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Matheus Pichonelli

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Ataque racista a Vini Jr. mostra que não se posicionar não é mais uma opção

Acompanhado de Militão e Rudiger, Vini Jr mostra manifestações racistas nas arquibancadas do Estádio Mestalla, em Valencia - Jose Breton/Pics Action/NurPhoto via Getty Images
Acompanhado de Militão e Rudiger, Vini Jr mostra manifestações racistas nas arquibancadas do Estádio Mestalla, em Valencia Imagem: Jose Breton/Pics Action/NurPhoto via Getty Images

Colunista do UOL

22/05/2023 12h15

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Em certo momento, perto dos 96 minutos, a câmera da transmissão da partida entre Valencia e Real Madrid fecha a imagem no rosto de Vinícius Junior, o melhor e maior jogador brasileiro da atualidade. No uniforme ele carregava suas insígnias: o símbolo do mais vitorioso clube de futebol de todos os tempos e o "patch" de campeão do mundo.

Mas Vinícius estava atordoado. Os outros dez jogadores de sua equipe estavam em campo contra um adversário. Ele enfrentava um mundo inteiro.

Naquele rápido flagrante, ele parecia isolado diante dos gritos de um estádio capaz de receber 49 mil pessoas.

Vini Jr. passou boa parte do jogo ouvindo ofensas racistas das arquibancadas. E, em campo, após um lance mais ríspido, foi agarrado por um adversário pelo pescoço, enquanto o goleiro rival corria com os olhos esfumados de raiva em sua direção.

Só Vinicius Jr. foi expulso.

A sequência de absurdos não ficou no estádio. No principal jornal da Espanha, a injustiça sofrida rendeu uma linha no pé da primeira página. Os diários esportivos minimizaram o episódio quanto puderam.

Não foi a primeira vez nem a segunda nem a terceira, lembrou o atacante em suas redes. Fosse a Liga Espanhola um campeonato minimamente sério, o Valência já teria perdido (pelo menos) os três pontos do jogo, o que poderia significar o fim do objetivo de seguir atuando na primeira divisão do país. Moralmente, o time já está rebaixado.

Mas isso não está nem longe de acontecer, ou não estava até Vini Jr. levar a briga até as últimas consequências ao dizer que o racismo é o normal na competição e que a Espanha é hoje conhecida como um país de racistas.

O presidente da La Liga reagiu, dizendo que o atleta estava tentando injuriar a competição e deveria se informar. Jornalistas e formadores de opinião correram para dizer que Vini Jr. estava desrespeitando o país, sua equipe e os adversários. E que antes dele o racismo não era um problema na Espanha — logo, o problema era dele. Era ele.

Há registos de ataques racistas naquele país desde que a bola é bola. Inclusive contra jogadores brasileiros.

No momento em que teve o rosto enquadrado, Vini Jr. parecia isolado. Mas não estava. A revolta estava no rosto também de colegas de equipe. E de seu treinador, Carlo Ancelotti, que o abraçou à beira do campo e, durante a coletiva, se negou a falar sobre qualquer outro assunto se não o que realmente importava naquele dia.

Foi um dos dias mais tristes da história do futebol. E também um dos mais importantes.

No mundo todo, o conceito de racismo velado permite que um racista de quatro costados transite sem ser incomodado numa zona cinzenta em que existe sempre um "anteparo" para desfilar seu cinismo. O "tenho até amigos que são" ou "calma lá, é só uma piada" são dois clássicos.

Mas há casos em que mesmo as zonas cinzentas são implodidas. Por exemplo, quando um estádio inteiro chama um atleta negro de "macaco". Sim, inteiro: quem não vaiou nem conteve o torcedor ao lado é cúmplice.

Instantes depois do jogo, houve gente disposta a mostrar ao treinador que tudo não passou de uma confusão. E que, em vez de "mono" (macaco, em espanhol), os torcedores gritavam, na verdade, "tonto".

O histórico de ofensas sofridas pelo atleta em gramados espanhois permite concluir apenas que "tonto" é quem se nega a ver o óbvio. A cumplicidade, também aqui, é criminosa.

Não faz muito tempo, um boneco com a camisa de Vini Jr. apareceu "enforcado" em uma ponte de Madri.

E depois de tudo há realmente quem esteja disposto a mostrar que o problema é o atleta, que baila demais, enfrenta demais e entende de menos, como quis fazer crer o presidente da La Liga.

Doloroso, o episódio todo deu a chance de mostrar quem é quem nesta luta. E de forma didática. Não importa quanto dinheiro, prestígio, talento e conquistas tenha um jogador como Vinicius Jr. O que os torcedores gritaram em peso é que a dimensão racial, que subjuga, ofende e desumaniza, sempre vai se sobrepor a tudo.

Desde domingo, a linha entre quem aceita e rejeita essa ideia está mais clara do que as marcas que dividem o campo de futebol. E exigem rompimento.

Depois de tudo o que aconteceu, é inaceitável que o presidente de La Liga siga onde está; que os patrocinadores sigam associando sua marca a quem tolera racista, que o Valencia saia vitorioso da partida e que os jornais sigam espinafrando um atleta alvo de racismo. Dá para entrar em campo desse jeito? Dá para não se posicionar e seguir esperando que tudo se resolva pela força da gravidade?

Vini Jr. já deu a entender que pode jogar em outros campos se nada mudar. Não se posicionar não é uma opção. E você e os seus? De que lado estão?