Só para assinantesAssine UOL

Quem são os americanos que abrem portas da Casa Branca a Eduardo Bolsonaro

Em um fim de tarde em dezembro de 2024, o comentarista político Paulo Figueiredo chegou ao prédio da Heritage Foundation, o think tank conservador mais importante dos Estados Unidos, em Washington D.C., capital do país.

Ali, pouco mais de um mês antes da posse do presidente eleito Donald Trump, funcionava o gabinete de transição do republicano.

Aquela era a parada final de Figueiredo —neto do presidente do regime militar João Batista Figueiredo— depois de um dia de romaria em gabinetes de deputados no Capitólio.

Na sala de espera do prédio, Figueiredo contou à reportagem o que pretendia com a reunião mais importante do dia: pedir ao governo de Trump, que fora seu sócio em um hotel no Rio mais de dez anos antes, que cassasse o visto do ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) Alexandre de Moraes e de ao menos outros sete magistrados.

Sem precedentes na história de 200 anos de relação entre o Brasil e os EUA, a medida soava improvável àquela altura. Sete meses mais tarde, em 18 de julho, o Departamento de Estado anunciava a revogação da autorização de Moraes e "de seus aliados na corte" para entrar no país. E essa não foi a única ação inédita tomada pelo republicano.

A partir de 9 de julho, o governo Trump impôs um tarifaço de 50% contra produtos brasileiros, iniciou uma investigação comercial por supostas práticas desleais contra o país mirando até o Pix, impôs sanções financeiras da Lei Global Magnitsky contra Moraes, revogou vistos de funcionários do Executivo que participaram da criação do programa Mais Médicos e afirmou que o país regrediu em direitos humanos e democracia.

Em comum, todas essas ações do governo norte-americano têm, ao menos em parte, as digitais de Figueiredo e do deputado federal Eduardo Bolsonaro (PL-SP). Aliados políticos desde 2016, quando Eduardo procurou Figueiredo para pedir que o comentarista o apresentasse a Trump, os dois brasileiros capitanearam uma campanha de meses por punições ao Brasil, com o objetivo declarado de forçar o país a conceder anistia a Jair Bolsonaro e seus aliados.

O ex-presidente brasileiro enfrentará em 2 de setembro julgamento por tentativa de abolição violenta do Estado democrático de Direito, entre outros crimes, que ele nega. Desde 8 de julho, Trump se refere ao processo como "caça às bruxas", "perseguição política" e "vergonha internacional".

São ecos do discurso que Figueiredo e Eduardo repetiram em ao menos 47 gabinetes de congressistas americanos, além de outras dezenas de autoridades da Casa Branca, do Departamento de Estado, do Tesouro e do Departamento de Comércio, entre outros.

Continua após a publicidade

"Temos dois grandes amigos do CPACs [Conferência da Ação Política Conservadora, maior evento internacional da direita] na Casa Branca, muitos no Departamento de Estado, uma no Tesouro. É um mundo pequeno, em que muitas vezes as coisas deslancham porque há uma relação pessoal construída ao longo de anos", disse Figueiredo, que se recusa a nomear seus interlocutores no Executivo dos EUA.

Embora a mobilização hoje seja considerada um sucesso pelos bolsonaristas —com cenas como uma foto da dupla junto ao secretário do Tesouro Scott Bessent no mesmo dia em que a autoridade se recusou a conversar com o ministro da Fazenda, Fernando Haddad—, não foi sempre assim.

Eduardo Bolsonaro se encontrou com o secretário do Tesouro dos Estados Unidos, Scott Bessent
Eduardo Bolsonaro se encontrou com o secretário do Tesouro dos Estados Unidos, Scott Bessent Imagem: Reprodução/X

Em meados de 2023, Figueiredo chegou a ser deixado esperando (acompanhado de parlamentares brasileiros de direita) em um corredor do Congresso pelo deputado republicano do Texas Michael McCaul, que nunca apareceu.

Cena parecida aconteceu com a deputada republicana Maria Elvira Salazar, da Flórida, a quem hoje Figueiredo chama de "amiga", e com Marco Rubio, quando ainda era senador.

Atualmente, Rubio é secretário de Estado de Trump e foi o escolhido para anunciar a sanção a ministros do STF. Já Salazar propôs um projeto de lei contra "censores" de americanos no exterior, cujo alvo declarado era Moraes e tem comemorado publicamente as punições recentes ao ministro.

Continua após a publicidade

O UOL mapeou o círculo de autoridades que, até agora, mais fizeram avançar a pauta bolsonarista na capital norte-americana. Veja a seguir quem são eles.

Imagem
Imagem: Arte/UOL

Miller, Gorka e Bannon: os ouvidos do presidente Trump

Em 7 de setembro de 2021, o ex-porta-voz de Trump em seu primeiro mandato, Jason Miller, telefonou para Figueiredo no Aeroporto Internacional de Brasília.

Informava que tinha sido detido pela Polícia Federal por ordem de Moraes, para ser ouvido no inquérito das fake news. Sua detenção durou cerca de três horas.

