Eles estão nos anúncios de academias e grupos de corrida, nos posts das famosas no Instagram, nas trends do TikTok e nas passarelas. Corpos magros voltaram a ser referência de estética e de saúde.
Com a popularização das canetas emagrecedoras, das academias de ginástica e de toda uma cultura fitness, emagrecer por conta própria nunca foi tão acessível.
Milhares de brasileiros vêm adotando hábitos saudáveis, melhorando a saúde e tratando a obesidade.
O movimento "body positive" —de aceitação a corpos fora do padrão— parece coisa de um passado distante.
Impulsionados pelas redes e por influencers, os brasileiros estão se exercitando mais, mostram estudos.
A moda da magreza, no entanto, tem seus riscos. A falta de acompanhamento médico é um deles.
A busca por um padrão de corpo inalcançável pode causar ansiedade, depressão, alterações hormonais e até riscos cardíacos. Parte dos profissionais de saúde fala em retrocesso.
A questão é complexa, e a adoção do equilíbrio parece ser o fiel da balança.
"Peso bom é aquele que te faz feliz e, ao mesmo tempo, te traz saúde", diz a endocrinologista Andressa Heimbecher, professora da Santa Casa de São Paulo e doutora em endocrinologia e metabologia pela USP.
Quando emagrecer faz toda a diferença
A moda da magreza tem uma clara consequência positiva, dizem especialistas: é mais um incentivo ao combate à obesidade.
A doença, crônica, atinge 24,3% dos adultos brasileiros, segundo estudo publicado em 2024 pela revista científica The Lancet, com apoio da OMS.
Cecília Betim, 23, optou por emagrecer para se sentir mais saudável. Passou a praticar esportes e a mudar hábitos alimentares.
Decidiu matricular-se na academia quando deixou de se reconhecer no espelho. Com 1,65 metro de altura, pesava 135 kg no começo de 2024.
Atualmente, está com 80 kg e segue numa rotina saudável.
"Não perdi só o peso. Ganhei muita coisa no processo", diz Cecília.
Ela não conseguia subir as escadas de casa sem ficar totalmente exausta. Tinha medo de se sentar em uma cadeira de plástico, e ela ceder.
"Tudo isso parece básico, mas a obesidade foi tirando minha vida de mim. Hoje percebo como ela é outra", fala.
Com a prática diária de atividade física —academia e muay thai—, Cecília mudou a dieta e ganhou saúde e autoestima. Ela não fez cirurgia bariátrica nem usou remédios, tratamentos que podem ser indicados.
"Hoje, posso escolher a roupa que quero em uma loja, e não a roupa que me serve."
Já Luiz Valloto, 35, jornalista, precisou fazer cirurgia bariátrica. Ele tem 1,79 metro e chegou a pesar quase 200 kg em 2023.
Ele tinha outras doenças relacionadas à obesidade, como gordura no fígado, pré-diabetes e pressão alta, que foram controladas com atividades físicas e dieta.
"Voltei a viver. Consigo sair mais de casa, criei uma comunidade dentro do crossfit e corro às vezes", diz.
É comum a quem passa pela perda de peso por saúde se apegar ao esporte, como aconteceu com Luiz. E o fenômeno não é exclusivo para quem está emagrecendo.
Embora o Brasil seja o país mais sedentário da América Latina e um dos mais sedentários do mundo, segundo a OMS, os brasileiros estão se exercitando mais desde a pandemia.
Segundo levantamento feito este ano pelo Datafolha, 53% da população acima de 16 anos fazem atividade física.
A caminhada é a favorita entre os entrevistados (25%), seguida pela musculação (13%), futebol (7%), ciclismo (6%) e corrida (6%).

Os perigos do emagrecimento
A busca pelo corpo magro, muitas vezes associado a sucesso e disciplina, pode cobrar um preço alto.
"Pensamos em obesidade como risco, mas o extremo oposto também é perigoso. Forçar alguém a buscar um peso muito abaixo do saudável é grave", alerta a endocrinologista Andressa Heimbecher.
A publicitária paulista Juliana Leite, 30, sabe bem como essas referências pesam. Ela desenvolveu compulsão alimentar e anorexia ainda na faculdade.
Com a volta do culto à magreza, sentiu-se pressionada a buscar um corpo igual ao que via na internet.
"Quando atingi o peso que achava ideal, não senti nada. Não veio felicidade, muito menos 'sucesso'. Foi um dos períodos mais difíceis da minha vida", relata.

