
Em vigor desde esta semana, o tarifaço contra produtos brasileiros não vai produzir uma recessão nacional, já que as exportações para os Estados Unidos representam apenas 1,7% do PIB do país, mas disseminará ondas de dor e incerteza econômica em cidades de 15 estados brasileiros.
Em Minas Gerais, negociações com café já estão paralisadas.
Diversificadas entre si, estas regiões se estendem dos campos de pecuária do Centro-Oeste ao tecido industrial das cidades da Serra Gaúcha. Da fruticultura irrigada no São Francisco e da pesca cearense aos cafezais mineiros e da Mogiana paulista.
Móveis e motores de Santa Catarina, siderurgia do Sul e Sudeste e complexos petroquímicos do Rio Grande do Sul e da Bahia estão entre os perdedores com a decisão unilateral de Washington. O setor siderúrgico já estava sobretaxado por Donald Trump desde junho.
O UOL cruzou a lista de exportações dos estados brasileiros em 2024, quando o país vendeu US$ 40,3 bilhões para os americanos, com os produtos sobretaxados por Trump este ano (além do anúncio da semana passada, autopeças e siderurgia que já haviam sido punidos no primeiro semestre).
Depois, a reportagem cruzou os valores com dados do IBGE e de companhias abertas na B3 para determinar quem são e onde estão os maiores perdedores com o tarifaço.
A análise e o cruzamento de mais de 4.000 itens em uma base de milhares de documentos dispersos permitem algumas conclusões.
A primeira delas é que a tese de que houve um "tarifaço esvaziado" ou que Trump recuou ao anunciar as 692 exceções não encontra amparo na realidade.
Na verdade, é uma impressão baseada sobretudo na situação das exportações de São Paulo e Rio, já que produtos responsáveis pela maior parte da receita dos dois estados --como aviões e suco de laranja (SP) e petróleo e derivados (RJ)-- ficaram de fora das sanções.
A indústria de máquinas agrícolas e maquinário pesado, pesos-pesados da indústria paulista, teme os efeitos bilionários. Isso afeta municípios como Piracicaba, em São Paulo, onde a Caterpillar produz motoniveladoras, escavadeiras, carregadeiras, tratores de esteiras.
Tudo isso está agora na lista da sobretaxa.
Em Minas Gerais, um dos motores da exportação do país, o tarifaço veio na forma de tsunami sobre o carro-chefe das vendas aos Estados Unidos, a cafeicultura.
Trata-se de uma cadeia produtiva que começa na agricultura familiar e empresarial das montanhas do sul do estado, expande-se pelo Cerrado e vai empregando mão de obra em cooperativas, firmas de torrefação e exportadores.
Grande parte do café que sai de Alfenas acaba servido a clientes nas lojas americanas do Starbucks, a maior cadeia varejista dos Estados Unidos.
O que está castigando o produtor agora é a incerteza. É saber o que vai acontecer daqui a um dia, uma semana ou três semanas. E é um momento de final de safra e ninguém sabe como será o mercado, para quem vai vender. Vinicius Estrela diretor-executivo da Associação Brasileira de Cafés Especiais (BSCA)
"Não haverá 8 milhões de sacas disponíveis em outros países para substituir o café que o Brasil vende para lá. Os EUA são tão dependentes do café brasileiro como nós somos dependentes do mercado deles. Não há alternativa para absorver esse café."

Tempestade sobre exportações no Sul
Mas, em termos regionais, a pior situação em escala é a dos estados do Sul.
Dos cem produtos que resultaram em 99% das receitas de exportação de Santa Catarina para os EUA no ano passado, só um ficou de fora do tarifaço.
Situadas no leste catarinense, algumas das empresas mais eficientes do mundo em seus setores, como WEG (motores elétricos), Tupy (metalurgia) e Fras-Le (autopeças), estão entre as afetadas.
Mas, em termos de efeito, a nova realidade forçará uma forte adaptação em São Bento do Sul, Jaraguá do Sul, Joinville, Blumenau e Palhoça, polos de indústrias moveleiras para exportação, um cluster de mais de 3.000 empresas que emprega 30 mil pessoas.
No Paraná, puxados pela madeira, todos os dez principais itens de exportação para os EUA estão no espeto da sobretaxa.
O Rio Grande do Sul, aliás, vê em risco sua principal fonte de receitas externas: o complexo agroindustrial do tabaco, encabeçado pela Phillip Morris e pela Souza Cruz, em Santa Cruz do Sul.
Composta por mais de 38 mil famílias de pequenos agricultores, a cadeia perdeu seu principal cliente global. O orgulhoso setor metalmecânico sediado em Caxias do Sul, idem.
A Taurus, fabricante de armas listada na Bolsa, que emprega 3.000 pessoas em São Leopoldo, região metropolitana de Porto Alegre, é uma das mais afetadas. A empresa exportou para os EUA, seu maior mercado, US$ 170 milhões no ano passado.
Há informações ainda não confirmadas de que a empresa pretende desmontar uma de suas linhas de produção de armas curtas na cidade e levá-la para os EUA, que é seu principal mercado e onde a Taurus já opera uma fábrica.
A realidade de grandes empresas da Bolsa, como a Embraer, Petrobras e os conglomerados exportadores de papel e celulose, não é a mesma de milhares de empresas pequenas e médias que integram arranjos produtivos no setor calçadista nas regiões de Novo Hamburgo (RS) e Franca (SP), produtores de mel de SP, SC e Minas, fruticultores de Petrolina (PE) e polos pesqueiros do Ceará.
Em Pernambuco, 89% da receita com exportações para os EUA em 2024 veio de produtos agora sobretaxados.
Se a lista de exceções ficar como está, a dor remanescente será distribuída em setores que competem globalmente com os Estados Unidos —como carne e etanol no agro e manufaturas metalomecânicas, calçadistas e têxteis—, cujas importações americanas podem ser teoricamente supridas por outros países.