Irritado, ele disse a Figueiredo que os agentes não falavam inglês e que tentavam fazê-lo assinar uma declaração.

Continua após a publicidade

Miller tinha ido ao Brasil a convite de Eduardo, para discursar na edição brasileira da CPAC, cuja organização no país era tocada pelo deputado federal.

Queria também divulgar a recém-criada Gettr, uma rede social que pretendia absorver milhares de usuários da direita norte-americana que tinham sido expurgados das redes sociais mais populares (como Facebook e Twitter) depois do ataque ao Capitólio em 6 de janeiro daquele ano —Trump foi um dos banidos.

Miller era então o CEO da rede, que dizia defender a "liberdade de expressão", outro dos motes da atual administração trumpista. A Gettr nunca decolou, e Trump lançou sua própria rede social, a TruthSocial, em 2022.

A detenção em Brasília foi o estopim para um dos discursos mais inflamados do então presidente Jair Bolsonaro contra Moraes e o STF, em um carro de som, na avenida Paulista. "Agora há pouco, [Moraes] interceptou um cidadão americano para ser inquirido", disse Bolsonaro. "Não vamos aceitar que pessoas como Alexandre de Moraes continuem a açoitar a nossa democracia."

Quase quatro anos mais tarde, Trump está de volta ao poder, e Miller segue sendo um de seus principais conselheiros, embora não tenha cargo formal na gestão.

Figura fácil nos corredores da Casa Branca, Miller, que atua como consultor político, é considerado por Eduardo e Figueiredo um dos principais impulsionadores das ações recentes do governo Trump em relação ao Brasil. O trio coordenou as ações em jantares em Washington.

Continua após a publicidade

Miller não esconde os contornos pessoais que a questão tomou. Ele comemorou publicamente quando Moraes foi atingido pelas sanções da Lei Magnitsky. Recentemente, quando o ministro fez um gesto obsceno mostrando o dedo do meio durante um jogo do Corinthians, Miller foi às redes responder: "É recíproco, c*".

O ex-porta-voz tem evitado dar declarações à imprensa, mas reservadamente tem repetido a interlocutores que não existe chance de o governo Trump aceitar negociar com representantes do governo Lula sobre o tarifaço.

Na Casa Branca, outro aliado da dupla é o húngaro-americano Sebastian Gorka. Atual assessor de contraterrorismo de Trump, ele é um comunicador da direita e velho conhecido de Eduardo e Figueiredo dos CPACs e da primeira gestão Trump —ele atuou na Casa Branca em 2017.

Muito antes, em 1998, Gorka foi assessor do primeiro-ministro de extrema direita da Hungria, Viktor Orbán. Tratado por Eduardo como um ídolo, Orbán recebeu das mãos do deputado durante um CPAC no ano passado a medalha de "imorrível, imbrochável e incomível", criada por Bolsonaro.

Dois meses antes da CPAC, o ex-presidente brasileiro havia passado duas noites na Embaixada da Hungria em Brasília, o que foi interpretado por autoridades brasileiras como uma possível tentativa de fuga.

Recentemente, pouco depois de Bolsonaro ser submetido ao uso de tornozeleira eletrônica, Orbán se manifestou publicamente: "Continue lutando, Jair Bolsonaro! Ordens de silêncio, proibições de redes sociais e julgamentos com motivação política são ferramentas de medo, não de justiça".

Continua após a publicidade
Eduardo Bolsonaro com Steve Bannon, em 2018
Eduardo Bolsonaro com Steve Bannon, em 2018 Imagem: Reprodução/Twitter

Outro que priva dos ouvidos de Trump mas, especialmente, de seu secretariado e de sua base de apoiadores é o ideólogo do movimento trumpista Maga (make america great again), Steve Bannon.

Nos últimos meses, Bannon levou a demanda por sanções a Moraes pessoalmente para o secretário Marco Rubio, além do próprio Trump.

Eduardo e Bannon mantêm relação estreita há quase uma década. O ideólogo credita a essa parceria parte do sucesso da direita populista norte-americana nas redes sociais.

Segundo Bannon, em 2016 a família Bolsonaro já estava à frente de Trump no domínio das plataformas sociais para disseminação política e serviu de inspiração para os trumpistas.

Bannon não esconde a predileção por Eduardo como a figura a ser herdeira do movimento bolsonarista. Ao UOL ele disse que "é uma honra lutar contra os globalistas ao lado de Eduardo nos últimos oito anos. Ele é um dos líderes mais extraordinários que conheci no mundo —um homem de ação, sem palavras vazias; um homem com espírito de luta, independentemente das probabilidades".

Continua após a publicidade

Pita, Beattie e Gaetz: as pegadas na diplomacia trumpista

Donald Trump e o então deputado pela Flórida Matt Gaetz
Donald Trump e o então deputado pela Flórida Matt Gaetz Imagem: Mike Segar/AFP

Em 2023, quando foi esnobado pelo deputado Michael McCaul, então presidente da Comissão de Relações Exteriores da Câmara dos EUA, Paulo Figueiredo conheceu um de seus jovens assessores legislativos, Ricardo Pita.

