A praia da Baleia é conhecida por ser o paraíso do PIB nacional, incluindo mansões das famílias Safra, Diniz e de boa parte dos milionários de São Paulo. O que pouca gente sabe é que um histórico de fraudes, enganos e ameaças retirou a população tradicional dali — e de quase toda a beira-mar da região.
Pela rua Formosa, há uma pista do que aconteceu. Na viela que dá acesso às areias de São Sebastião, em meio aos destroços carregados para lá durante o mortal Carnaval de 2023, há uma placa anunciando: "Você está no território tradicional do remanescente da comunidade caiçara da Baleia".
"Os empresários dizem que não existem caiçaras aqui para tirar nossa voz. Se baixar a cabeça, eles montam em cima", afirma o pescador José Eduardo dos Santos, 43, o Duca, cujos tataravós já moravam ali quando tudo era mata atlântica e o único contato com o resto do mundo era pelo mar.
A BR-101 chegou na década de 1980 e trouxe as classes altas paulistanas, que buscavam um veraneio exclusivo, inexistente no Guarujá, já atingido pelo turismo massificado. Trouxe junto a grilagem de terras e a especulação imobiliária.
Hoje a estrada asfaltada serve de fronteira entre ricos e pobres — como é elevada, funciona também como uma espécie de dique, que represa as águas das montanhas e aumenta os alagamentos nos bairros dos trabalhadores. Atravessando a rodovia fica a Vila Sahy, onde morreram soterradas a maioria das 65 vítimas de fevereiro. Duca ajudou nos resgates, e primos seus que moravam ali perderam suas casas pela segunda vez na vida.
Ele resistiu e mora perto da areia. Trabalha como jardineiro nos condomínios luxuosos e segue tirando uma renda da pesca, apesar dos perrengues. A prefeitura vive querendo apreender sua canoa, amarrada justamente na sinalização do território caiçara — as denúncias contra ele partem, em geral, da vigilância de câmeras dos vizinhos endinheirados. Os holofotes dos palacetes afastam os peixes, que costumam se aproximar da areia no anoitecer. "Você ganha força quando sabe quem você é. Eu não tiro o pé daqui", diz.