PLAYGROUND DE ADULTO

Luxúria já engata na pista da Code Club, pioneira das baladas liberais em São Paulo

Rodrigo Bertolotto (texto) e André Nery (fotos) Do TAB, em São Paulo

Do camarote, Cíntia* dá uma panorâmica. "Aqui tem que ser ligeira, ligar o 360." No meio do mar de casais, ela seleciona seus alvos. "Já sei se o cara é roludo só pela postura e o jeito de caminhar."

Ela desce, abre caminhos na aglomeração e encara quem passou pela primeira triagem. Depois da troca de olhares, sorrisos e algumas palavras, Cíntia tateia o desconhecido. "Não sou de muito papo. Ainda mais que estou rouca, e a música está alta."

A boca é uma zona erógena que se meteu a falar, mas sua função vital mesmo é engolir. E Cíntia vai logo enfiando a mão embaixo da camisa dele e desabotoando a calça. É hora de sua cabeça se perder no meio da pista (e no meio do corpo escolhido). Em volta, as retinas masculinas e femininas cravam nela.

Quando emerge, Cíntia se delicia com as caras de desejo na roda que se formou. Nem liga muito quando o ungido elogia sua "boca de veludo" e apresenta sua mulher, que, sorridente, assistia a tudo logo ali perto. Quando pode, ela dá um giro e vai em direção ao bar. "O cara era bico fino. O pau dele não encheu minha boca", sentenciou.

"Preciso beber. Hoje estou muito seletiva. Tenho que baixar um pouco o sarrafo e deixar fluir."

Ela é uma das solteiras que vai para arrebentar na Code Club, casa que inaugurou o nicho das baladas liberais em São Paulo, em 2008, com salas temáticas, ambientes climatizados e DJs sonorizando toda a safadeza. "Não volto pra casa sem gozar e fazer gozar."

Esta é uma reportagem da série publicada pelo Aba Anônima contando o que rola nas casas de swing pelo Brasil.

GIM E GENITAIS

O balcão do bar principal é também uma passarela com mastros de pole dance. Seminuas, as frequentadoras rebolam com plug anal luminoso, como pirilampos no cio. O único perigo ali é uma dessas beldades com rabo de LED esbarrar no seu drinque.

Cíntia se aproxima e pede tequila. "Mulheres quentes tomam bebidas quentes." Ela traga a dose em duas talagadas e sobe no pedestal. Seu corpo ondula como uma labareda. Um admirador se aproxima, pousa o braço no balcão e observa de perto. Ela percebe o interesse e senta na cara dele. Uma, duas vezes e, depois da terceira descida, parte para o abraço.

Dessa vez, está decidida a transar. Ela puxa o garanhão pelo braço e vai com ele para o labirinto de saletas, um verdadeiro playground para adultos. Passam pela porta que leva ao bilhar, onde o ménage à trois impera — lá "dar uma tacada" e "encaçapar" têm outros significados.

Também não entram na sala coletiva, onde uma Kombi com assoalho todo acolchoado é o local preferido dos casais. Ali, a exibição e a trocação têm o ambiente ideal (um segurança na entrada garante que só se entre de parzinho).

Cíntia tem outra ideia na cabeça: quer se trancar em uma cabine toda perfurada e interagir com os buracos enquanto sacia o comedor. Primeiro são os olhares gelatinosos que se aproximam. Depois, como enguias elétricas saindo da toca, surge um par de paus detrás da divisória. O maior deles vira presa fácil e é abocanhado pela predadora.

Depois do primeiro gozar, Cíntia chama a pica das galáxias para entrar no cubículo. Chupa e senta até o segundo ejacular. Depois pede o contato do dono da ferramenta. "Essa piroca é meu número."

A CASA DOS CÓDIGOS

"Em geral, o marido é que leva a mulher para o swing, mas a mulher é que faz o casal voltar. Em vez de o homem buscar prazer sozinho na putaria, o casal vive a experiência junto." Willians de Souza, proprietário da Code, define assim a dinâmica da cena.

A balada fez tanto sucesso que visitantes estrangeiros abriram boates com o mesmo nome (e copiando também logomarca, pista, bar e palco) na Itália, Grécia, Suíça e Polônia. As caravanas gringas são comuns porque a Code consta de vários roteiros de casas noturnas de São Paulo, inclusive o da prefeitura. Por lá, indianos esquecem o Kama Sutra e franceses se distanciam do Marquês de Sade, jogando-se em um tipo diferente de intercâmbio cultural.

