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Milícia deixou rastro de mortes após execução de Marielle
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Em 6 de novembro de 2021, um sábado, o policial militar reformado Edmilson da Silva de Oliveira caminhava com três gaiolas de pássaros pela avenida Santa Cruz, em Bangu, zona oeste do Rio.
Uma câmera de vigilância mostrou o momento em que um veículo preto se aproxima dele antes de dobrar uma esquina. De dentro do automóvel partem os disparos.
O militar carregava uma pistola Glock, calibre 45, e alguns documentos. Nada foi levado.
Conhecido como Macalé, Edmilson da Silva de Oliveira mal teve tempo de ser socorrido. Ele morreu ali mesmo.
Um ano e meio se passou e até agora não se sabe quem mandou matar o PM reformado e por quê. As respostas podem levar à elucidação de um outro assassinato até hoje sem mandantes ou motivações conhecidas: a execução da vereadora Marielle Franco e seu motorista, Anderson Gomes, em março de 2018.
Segundo Élcio de Queiroz, ex-PM preso durante as investigações sobre a morte de Marielle Franco e primeiro envolvido a confessar participação no crime, foi Macalé quem levou a ele e ao então amigo Ronnie Lessa a "missão" de matar a vereadora. "Foi através do Macalé, que chegou até o Ronnie."
Ronnie Lessa, de acordo com a delação, foi o autor dos disparos que mataram a parlamentar.
O depoimento, divulgado na segunda-feira (24), frustrou quem esperava detalhes sobre a pergunta mais repetida no país desde o assassinato: quem mandou matar Marielle Franco e por quê.
Mas aponta os caminhos sobre de onde partiu a ordem.
No depoimento de Élcio de Queiroz, os investigadores mostram interesse em saber se os assassinos conheciam alguém de Oswaldo Cruz, bairro da zona norte da capital fluminense. A localidade aparece em duas perguntas da primeira oitiva: se foi para lá que os criminosos se dirigiram após o crime e se eles conheciam alguém da região.
Sim, conheciam, explica o delator. Era Macalé, o ex-PM assassinado em Bangu.
Na época do crime, foi divulgado apenas que Macalé teria ligações com contraventores e era próximo de Ronnie Lessa, um vizinho de Jair Bolsonaro (PL) no condomínio Vivendas da Barra.
Oswaldo Cruz, onde o ex-PM atuava, é uma área sob controle da milícia há muitos anos.
O local possui um complexo formado por um campo de futebol, área para estacionamento e pequenos apartamentos conhecido como Campo do Falcon, uma homenagem a Marcos Vieira de Souza, então presidente da Escola de Samba Portela assassinado em 2016, quando era candidato a vereador na cidade pelo PP. Falcon era sargento da PM até 2011. Foi exonerado pela corregedoria da corporação sob a acusação de comandar a milícia em Madureira e Oswaldo Cruz. Sua morte abriu uma disputa pela sucessão do controle do território pela milícia.
Foi de um miliciano de lá, segundo o depoimento de Élcio de Queiroz, que partiu a ordem para matar Marielle. De quem exatamente?
Em 2015, a Justiça deu ao estado do Rio o direito de retomar o controle do Campo do Falcon, mas ele segue sob domínio de milicianos, que transformaram o local em um ponto de encontro, onde costumam circular armados. O fato de nem o governo do Rio conseguir retomar uma área dominada pela milícia, mesmo tendo direito à posse reconhecida pela Justiça, ajuda a dimensionar a dificuldade para obter respostas em um campo tão minado.
As investigações sobre o assassinato de Falcon, em um atentado contra seu comitê de campanha, levam até o Escritório do Crime, comandado por Adriano da Nóbrega — ex-funcionário do hoje senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ) assassinado quando estava foragido em uma troca de tiros com a polícia na Bahia.
Lessa, em entrevista à revista Veja, em março de 2022, acusa Adriano da Nóbrega de ser o verdadeiro intermediário do crime.
Adriano e Macalé não estão mais aqui para contar o que sabem da história. Ambos aparecem em depoimentos, dados em datas diferentes, pelos dois amigos que se tornaram até aqui os únicos réus do caso Marielle.
Como uma matrioska, a sucessão de execuções antes de depois da morte de Marielle se desdobra sobre as mesmas perguntas (quem mandou matar e por quê), limpando assim o caminho das provas, dos arquivos e suas possíveis peças-chave.
Mas o depoimento de Élcio de Queiroz coloca em cena um outro suspeito de participação no crime: o ex-bombeiro Maxwell Simões Corrêa, conhecido como Suel, apontado como responsável por ajudar na logística do assassinato da vereadora e depois se desfazer do automóvel. Era através dele, de acordo com a delação, que Queiroz recebia uma "mesada" de R$ 5 mil após o assassinato.
Um dos envolvidos no trabalho de "picar" o carro, conhecido como Orelha, também foi assassinado. Mas Suel, suspeito de chefiar uma milícia também na zona norte, segue vivo. Foi preso na segunda-feira (24), dia em que a primeira parte do depoimento veio a público. Ele agora pode ser um ponto crucial para responder outras tantas perguntas.
Até o momento os nomes dos mandantes são um mistério. Mas nunca os caminhos até eles foram tão bem desenhados por um dos réus. Falta seguir o mapa. O cartográfico, de onde partiu o emissário com a ordem, e o do dinheiro, que abasteceu os executores até a fonte secar — e um deles resolver falar.
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