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Matheus Pichonelli

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Bolsonaristas transformaram comissões do Congresso em grupos de WhatsApp

Reunião da comissão de segurança pública da Câmara com o ministro da Justiça, Flávio Dino - Bruno Spada/Câmara dos Deputados
Reunião da comissão de segurança pública da Câmara com o ministro da Justiça, Flávio Dino Imagem: Bruno Spada/Câmara dos Deputados

Colunista do UOL

25/05/2023 04h01

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Para surpresa de ninguém, começou e terminou com muito coice e poucas ideias a primeira reunião da CPI do MST após a definição de seu presidente e de seu relator.

Os embates não perdem em nada para as refregas recorrentes nas discussões de grupos de amigos e familiares no WhatsApp. Lá, como cá, não faltam tiozões do pavê poluindo o ambiente com convicções pré-fabricadas que não duram uma incursão na realidade.

Quem teve estômago para acompanhar a sessão viu um pouco de tudo: soco na mesa, troca de acusações, ameaças, microfone cortado.

Um deputado do Pará chegou a dizer que "são poucos os assentados que produzem alguma coisa". Afirmou também que pretende investigar quem está à frente de "atos criminosos" e da "marginalidade",

Um outro, da Bahia, se referiu aos trabalhadores rurais sem terra como "movimento terrorista".

A ofensiva provocou reações de parlamentares como Valmir Assunção (PT-BA), um ex-assentado que precisou socar a mesa para desmentir acusações de que "são poucos os assentados que produzem alguma coisa".

Mais ou menos como aquele parente raivoso e sequelado por preconceituosos, o currículo dos acusadores não é dos mais ilibados. Tem gente acusada de tortura, de participação em atos golpistas e de contrabando de madeira. Usam a comissão para atuar como advogados da causa própria — ou de seus patrocinadores.

O relator do colegiado, por exemplo, é o deputado Ricardo Salles (PL-SP), que fez campanha em 2018 prometendo tratar na bala "pragas" (sic) como javalis e MST. Até pouco tempo ele era ministro do Meio Ambiente de um governo marcado pelo aumento em mais de 70% da violência no campo, como fez questão de frisar, a certa altura, a deputada Taliria Petrone (PSOL-RJ), uma das poucas vozes da comissão escaladas para defender os grupos mais vitimados dessa história.

Durante a sessão, a deputada Camila Jara (PT-MS) ofereceu aos algozes um suco de uva e outras iguarias produzidas por assentados. Era uma forma de mostrar que nem só de grandes propriedades vive a agricultura brasileira.

Em vão: como num grupo de WhatsApp, ninguém ali queria ouvir contrapontos ou compreender o movimento que tentam criminalizar desde sempre.

Tem sido essa a tônica da oposição: transformar tudo o que tocam em um grande e perigoso circo.

Desde a derrota de Jair Bolsonaro (PL) na corrida presidencial, a estratégia do bolsonarismo é desgastar ministros do governo Lula (PT) com convocações intermináveis para falar em comissões temáticas diversas e confusas no Congresso — não só a do MST, que já botou um alvo nas costas de Carlos Fávero (Agricultura), Paulo Teixeira (Desenvolvimento Agrário), Marina Silva (Meio Ambiente) e Fernando Haddad (PT).

Como lembrou a jornalista Vera Magalhães, em sua coluna do jornal O Globo, só nesta semana sete ministros do primeiro escalão terão de largar seus afazeres para passar horas a fio batendo boca com youtubers e tiktokers de extrema direita. Antigamente, para fazer isso, era preciso estar logado em alguma plataforma digital. Hoje todos convivem na mesma caixa de mensagens — o Congresso.

O favorito da turma é Flávio Dino (Justiça), que já protagonizou embates acalorados com tuiteiros travestidos de parlamentares em diversos colegiados. Em uma delas, precisou deixar uma audiência na comissão de segurança da Câmara porque simplesmente não conseguia falar em meio às recorrentes intervenções de bolsonaristas.

Desses embates tudo o que se lembra é que ele disse ser um dos Vingadores em luta contra um dito ex-agente da Swat escalado para provocá-lo. Uma demonstração de como as redes pautam as discussões temáticas no Congresso e vice-versa.

Geralmente, é exatamente isso o que a turma de trogloditas precisa para lacrar e ter o que mostrar a seus seguidores. É para isso que serve a bancada da "caixa de mensagens" — conjunto de deputados que levaram para o Congresso a gramática que povoa a comunicação digital.

Em que outro lugar, além dos grupos mais delirantes dos meios virtuais, alguém teria coragem de dizer que a repercussão da violência sofrida por Vinicius Jr., alvo de ofensas racistas na Espanha, eram "revitimação" e perguntar onde estão os "defensores da causa animal que não defendem o macaco?" Lá mesmo, no Congresso, em um debate da comissão de assuntos econômicos do Senado, onde Magno Malta (PL-ES) desfila toda sua sabedoria e compreensão do mundo com microfone na mão.

Enquanto falava, a CPI do MST, montada no edifício ao lado, já se tornava uma dessas trincheiras alimentadas por mensagens que, até pouco tempo, só quem habitava o submundo de comunidades virtuais eram capazes de botar para frente.

Os arranca-rabos, que prometem ser frequentes, confundem e jogam sombra ao objetivo principal da turma: criminalizar movimentos sociais, neutralizar as vozes que ainda se opõem aos modelos mais predatórios de produção, deixar a boiada passar (na esteira, inclusive, de debates sobre o absurdo marco temporal), com grileiros, com tudo, e antecipar o debate eleitoral.

Não é outra a intenção do relator da comissão, pré-candidato à prefeitura de São Paulo, ao dizer que pretende incluir entre os alvos da CPI movimentos urbanos, como o MTST (Movimento dos Trabalhadores Sem Teto), de Guilherme Boulos (PSOL), deputado e provável adversário de Ricardo Salles na disputa.