Também vão muitos frequentadores do interior e de outros estados, aos sábados. Já aos domingos são os liberais da cidade que povoam as "pool parties" e as festas para o público LGBTQIA+. Por lá, mulheres trans (casadas e solteiras) se misturam a gays e cisgêneros, em uma sacanagem cheia de diversidade.

"Nossa diferença para as outras casas liberais é que aqui é uma danceteria, com licença para ter um público de mais de 200 pessoas. As outras são bares, com pistinhas", compara Souza. "Muitos casais fazem as contas e, entre pagar bar, festa e motel, fica mais barato vir aqui e ter os três em um só lugar", completa. Não fossem os trajes e os modos (ou a falta dos dois), a impressão é de estar em uma festa de música eletrônica, com DJ no palco, muitas luzes e o gravão trepidando tudo.

OLHO VIVO E MÃO BOBA

Os cílios postiços e os brincos de Cíntia já se foram no meio da revoada, mas a calcinha volta sempre para o lugar. Nessas noites puxadas, ela só puxa a lingerie pro lado na hora de dar. Tem medo de a peça cair no chão, sujar e causar uma infecção. Ou perdê-la e não poder mais sentar na balada, afinal, sua saia é tão pequena quanto sua preocupação com a moral e os bons costumes.

Ela pede uísque e volta à espreita. Dois amigos, um gigante e outro baixinho, estão conversando perto da área VIP. Ela fixa o olhar neles até perceberem seu interesse. De repente, duas garotas se aproximam abraçando — eram as namoradas que tinham ido ao banheiro. "Eram o pivô e o ala do meu time. Já ia chamar para um basquetinho, mas a marcação chegou antes", brinca Cíntia.

Os casais formam a maioria do público, e Cíntia não quer saber de ser o "lanchinho" desses trios. "Gosto de rola, não de racha. Você já viu um homem satisfazer duas mulheres ao mesmo tempo? Só em filme pornô. Já eu dou conta de vários."

A madrugada avança, e ela avista um "pau amigo". Antes, ele estava com uma garota, e Cíntia passou batido. Agora, o pegador bate papo com uns camaradas. "A gente tem química. Vou gozar e vou embora." Ela dá um abraço demorado, sente o volume extra encostando em sua perna, desliza a mão pelas costas dele até apertar a bunda e sussurra no ouvido: "Me come como só você sabe".

NOITE DO BAMBUZAL

A caminho dos gabinetes, a dupla passa pelo outro grupo típico das casas de swing: os "tacinhas". São aqueles frequentadores que não tiram a mão de seus drinques (nem de seus celulares), preferindo mil vezes as poses fotográficas às posições pornográficas.

Esses casais novatos são facilmente detectáveis: a mulher vai geralmente de calça jeans e o homem se posiciona sempre atrás dela, como que protegendo a retaguarda dela. Já Cíntia, com cinco anos na noite liberal, adota o figurino "prêt-à-fodê": vestidinhos vaporosos e saias curtas.

A mesa de sinuca está lotada, e ela descobre vago um quarto com sofá ao fundo. Escondida só por uma cortina, Cíntia fica de quatro e o bem-dotado entra no modo britadeira. Ela goza aos gritos. Atrás das frestas, a testosterona se aglomera à espera de uma janela de oportunidade — eram os compadres do zangão que estavam na escolta.

Depois de recuperar o fôlego, ela chama os quatro pra dentro. Cíntia se ajoelha e é cercada. Começa um jogo de pega-vareta que só termina quando o rosto dela estiver coberto pelo espumoso código genético de todos.

Ela passa no toalete e chama um Uber. Atravessa a pista esfumaçada pelo gelo seco e encara a fila do caixa e, já do lado de fora, a névoa do amanhecer de inverno. Recostada no banco de trás, Cíntia entra em um estado meditativo entre cochilos e recordações daqueles prazeres levianamente chamados de físicos. Até que o carro freia em sua rua no ABC Paulista. "Bom descanso", deseja o motorista, voltando-se para ela. Cíntia o encara pela primeira vez e pensa: "Meu tipo". Respira fundo, dispara um "bom serviço" e sai pela porta.

*Nome trocado para manter a privacidade da entrevistada

**Agradecimentos ao casal Sensual Black e a TopMusa Naty, influencers da cena liberal, pela participação no ensaio fotográfico

SERVIÇO
Code Club: Avenida Francisco Morato, 3.507, Vila Sônia, tel.: (11) 97713-8527. Funciona aos sábados (22h às 6h) e domingos (10h às 22h). Valor da entrada: casal (R$ 200, com R$ 150 consumíveis), mulher (R$ 100, tudo consumível) e homem (R$ 300, com R$ 200 consumíveis).

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