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Matheus Pichonelli

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Lava Jato de Deltan Dallagnol moldou 'nova política' e foi expelida por ela

O Tribunal Superior Eleitoral (TSE) determinou nesta terça-feira (16) a cassação do mandato parlamentar do deputado Deltan Dallagnol (Podemos-PR). Foto: Bruno Spada/Câmara dos Deputados - O Tribunal Superior Eleitoral (TSE) determinou nesta terça-feira (16) a cassação do mandato parlamentar do deputado Deltan Dallagnol (Podemos-PR). Foto: Bruno Spada/Câmara dos Deputados
O Tribunal Superior Eleitoral (TSE) determinou nesta terça-feira (16) a cassação do mandato parlamentar do deputado Deltan Dallagnol (Podemos-PR). Foto: Bruno Spada/Câmara dos Deputados Imagem: O Tribunal Superior Eleitoral (TSE) determinou nesta terça-feira (16) a cassação do mandato parlamentar do deputado Deltan Dallagnol (Podemos-PR). Foto: Bruno Spada/Câmara dos Deputados

Colunista do UOL

18/05/2023 04h00

Veio de uma federação formada por PT, PC do B e PV, a representação contra o (agora ex) deputado federal Deltan Dallagnol (Podemos-PR), que teve o registro da candidatura indeferido e, consequentemente, seu mandato cassado em decisão unânime do Tribunal Superior Eleitoral na terça-feira (16). Os partidos alegavam que o ex-coordenador da força-tarefa da Lava Jato não poderia ter deixado a carreira de procurador da República e saltado para a política enquanto respondia a sindicâncias internas e reclamações disciplinares no Conselho Nacional do Ministério Público.

O ex-procurador pode recorrer ao próprio TSE e ao Supremo Tribunal Federal, mas a reviravolta é improvável, dado o histórico de revezes acumulados pelos integrantes da chamada República de Curitiba em cortes superiores nos últimos anos.

A carreira de Dallagnol como procurador ficou por um fio após as revelações da Vaza Jato. A saída era formalizar a carreira política, iniciada antes mesmo da eleição, quando procuradores da força-tarefa, sob a orientação do então juiz Sergio Moro, pensavam cada passo das consequências políticas das ações do grupo.

Em nota, Dallagnol chamou a medida de "vingança sem precedentes".

Autonominado "Vingador", Flávio Dino, atual ministro da Justiça, correu para pedir os créditos em suas redes sociais pela autoria, quando deputado, da emenda que em 2010 determinou a aplicação da Lei da Ficha Limpa a magistrados e membros do Ministério Público.

A bala dos partidos governistas alvejou o velho antípoda no peito e, no dia seguinte, Dallagnol posou ao lado de deputados extremistas, como Eduardo Bolsonaro (PL-SP), e outros fãs do AI-5 que agora simulam lágrimas de crocodilo pelo colega cassado.

A performance era coerente. Não fosse o trabalho da dupla Moro-Dallagnol, que ajudou a calcinar o território dos partidos tradicionais, boa parte da bancada da nova direita dificilmente teria chegado onde chegou.

Jair Bolsonaro, uma hora dessas, poderia ser só um paspalho depravado e fantasiado de deputado sem grandes poderes a não ser em um nicho muito específico de eleitores. Mas pegou tração no discurso moralizante irradiado de Curitiba e arrastou uma multidão com ele a partir de 2018. Seu compromisso pela moralidade pública era tão real quanto uma nota de R$ 3.

Em seu governo, Bolsonaro se gabava de ter "acabado" com a Lava Jato (ele avaliava que ela tinha morrido de inanição porque "não havia mais corrupção" sob seu governo). Conversa pra boi dormir. A força-tarefa foi oficialmente encerrada em 2021. Antes, o procurador-geral da República Augusto Aras, escolhido a dedo e fora da lista tríplice pelo capitão, chegou a defender correções de rumo para que o lavajatismo não perdurasse.

O próprio Bolsonaro não poupava ataques contra o então procurador, sobretudo após cooptar e romper com Sergio Moro.

A História cuidou do resto.

Dos sete votos que condenaram Dallagnol no TSE, três vieram de integrantes indicados à Corte por Bolsonaro, entre eles o ministro do STF Kassio Nunes Marques.

A decisão virou sombra para Sergio Moro, que um dia sonhou em ser indicado ao Supremo pelo ex-presidente.

Eleito senador pelo União Brasil (partido mezzo base, mezzo oposição ao governo), o ex-juiz é alvo também de um pedido de cassação, este movido pelo PL, partido de seu ex-chefe. A legenda acusa o ex-juiz de abuso de poder econômico e caixa 2. Pesa contra o ex-ministro o fato de ele ter iniciado a campanha ao Senado após lançar pré-candidatura a presidente da República por outro partido — o mesmo Podemos, de Deltan.

Abrigo da nova direita, o PL, e não qualquer legenda governista, diz que a pré-candidatura de Moro foi um "estratagema pernicioso" para driblar a legislação e o teto de gastos da disputa pelo Senado. A ação seria também uma vingança por sua luta contra o mal, como alegou o colega de Telegram?

Em seu, até aqui, curto mandato de senador, Moro já percebeu o clima de hostilidade em Brasília. Não pode dizer "A" em plenário ou nas comissões que logo é descredibilizado por causa de sua atuação como juiz. A vida para ele não é nem será fácil mesmo em caso de decisão favorável do TSE. Sem Dallagnol na Casa vizinha, ficou pior.

Em embates abertos ou questionamentos na Justiça, o que o corpo político reorganizado está dizendo é que, entre alvejados e beneficiários diretos da Lava Jato, hoje investigados por rachadinhas, depósitos fracionados, fraudes e outras suspeitas, não há lugar para seus protagonistas em Brasília.

A pá de cal pode estar hoje na Justiça do Rio, onde ainda será analisada uma denúncia do Ministério Público Federal que apura indícios de um esquema em que advogados e intermediários cobravam "taxa de proteção" a possíveis investigados — um suposto "mensalinho" cobrado de milionários com medo da prisão.

Para quem prometia moralizar e dividir o país entre bons e maus, limpos e sujos, a ironia é a parte da história que não cabe no PowerPoint.