Matheus Pichonelli

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Opinião

'Ainda estou pagando meu carro usado. Devo temer a taxação de super-ricos?'

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva assinou na segunda-feira (28) uma medida provisória que altera a tributação dos chamados fundos exclusivos. Mal foi feito o anúncio e já tinha gente no falecido Twitter, hoje X, manifestando o medo de ser atingido pela medida.

Fundos exclusivos são carteiras destinadas a investidores qualificados e exigem investimento mínimo de R$ 10 milhões. Estima-se que o grupo de brasileiros nesse clube não ultrapasse 2.500. Juntos, somam R$ 756,8 bilhões e só pagam imposto de renda sobre rendimentos no momento do resgate — ainda assim, passível de dribles.

É isso o que a MP pretende alterar.

Lula enviou também enviou ao Congresso um projeto de lei que tributa o capital de residentes brasileiros aplicado em paraísos fiscais, offshores e trusts.

No mesmo dia, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, precisou ir a público dizer que a medida não era revanche nem uma ação à la Robin Hood, e sim uma tentativa de aproximar o sistema tributário brasileiro ao que tem de mais avançado no mundo.

O ministro sabe que o grupo a ser realmente impactado pela medida sente urticária quando ouve o nome do herói mítico inglês. Que o diga Abílio Diniz, que no começo do ano já demonstrava preocupação com mudanças tributárias que tirassem dos ricos para dar aos pobres.

Haddad certamente já se preparava para a guerra silenciosa para que as propostas sejam referendadas no Congresso, onde a bancada dos super-ricos é imodesta. Estes, mais ou menos como na época dos senhores feudais, contam com uma multidão de servos dispostos a lutar pelo fortificado alheio — a diferença é que muitos dos soldados não passam por aquela porta.

As armas são as mesmas de sempre. Na repercussão do noticiário, tinha gente prevendo a debandada de investidores (inclusive os que já mandaram o dinheiro para fora, vale lembrar) em resposta a medidas. "O que mandam para fora é o que sobra da operação depois de todo o custo Brasil", vituperou um senhor sem camisa com uma foto em frente a uma piscina de vinil.

"Senta que lá vem imposto", reclamou outro, que não tinha idade ainda para pagar os próprios boletos.

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Houve quem previsse uma escalada no "preço de consumo e serviços" que iriam subir além da "inflamação" [sic]. Sim, porque iate agora é item da cesta básica.

Nos memes, Haddad era chamado de Taxadd e demagogo. Teve usuário que aproveitou a deixa para manifestar sua saudade de Paulo Guedes — certamente um dos brasileiros atingidos pela mudança (o ministro, no caso, não seu defensor).

E, claro, não faltou quem associasse a medida a um projeto de avanço comunista. "Onde houver foice e martelo sempre haverá picareta", dizia o lema.

Posso estar enganado, mas tenho a impressão de que a grita é mobilizada por quem não tem ideia do que sejam os conceitos de comunismo e super-ricos. E, na falta de conhecimento de um e outro, os revendedores de calmantes é que ganham: de segunda-feira pra cá não deve ter faltado gente que foi dormir com o chinelo amarrado na cama para não ser confiscado.

Se não, o que explica a solidariedade demonstrada pelo tuiteiro médio com os banqueiros que provavelmente não pensariam duas vezes antes de confiscar seus imóveis na primeira parcela atrasada? Pode ser só uma projeção ilusória de futuro. Afinal, queremos que os ricos tenham privilégios porque sonhamos em ser um deles um dia.

Na dúvida, seria recomendável que, nas notícias, viesse um guia para distinguir uma coisa da outra. Uma espécie de surra de realidade para desavisados.

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Só assim o camarada que acabou de comprar um HB20 usado e só pagou a segunda das 700 prestações pode dormir tranquilo sabendo que não, não precisa se preocupar com a taxação dos fundos exclusivos.

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Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL

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