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Matheus Pichonelli

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Falsa polêmica sobre camarões de Wagner Moura tem a marca da estupidez

Colunista do TAB

17/11/2021 04h00

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A vida longe das redes ensina que privilégio não é uma porção de camarão temperado com coentro e castanha de caju. O nome disso é vatapá.

Privilégio é poder desligar bips, pagers, smartphones e outros equipamentos eletrônicos no fim de semana prolongado e ficar de fora de falsos debates como o lançado pelo deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) ao flagrar uma porção da iguaria no prato de Wagner Moura em uma ocupação do MTST (Movimento dos Trabalhadores Sem Teto).

O filho 03 do presidente achou que estava fazendo uma baita crítica social pesada ao associar os artrópodes ao comunismo, à fome e à Venezuela, mas estava só cumprindo o papel de sommelier do prato alheio. Você deve conhecer o tipo. Aquele que espera você sentar no bandejão da firma para fiscalizar se você não guarda costela bovina embaixo da salada e vive perguntando quanto você paga no prato e por que diabos parou a dieta.

A presença do camarão na quentinha de um ator deveria ser um não-assunto em um país onde cada um escolhe a mistura que quiser para acompanhar a guarnição. Mas virou suposta denúncia da grama verde do vizinho para estimular a raiva de quem tem apelado para pescoço de frango em um país que inviabilizou o peixe fresco e a carne de primeira — por culpa justamente do governo treinado e orientado para agradar barões à custa da miséria alheia.

O que Eduardo Bolsonaro fez foi tirar o corpo fora e desviar a rota da revolta, canalizada a quem não tem nada com a conversa. Que alguém tenha caído na armadilha é só a prova da total ausência de vida inteligente no planeta digital. O risco é ser dragado pela estupidez. Fizeram bem os que tiraram as horas de folga para ficar longe de tudo isso ou lembrar que Wagner Moura no fim mostrou apenas humildade ao comer camarões enquanto poderia... bem, vocês sabem.

Na falta de uma, a turma adicta da mobilização pela raiva tem razões de sobra para triturar os dentes pelos motivos certos. Os camarões do MTST, doados por uma militante empreendedora, não são uma delas.

Vamos listar algumas para ajudar:

- Já ouviu falar na Mamata de Dubai? Pois procure saber;

- Em sua viagem aos Emirados Árabes, para onde levou até ex-senador sem cargo no governo na comitiva, Jair Bolsonaro declarou que as questões do Enem finalmente terão a sua cara. É mais um crime confesso de ingerência bolsonarista em uma instituição que deveria ser do Estado, não do governo A ou B. Em protesto contra o "Exame com Partido", 37 funcionários do Inep, o órgão responsável pela prova, pediram demissão. Parte deles afirma que ao menos 20 questões foram alteradas por pressão política para atender Bolsonaro e sua visão torta de mundo. Está pouco o quer mais?;

- Uma estatal controlada por oficiais de alta patente da Marinha promoveu, desde 2016, quatro motoristas da diretoria a assistentes. O salário saltou de R$ 3.400 para R$ 18,6 mil. Dá para comprar 177 quilos de camarão descascado e pré cozido na vivenda mais perto de sua casa;

- Por conta do crescimento fraco e da deterioração da economia, sabe quando será possível vislumbrar um quadro de pleno emprego novamente? Só em 2026. Isso em um cálculo otimista;

- Paulo Guedes, ministro da Economia, omitiu do próprio governo a informação de que sua filha é a real diretora da offshore aberta por ele nas Ilhas Virgens Britânicas. O valor movimentado ali é calculado em dólar, não em camarão;

-Steve Bannon, ex-conselheiro oficial de Donald Trump e chefe informal dos planos do clã Bolsonaro, se entregou finalmente ao FBI após ser indiciado por desacato no processo que investiga a invasão ao Capitólio, uma prévia do que pode acontecer por aqui se a família presidencial cumprir a ameaça de só reconhecer o resultado das urnas eletrônicas se elas forem favoráveis ao capitão;

- A distribuição de verbas ligadas às emendas de relator na Câmara dos Deputados registrou picos durante negociações estratégicas para o governo Bolsonaro. Só nas duas últimas semanas, quando a PEC do Calote foi votada em dois turnos, foi liberado mais de R$ 1,4 bilhão em troca de apoio sincero e desinteressado;

A lista acima é só parte das notícias que Bolsonaro e sua turma não querem que você leia, entenda, compare. Para eles, quanto mais atenção às falsas polêmicas criadas nas redes, mais distante será o entendimento do buraco profundo em que nos enfiamos.

Boa sorte para quem tentar sair dele imaginando que pouco osso e muito camarão os males do Brasil são.