Ex-auxiliar do senador republicano Ted Cruz, do Texas, Pita era considerado um quadro ideológico promissor entre os republicanos, mas surpreendeu até seus entusiastas ao fazer avançar muitas das pautas da direita latino-americana depois de assumir um posto de conselheiro-sênior do Departamento de Estado, no começo de 2025.

Pita nasceu na Venezuela, mas foi levado a Miami pela família durante o regime de Hugo Chávez nos anos 2000. Ele jamais voltou ao país onde nasceu —hoje é cidadão norte-americano.

Enquanto estava no Congresso como assessor, ainda durante a gestão Joe Biden, ele atuou para bloquear no Legislativo a aprovação dos aportes de meio bilhão de dólares que o democrata havia prometido para o Fundo Amazônia, como parte dos esforços para combater mudanças climáticas, pauta que Trump despreza.

Continua após a publicidade

Já no Executivo, coube a Pita desenhar as sanções que foram aplicadas contra a ex-presidente argentina Cristina Kirchner. Ele também se envolveu em um dos episódios mais tensos entre os EUA e o México: a disputa pelas águas do Rio Grande entre o governo esquerdista de Claudia Scheinbaum e fazendeiros texanos.

Pita já trabalhava no avanço da sanção Magnitsky contra Moraes e a cassação de vistos de integrantes do STF quando esteve no Brasil em maio, como parte de uma delegação que discutiria o crime organizado e o narcotráfico brasileiro.

O primeiro compromisso de Pita em Brasília, porém, foi uma visita a Jair Bolsonaro —o que enfureceu a diplomacia brasileira.

No último mês, e pouco antes que Moraes proibisse essas interações, Pita voltou a falar com Bolsonaro por chamada de vídeo, durante uma das muitas reuniões de Figueiredo e Eduardo na sede do Departamento de Estado, em Washington.

Outra figura frequente dos encontros da dupla brasileira é o republicano Darren Beattie, subsecretário de Estado para a Diplomacia Pública e autor das notas nas quais alguns diplomatas brasileiros identificam os tons mais "ameaçadores".

Beattie tem por hábito esperar um ou dois dias após algum dos lances da escalada entre Brasil e EUA para publicar tais manifestações e reacender a tensão que começava a se dissipar. No primeiro governo Trump, ele costumava ser um dos autores dos discursos do republicano.

Continua após a publicidade

Considerado altamente ideológico, Beattie é ligado ao ex-deputado trumpista da Flórida Matt Gaetz, próximo a Figueiredo.

Controverso, Gaetz foi indicado por Trump para ser procurador-geral em seu governo, mas teve que retirar sua candidatura a chefe do Departamento de Justiça quando ficou claro que nem seus correligionários republicanos aprovariam seu nome para o cargo em meio a escândalos por pagamentos a trabalhadoras do sexo e investigações no Conselho de Ética da Câmara.

Atualmente, ele tem um programa na rede televisiva de direita One America News Network, supostamente a preferida de Trump, à frente da Fox. Figueiredo é figura frequente no programa semanal de Gaetz, sempre comentando tópicos da América Latina.

Smith: a chave do Congresso

Depois de meses com pouca penetração no Congresso dos EUA, a campanha de Eduardo e Figueiredo encontrou um padrinho capaz de impulsionar a agenda.

O deputado Chris Smith, republicano de Nova Jersey, é um dos mais longevos parlamentares da história do país. Ele é deputado desde 1980 e o mais ativo na criação de leis dentre os 435 membros da Câmara —já aprovou 50 no total.

Continua após a publicidade

Sua atuação foca em um tema até então pouco afeito aos bolsonaristas: os direitos humanos.

Mas Eduardo e Figueiredo foram capazes de convencê-lo de que as derrubadas sucessivas de contas de usuários de direita no Brasil por decisão judicial configuravam violações de direitos humanos, bem como o processo contra Jair Bolsonaro.

Com bom trânsito, inclusive com os colegas democratas, Smith passou a incorporar o caso dos bolsonaristas brasileiros em suas denúncias, relatórios e testemunhos em comissões parlamentares contra violações de direitos humanos ao redor do mundo, ao lado de denúncias contra países como China e Índia.

Smith copatrocinou projetos de leis para cassar vistos e cortar fundos de autoridades ou organizações estrangeiras acusadas de violar a liberdade de expressão de americanos ao redor do mundo e fez com que os colegas republicanos embarcassem no assunto, fazendo circular dossiês contra o ministro Moraes no Congresso norte-americano.

Ele também passou a interpelar tanto o Departamento de Estado como a Casa Branca para pedir punições a Moraes.

Analógico e bonachão, Smith gosta de contar anedotas de quando teria sido supostamente envenenado pelo governo sandinista de Daniel Ortega, na Nicarágua, ainda no começo de seu mandato, nos anos 1980, como prova de seu engajamento histórico contra "ditaduras de esquerda na América Latina" —situação em que ele acredita que o Brasil possa atualmente se enquadrar, ecoando o discurso da dupla Eduardo e Figueiredo.