Hoje, em acompanhamento psicológico, Juliana tenta reconstruir a relação com a comida e com o espelho.
A psicóloga Fernanda do Valle, 47, cresceu sob a pressão das revistas que exaltavam barrigas chapadas e enfrentou anorexia grave.
Chegou a ser internada duas vezes.
"Achava que era normal contar calorias e ser obcecada pelo corpo, ir na academia para queimar tudo que comi", diz. "Aos 30 anos, quase morri tentando ser magra."
Ela sofreu uma parada cardíaca —efeito da anorexia— enquanto dirigia, o que a motivou a se tratar. "É um transtorno que você precisa de ajuda, sozinha é muito difícil", diz.
A psicóloga, que faz palestras e escreveu livros sobre suas vivências, vê com preocupação o retorno de corpos mais magros —e de tudo que ela viveu de perto nos anos 2000.
"Nada mudou, mas só piorou com o passar dos anos. Atendo muitas meninas e adolescentes, desenvolvendo anorexia por causa dessa exposição nas redes sociais", diz Fernanda.
Mas por que ser magro voltou a ser moda?
Parte da resposta está no ciclo da indústria fashion: a cada 20 anos, estéticas que pareciam ultrapassadas retornam. Mas especialistas apontam fatores mais profundos.
A historiadora Denise Sant'Anna, da PUC-SP, afirma que a valorização do corpo magro não pode ser dissociada do contexto político e social.
"Essas meninas magras, em desfiles, expressam uma intolerância à democracia dos corpos que vinha se afirmando desde 2012, quando corpos gordos e fora do padrão começaram a ganhar espaço", explica.
Para a psiquiatra Ana Clara Floresi, dos hospitais Albert Einstein e Sírio-Libanês, a virada aconteceu a partir de 2021.
"Após um breve período em que o body positive ganhou espaço, a pressão estética voltou sob novas justificativas: bem-estar, disciplina, autocuidado. É a mesma cobrança, mas com outra embalagem", diz a médica.
Em 2015, a youtuber Alexandra Gurgel, 34, foi uma das vozes mais fortes do movimento no Brasil. Durante a pandemia, o body positive teve seu auge.
"Estávamos em casa, questionando nossos corpos, vivendo o politicamente correto. Mas, quando a pandemia acabou, veio uma onda reacionária enorme", lembra.
Hoje, tanto Alexandra como a atriz e influenciadora Dora Figueiredo, 31, entendem que a pauta perdeu espaço.
"As pessoas tinham vergonha de ser gordofóbicas. Isso não existe mais. Basta um post com uma pessoa gorda para surgir uma enxurrada de comentários criminosos."
Dora percebeu que alguns seguidores começaram a elogiar sua perda de peso —consequência de depressão e de outros problemas de saúde.
"Muitas pessoas escreviam: 'Olha o glow up, olha como ela está linda, a Dora voltou'. Ouvi isso até de familiares, como se eu tivesse me perdido porque engordei", diz a atriz.
A mesma situação foi vivida por Alexandra. No auge do body positive, ela recebia apoio. Quando emagreceu —estava perto dos 80 kg na época—, as mesmas pessoas passaram a elogiar sua aparência.
"Ouvi comentários: 'Como está linda. Desinchou', e eu pensando: 'Safada, tu só estava mentindo, fingindo que me respeitava'. Foi só engordar de novo que acabou."
Para Dora, a culpa é do retorno da cultura da magreza. "É sinônimo de prosperidade e riqueza", afirma.
As pessoas acham que corpo livre significa ser gordo para sempre. Mas eu só queria liberdade para poder viver minha vida. Alexandra Gurgel, youtuber

