Prefeitura faz 'revisão' de lei e reduz multa para fraude em moradia social

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A Procuradoria-Geral do Município de São Paulo determinou a adoção do "princípio da proporcionalidade" para calcular as multas a serem aplicadas nos casos comprovados de fraude na política de moradia social.
A norma reduz o valor da punição, já que a multa não será aplicada sobre todo o empreendimento, mas apenas sobre as unidades comercializadas em desacordo com as regras.
Em nota, a prefeitura confirmou a mudança de entendimento em relação ao valor das multas relativas a fraudes e afirmou ter adotado medidas para garantir o controle e a correta destinação de unidades de habitação social.
"A Procuradoria-Geral do Município elaborou o parecer, após análise da legislação, e concluiu que o cálculo para a outorga devida deve considerar a metragem da unidade comercializada em desacordo com a legislação. As taxas devidas serão cobradas em dobro", informou.
O incentivo citado foi criado em 2014, na aprovação do Plano Diretor da cidade. Desde então, a prefeitura concede subsídios fiscais e urbanísticos para o mercado privado produzir HIS (Habitação de Interesse Social) e HMP (Habitação de Mercado Popular).
Ambos os formatos são considerados moradia social e devem atender a famílias com renda de até dez salários mínimos.
Investigação do Ministério Público, no entanto, apontou ilegalidades na destinação de parte das unidades, que foram vendidas a investidores e usadas como Airbnb em áreas nobres da cidade.
O valor cobrado pelas unidades —geralmente "studios" de 20 a 30 m²— também chamou a atenção. Em prédios da Vila Olímpia, por exemplo, o metro quadrado passa de R$ 20 mil.
Parecer muda regra aprovada pela Câmara
A instauração de um inquérito pelo MP, em 2022, levou a Câmara Municipal a alterar a legislação vigente e determinar, em julho de 2023, que o não atendimento do público-alvo da política renderia multa pesada às construtoras.
Na revisão do Plano Diretor daquele ano (inciso 2º, artigo 47 da lei municipal 17.975), determinou-se que o valor seria equivalente ao dobro da isenção integral obtida:
"Ao promotor do empreendimento, o dever de pagamento integral do potencial construtivo adicional utilizado, impostos, custas e demais encargos referentes à sua implantação, além de multa equivalente ao dobro deste valor financeiro apurado, devidamente corrigido".
Foi seguindo o que diz essa lei que a gestão Ricardo Nunes (MDB) autuou, em janeiro de 2025, dois empreendimentos que teriam burlado as regras em R$ 31 milhões.
Passados quase cinco meses, os processos seguem em aberto, assim como a fiscalização anunciada de outros 200 projetos licenciados como de interesse social na cidade.
Com a mudança de entendimento, não só os dois casos já autuados podem ser revistos, como todo o modelo de punição.
Segundo o UOL apurou, a decisão visa evitar a judicialização dos casos sob investigação.
Para a professora de direito Bianca Tavolari, da FGV-SP (Fundação Getulio Vargas de São Paulo), o parecer da PGM inviabiliza a aplicação de multas.
"Pode ficar muito barato para a incorporadora, a depender do caso", explica.
Segundo Tavolari, basta uma unidade de HIS fraudada para saber que a incorporadora/construtora não fiscalizou o enquadramento da renda.
"Exigir que todas as unidades tenham comprovação de fraude é pedir para não multar. Se a prefeitura não tem capacidade de fiscalizar, que acabe com o incentivo. Caso contrário, a política se resume a um entesouramento de recurso público para o privado."
Bianca Tavolari, professora da FGV-SP e pesquisadora do Cebrap
Em 9.000 unidades, isenção de R$ 250 milhões
Apenas entre 2021 e 2024, a prefeitura licenciou 537,5 mil unidades consideradas como habitação social.
Segundo o UOL revelou, o poder público já colocou sob suspeita R$ 249,6 milhões em isenções fiscais concedidas no período.
O valor é relativo ao não pagamento da outorga onerosa -taxa que permite a construção de prédios mais altos, com maior aproveitamento do terreno. Esse é o principal benefício do programa de habitação social da prefeitura.
O preço da outorga varia de acordo com o endereço e as características do projeto. A cobrança é por metro quadrado.
Pela regra imposta pelos vereadores, a multa em dobro poderia alcançar R$ 500 milhões.
Agora, o cálculo dependerá da capacidade de fiscalização do município sobre cada uma das unidades comercializadas.
A respeito da responsabilidade sobre a checagem da renda dos compradores, o parecer da procuradoria reafirma que a comprovação cabe à empresa que obteve a "benesse". Repassar essa função ao município, como aventado pelas defesas das construtoras envolvidas, seria "inversão do ônus da prova".
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