Como o tarifaço bateu no Brasil, começando pelo Sudeste
Na região mais populosa do país, o tarifaço não afetou os principais produtos de exportação de SP e Rio (aviões e petróleo, respectivamente), mas bateu em cheio na economia de Minas porque o café, principal item de exportação do estado, foi sobretaxado.
Cidades mais atingidas no Sudeste
São Paulo
- Piracicaba - Máquinas pesadas, implementos agrícolas, autopeças
- São Bernardo do Campo - Autopeças, metalurgia, veículos
- Campinas - Eletroeletrônicos, máquinas, componentes industriais
- Indaiatuba - Autopeças, metalmecânica
- Limeira - Metalurgia, componentes elétricos
- Guarulhos - Metalurgia, máquinas, logística
- Osasco - Eletroeletrônicos, máquinas
- Sorocaba - Máquinas industriais, autopeças
- Franca - Calçados
- Barretos - Carne bovina, frigoríficos
- Taubaté - Veículos, autopeças
- Jacareí - Metalurgia, química
- Presidente Epitácio - Carne e couro
Minas Gerais
- Varginha - Café
- Alfenas - Café
- Poços de Caldas - Café, metalurgia
- Pouso Alegre - Café, indústria de transformação
- Uberlândia - Carnes, máquinas, alimentos
- Uberaba - Carnes, alimentos, química
- Belo Horizonte / Contagem / Betim - Metalurgia, autopeças, indústria de transformação
Rio de Janeiro
- Volta Redonda - Siderurgia (CSN)
- Itaguaí - Siderurgia, logística portuária, metalurgia
- Duque de Caxias - Petroquímica, metalurgia, plástico
Espírito Santo
- Serra - Siderurgia, metalurgia
- Vila Velha - Siderurgia, portos, metalurgia
- Cachoeiro de Itapemirim - Rochas ornamentais (pedras), exportação de mármore e granito

Sul
Nenhuma outra região sentiu o peso do tarifaço como o Sul.
A sobretaxa atingiu setores vitais: no RS, tabaco, metalmecânico, calçadista, armas e alimentos processados; em SC, móveis, madeira, máquinas, motores elétricos, autopeças e têxteis; e no PR, madeira processada, açúcar, transformadores elétricos, couro, coque de petróleo, pescado e componentes automotivos.
Cidades mais atingidas no Sul
Rio Grande do Sul
- Santa Cruz do Sul - Agroindústria, tabaco
- Caxias do Sul - Metalurgia, autopeças, metalmecânico
- Novo Hamburgo - Calçados
- São Leopoldo - Armas (Taurus), metalurgia
- Porto Alegre - Indústria de transformação, logística
- Sapiranga - Calçados, metalurgia
- Lajeado - Agroindústria, alimentos processados
Santa Catarina
- São Bento do Sul - Móveis, madeira, exportação moveleira
- Jaraguá do Sul - Máquinas, motores elétricos, autopeças
- Joinville - Máquinas, motores, metalmecânica, móveis
- Blumenau - Têxteis, móveis
- Palhoça - Móveis, indústria de transformação
Paraná
- Guarapuava - Madeira serrada/perfilada, compensados, portas de madeira, açúcar de cana, ladrilhos cerâmicos
- Ponta Grossa - Transformadores elétricos, couro, madeira de coníferas, levedura, café solúvel
- Araucária - Coque de petróleo não calcinado, madeira processada, açúcar de cana, componentes automotivos
- Toledo - Filés de tilápia, açúcar de cana, couros, madeira processada

Centro-Oeste
As sobretaxas do Centro-Oeste incidiram sobre a carne bovina e o couro produzidos em Mato Grosso do Sul, assim como sobre a produção de carne bovina em Goiás, cadeias agroindustriais importantes.
A região, contudo, é menos dependente dos EUA do que de vendas para outros países, como a China.
Cidades mais atingidas no Centro-Oeste
Mato Grosso do Sul
- Campo Grande - Carne bovina, couro
Goiás
- Palmeiras de Goiás - Carne bovina

Nordeste
As sobretaxas recaíram no Nordeste sobre áreas como o polo petroquímico da Bahia, a fruticultura irrigada de BA e PE e a pesca e exportação de lagosta no Ceará, além do processamento de pescados e frutas.
Cidades mais atingidas no Nordeste
Bahia
- Camaçari - Polo petroquímico, plástico, química industrial
- Juazeiro - Fruticultura irrigada (manga, uva)
Ceará
- Acaraú - Pesca e exportação de lagosta e frutas
- Aracati - Pesca de lagosta
- Fortaleza - Pesca, processamento de pescados e frutas
Pernambuco
- Petrolina - Fruticultura irrigada (uva, manga, exportação de frutas)
Fontes: MDIC, IBGE e dados de companhias abertas
Deixe seu comentário
O autor da mensagem, e não o UOL, é o responsável pelo comentário. Leia as Regras de Uso do UOL.