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Caju-Una, a reserva que vive 'encurralada' por fazenda de búfalos no Marajó

Moradores de uma reserva protegida pelo ICMBio (Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade) vivem encurralados por uma fazenda de búfalos em Soure, no Marajó (PA).

A reserva marinha de Caju-Una abriga uma das praias onde um afluente do rio Amazonas se encontra com o Oceano Atlântico.

Mas, no meio do caminho, tem um portão.

A Fazenda Bom Jesus instalou um portão particular num trecho da rodovia estadual PA-154 —é preciso passar pela guarita para chegar à comunidade e à praia de Caju-Una.

Vigias controlam o acesso entre 6h e 21h. Depois, os portões ficam trancados até o amanhecer.

Esse controle impôs um "toque de recolher" aos moradores da comunidade de Caju-Una.

"Moradores precisando ir ao hospital já tiveram de esperar três horas até abrirem os portões", conta a pescadora Arlene Souza.

"Isso restringe nosso ir e vir. Moradores que estudam na cidade à noite precisam ficar por lá até os portões abrirem pela manhã."

A Fazenda Bom Jesus pertence à família Abufaiad.

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Eliana Abufaiad, desembargadora do TJ-PA (Tribunal de Justiça do Pará), morreu em 2022. Eva Abufaiad, irmã da magistrada, controla a propriedade. Ela não respondeu à reportagem.

Fazenda de búfalos em Soure (PA)
Fazenda de búfalos em Soure (PA) Imagem: Fabrício Venâncio/UOL

Ingresso de até R$ 50

Moradores não pagam para passar pela fazenda. Turistas, sim.

Também é preciso atravessar os portões para chegar à praia do Céu, um dos principais pontos turísticos de Soure.

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Taxistas relatam que os vigias cobram de R$ 10 a R$ 50 por pessoa —o valor varia de acordo com o humor dos seguranças.

O UOL citou contatos na comunidade de Caju-Una para poder passar pelos portões sem pagar a taxa.

A cobrança prejudica o fluxo de turistas, diz a líder comunitária Carla Alessandra, proprietária do único restaurante de Caju-Una.

Ela considera que os portões dão sensação de segurança.

Carla Alessandra, líder comunitária de Caju-Una, de Soure (PA)
Carla Alessandra, líder comunitária de Caju-Una, de Soure (PA) Imagem: Fabrício Venâncio/UOL

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"As casas ficam abertas. Todo mundo conhece todo mundo", diz. De um lado, ela gosta de poder deixar as casas destrancadas. De outro, pondera que a liberdade é relativa, "porque às 21h o portão fecha e nós ficamos impedidos de ir a Soure".

Caju-Una fica a cerca de 20 km do centro de Soure. O trajeto só é possível por terra.

Disputa de terra

Parte da Fazenda Bom Jesus se sobrepõe à reserva protegida pelo ICMBio —uma área que pertence à União.

"Não se pode devastar para fazer pasto, é preciso deixar como está", diz a analista Lisângela Cassiano, gestora da reserva.

Tramita uma ação na Justiça. "Enquanto não tiver decisão judicial, fazendeiros não podem ser retirados de lá", explica a promotora Ione Nakamura, responsável pela área de Justiça Agrária no Marajó.

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Ione conta que a promotoria acionou a fazenda devido às cobranças nos portões.

Segundo Ione, o último acordo com os Abufaiad estabeleceu que só se cobraria "pedágio" de turistas que quisessem visitar a própria fazenda —e não as praias.

Não é o que acontece na prática, apurou o UOL. Diversos sites de turismo, inclusive, citam a necessidade de pagamento para acessar as praias.

"A área fica em uma rodovia estadual, onde só pode ter cobrança se tiver um pedágio instituído pelo estado. O que acontece, entretanto, é uma fazenda privada lucrando com um pedágio em uma rodovia do estado", diz a promotora.

Procurada, Eva Abufaiad não respondeu ao contato da reportagem. O espaço está aberto caso queira se manifestar.

Caju-Una, reserva de Soure (PA)
Caju-Una, reserva de Soure (PA) Imagem: Fabrício Venâncio/UOL
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*Esta série de reportagens foi feita com apoio do Pulitzer Center Rainforest Reporting Grant

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