prazo de validade abreviado, já que os leilões vão mexer com todo o mercado, afirmam urbanistas.
Na rua Frei Galvão, a poucos metros da Faria Lima, uma quadra de areia já foi desativada e, por enquanto, está para alugar por R$ 30 mil mensais.

Respiro em meio aos prédios
No número 1.695 da avenida Presidente Juscelino Kubitschek, o Calçadão Praia JK oferece um respiro na paisagem tomada de arranha-céus.
Com seis quadras, é um dos maiores centros esportivos de areia no perímetro da Operação Urbana Faria Lima.
Inaugurado em 2023, o centro guarda um terreno maior, avaliado em R$ 24,8 milhões, de acordo com valores de 2020, data da última averbação na matrícula do imóvel, que é de propriedade do Banco Industrial do Brasil (BIB).
A poucos quilômetros dali, no Itaim Bibi, a REQ Beach Tennis cumpre a mesma função. Em um terreno espremido entre dois prédios, duas arenas suprem a demanda por atividades esportivas de moradores da região enquanto o dono do terreno avalia edificar ou não o lote.

"Abrimos no final de 2021, já no fim da pandemia. O investimento foi todo nosso, mas o terreno é alugado. Nossa intenção é permanecer. Temos um bom público e abrimos todos os dias da semana", conta a proprietária e professora, Regina Queiroz.
Assim como em outras quadras, o esporte ali divide espaço com a venda de roupas, raquetes e lanches. A maioria ainda loca os espaços para eventos privados, como festas de aniversário e eventos corporativos.
Na esquina da Marginal Pinheiros com a avenida Rebouças, ao lado do Shopping Eldorado, as três quadras do Beach Tennis Lounge - Eldorado ficam lotadas a partir das 17h. O público é majoritariamente formado por quem trabalha nos arredores e usa o espaço para a prática de esportes e happy hour.
Mas a movimentação na arena é exceção na vizinhança —os imóveis ao lado já estão desocupados para eventual obra.
Já no cruzamento da rua Iaiá Garcia com a avenida Presidente Juscelino Kubitschek, pequenos comércios e duas quadras de tênis ocupam uma área já sob a posse da construtora Stan Desenvolvimento Imobiliário.

Não há tapumes nem qualquer menção a um futuro projeto corporativo no local. Segundo o UOL apurou, a empresa especializada em projetos de alto padrão é uma das que devem disputar Cepacs em agosto.
Da Faria Lima à favela de Paraisópolis
Segundo legislação aprovada pela Câmara Municipal de São Paulo em julho de 2024, ao menos 35% dos recursos arrecadados com os leilões deverão ser aplicados em melhorias em Paraisópolis, a segunda maior favela da cidade, com cerca de 100 mil moradores.
A expectativa é que a receita bilionária se transforme em moradias populares e obras de requalificação urbana, como calçadões e abertura de vias.
"O instrumento da operação urbana não pode servir apenas para arrecadar, mas para transformar o perímetro destacado, seja com obras de habitação ou de mobilidade", afirma o advogado Fernando Bruno, que é ex-diretor do departamento municipal de controle da função social da propriedade.
Paraisópolis não estava no perímetro original da operação, mas foi incluída para poder ser beneficiada pela arrecadação dos leilões.
Aprovada há mais de 30 anos, a Operação Urbana Faria Lima permitiu alterações significativas na região. A venda de Cepacs viabilizou, por exemplo, a construção dos túneis Jornalista Fernando Vieira de Mello e Max Feffer, a reforma do Largo da Batata e a requalificação da Avenida Santo Amaro.
Com o passar dos anos, os investimentos público e privado transformaram a região na queridinha do mercado imobiliário, que chega a cobrar R$ 350 por cada metro quadrado em contratos de locação corporativos.
Centro financeiro e tecnológico do país, a Faria Lima abriga hoje a sede de grandes bancos, startups, fundos de investimentos e gigantes digitais, como Google, Facebook e Uber.
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