Internet amplifica o discurso da magreza
Dados confirmam a percepção: 54% das referências a pessoas com sobrepeso nas redes tiveram conotação negativa entre junho e agosto de 2024.
Os números são de uma pesquisa da consultoria Ilumeo, feita a pedido da farmacêutica Merck.
Os termos mais associados à palavra "gordo" foram "nojo" (44%) e "preguiça" (36%).
Nas passarelas, a exclusão também é evidente. A revista Vogue Business aponta que, nas principais semanas de moda de 2025, o "plus size" foi quase inexistente.
Apenas 0,8% dos 8.763 looks desfilados eram de tamanhos maiores.
"Há um modelo de corpo reto, reduzido a proporções que muitos consideram pouco saudáveis", conclui o relatório.
Celebridades como Kim Kardashian, antes conhecidas por corpos curvilíneos, aparecem visivelmente mais magras.
Nas redes sociais, embora o TikTok tenha banido a hashtag SkinnyTok, conteúdos de magreza extrema e a trend "magras, magras e magras" continuam ativos.

O efeito das canetinhas
Se nos anos 2000 as dietas milagrosas eram a febre, agora o símbolo do culto à magreza são os medicamentos injetáveis como Ozempic, Wegovy e Mounjaro.
Criados para tratar diabetes e obesidade, eles viraram desejo de quem busca perder "apenas alguns quilos".
As vendas explodiram: as receitas geradas foram de 4,5 bilhões de euros em 2021 para 21,2 bilhões em 2023, segundo a Allianz Research.
A ex-tenista Serena Williams revelou usar o remédio e foi contratada como garota-propaganda para "normalizar o uso de medicamentos GLP-1".
No Brasil, o crescimento foi tão acelerado que a Anvisa passou a exigir retenção de receita médica.
Esse tipo de medicamento, quando bem usado, é um dos grandes aliados contra a obesidade.
O corretor de imóveis Marcelo Parmeggiani, 51, pesava 125 kg durante a pandemia. Ele tinha sofrido um infarto havia 12 anos, seguido de duas cirurgias cardíacas.
Era o candidato ideal para uma pesquisa clínica com o Monjaro, que também pode trazer benefícios cardiovasculares.
Após dois anos de uso, o resultado foi melhor do que o esperado.
"Minha pressão deixou de ficar alta. Meu colesterol, que sempre foi um problema na família, reduziu. Foram anos tomando remédio das maiores doses para controlar", conta ele, hoje com 65 kg.
Marcelo diz que consegue caminhar pelas ruas com mais facilidade. Coisas simples como amarrar um sapato também deixaram de ser uma barreira.

O problema das canetinhas, dizem especialistas, é a banalização do uso.
"Tenho visto pacientes que sempre se sentiram bem começarem a desejar emagrecimento rápido para alcançar corpos que não condizem com seu biotipo", diz a endocrinologista Graziela Martins.
A nutróloga Marcella Garcez relata que adolescentes chegam ao consultório com metas corporais irreais, inspirados por influenciadores. "Eles estão em uma fase de formação de identidade corporal. Mas também tenho adultos que, mesmo com autoestima consolidada, passaram a se sentir pressionados."
Para a criadora de conteúdo mid-size Mayra Fernandes, 32, o problema não é querer emagrecer, mas transformar isso em um projeto de vida.
"O padrão voltou com tudo. Só que agora com uma nova narrativa: autocuidado, disciplina. Tudo com cara de bem-estar, mas carregando a mesma velha cobrança", diz.
Entre saúde e sofrimento: onde está o limite?
Segundo a endocrinologista Andressa Heimbecher, não devemos demonizar a magreza, mas, sim, seu excesso e apelo estético como ideal.
Estudo publicado no periódico Cell Press estima que 1,9% da população mundial tenha a magreza constitucional. Ou seja, são pessoas "naturalmente magras", devido à genética.
"Essas pessoas têm mais tecido gorduroso —que chamamos de 'tecido gorduroso marrom'— e queima mais calorias", explica.
Autoestima não pode depender de um manequim. O corpo ideal não existe. O que existe é um sistema que lucra com a nossa insatisfação. Geane Rodrigues, 20, estudante
*Colaborou Isabella Abreu
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