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Matheus Pichonelli

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Nem Cebolinha assinaria 'plano infalível' de Bolsonaro para Marcos do Val

Marcos do Val não sabe onde estava nem o que disse. Quer se passar por maluco? - Foto: Reprodução/Facebook
Marcos do Val não sabe onde estava nem o que disse. Quer se passar por maluco? Imagem: Foto: Reprodução/Facebook

Colunista do UOL

03/02/2023 11h12

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Cansado de levar coelhadas toda vez que aprontava, o personagem traquinas e com dificuldade de dicção se reúne com um amigo sujinho para traçar um plano aparentemente infalível: usar uma pessoa de confiança, de preferência com a gula (por holofotes) acima da média, para se aproximar da algoz e finalmente surrupiar o objeto de poder e desejo.

Maurício de Souza só não assinaria embaixo o roteiro porque seus personagens da ficção são um pouco mais sagazes do que os habitantes do Planalto até outro dia.

Da história apresentada por Marcos do Val (Podemos), o senador capixaba que deu uma entrevista à revista "Veja" e anunciou a "bomba" contra Jair Bolsonaro (PL) em uma live do MBL, mais difícil do que encontrar sentido na empreitada golpista é concluir que eles realmente acreditavam em um desfecho feliz. O desfecho era nada menos do que "salvar o Brasil".

Era um jeito um tanto mais épico de dizer que Bolsonaro gostaria de seguir passeando de moto e jet ski com os amigos e o cartão corporativo debaixo do braço por mais alguns anos.

(Como escreveu o jornalista Rafael Burgos em seu Twitter, chama a atenção o fetiche de grandiosidade da turma. Um fetiche proporcional à mediocridade).

O plano envolvia equipar o senador com dispositivos de escuta, supostamente emprestados por arapongas oficiais, e chegar até o ministro do Supremo Tribunal Federal Alexandre de Moraes.

Moraes, como se sabe, chefiou durante a campanha o TSE (Tribunal Superior Eleitoral), alvo de Bolsonaro desde que percebeu o cheiro da derrota quando o ex-presidente Lula (PT) entrou na pista da sucessão.

Bolsonaro já disse em voz alta, e não em um depoimento sigiloso à polícia, que tentou de toda forma descobrir uma maneira de atender aos apelos golpistas reunidos em frente a quartéis para pedir golpe de Estado. Só não foi adiante porque infelizmente não deu.

O ex-militar flagrado com um croqui para espalhar bombas em locais estratégicos do Rio e chamar a atenção de seus superiores tinha até uma minuta golpista, entregue a seu então ministro da Justiça e outros aliados, com um mapa da mina.

Para isso era preciso levar Alexandre de Moraes em cana.

É aí que entra o plano infalível: obter, por meio dos grampos do senador, uma "confissão" de Alexandre de Moraes.

É o que disse Marcos do Val em entrevista à "Veja" e outros veículos após a detonação da bomba.

Em uma das versões, Bolsonaro não só sabia de tudo como coagiu o aliado a aderir ao plano. Ele teria se negado.

Em outra versão, Bolsonaro só ouviu o então deputado Daniel Silveira (sem partido), preso na quarta-feira (2) após perder imunidade parlamentar, explicar como pretendia capturar Moraes.

O resto é história. Uma mistura de filme dos irmãos Coen com Turma da Mônica escrita em ChatGPT.

Sim, eles realmente achavam que um ministro do Supremo dissesse em voz alta ao emissário da gangue antes de ser algemado: "Rapaz, realmente, eu pisei fora das quatro linhas do pacto democrático só pra prejudicar Bolsonaro e ajudar meu amigo Lula, que aliás está aqui nessa sala tramando outras ações demoníacas. Lula, vem cá dar oi pras visitas".

Se a ideia era forçar a suspeição de Moraes, o plano talvez não tenha dado muito certo, já que agora as autoridades têm em mãos todas as peças do quebra-cabeças para dizer que Bolsonaro tramou um golpe enquanto ocupava a Presidência e dizia estar deprimido.

Do Val errou o alvo quando caiu atirando, e isso diz muito sobre a indigência de um senador que chegou até onde chegou vendendo-se como um hábil atirador. Não à toa ele era uma espécie de garoto-propaganda da Taurus, a fabricante de armas brasileira.

Até outro dia, o senador se gabava por ter criado técnicas especiais de manipulação e mobilização de suspeitos e era chamado a dar cursos para policiais até nos EUA. Mais ou menos como Bozó, o personagem de Chico Anísio que nunca tirava o crachá da TV Globo, o parlamentar ostenta ainda hoje o acrônimo da Swat, a elite da polícia norte-americana, nas paredes de seu gabinete e na lapela.

Do Val ganhou fama após uma entrevista sobre o sequestro da menina Eloá, um case de erro tático que rendeu ao futuro parlamentar um latifúndio midiático para apontar os erros alheios da operação. Desde então ele já atuou em filme de ação, como preparador de elenco de Tropa de Elite 2, e passou a ensinar como se combate o crime em programas de auditório, assim como o (ex?) aliado. Dali para a bancada da bala no Senado foi um tiro.

A referência em treinamento policial virou meme.

Na live com o MBL, o senador disse rejeitar a fama de bolsonarista, ganha após as sessões de puxa-saquismo explícito exibido na CPI da Covid. Hoje não sabe dizer se o ex-presidente, quando ainda ocupava o cargo, o instruiu a cometer um crime ou só silenciou ao ouvir a trama de um golpista violento e agora detido.

Também não sabe se entrega ou não o cargo após posar de virtuoso ao ver que a tática para imobilizar o STF e tomar a República de assalto foi pro vinagre.

O nível de despreparo não está no gibi. Se estivesse, os autores do plano infalível teriam sido moídos pela dona do Coelhinho.