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Salva-vidas troca mar por morro e resgata menino vivo na lama: 'Milagre'

Do TAB, em São Sebastião (SP)

23/02/2023 09h47

Ele está acostumado a socorrer pessoas em perigo no mar, mas resgatar um menino de dois anos entre escombros foi "a melhor sensação do mundo". "A gente localizou pelo choro. Chegamos lá pelo telhado derrubado. Eu e mais dois entramos agachados porque havia pouco espaço. Quebramos uma parede com uma marreta e pegamos o nenê."

Assim o guarda-vidas Luan Zonato, 28, descreve o feito na tarde de domingo (19) em meio à calamidade que atingiu o litoral norte de São Paulo.

Nos últimos dias, o salva-vidas tem ajudado a encontrar os corpos de vítimas, após os morros locais desabarem e levarem as casas populares construídas nos declives de Barra do Sahy, praia de São Sebastião (SP).

"Reúno todas as forças, e me sinto estimulado a cada dia. Porque, mesmo que sem vida, encontrar uma pessoa é um alívio para a família."

Na manhã de domingo, Luan acordou, tomou café da manhã e se preparou para pedalar os 4 km que separam sua casa em Camburi e a praia de Barra do Sahy, onde trabalha diariamente há dez anos.

A chuva foi pesada durante a noite, mas ele não imaginava o tamanho da destruição. "Achei que no máximo tinha alagado alguns bairros, como sempre acontece no verão. Estava pronto para um dia intenso de trabalho, porque era feriado de Carnaval e a praia ia estar cheia. Quando saí com a bicicleta, várias pessoas me contaram que a coisa estava feia no Sahy. Fui direto para o morro ajudar nos salvamentos."

O guarda-vidas Luan Zonato sobe morro para ajudar em salvamento após calamidade em Barra do Sahy, praia de São Sebstião (SP) - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Luan Zonato (à frente) sobe morro para ajudar em salvamento após calamidade no litoral norte de SP
Imagem: Arquivo pessoal

Do mar para a lama

Com a típica roupa amarela e vermelha, os salva-vidas da região formam um pelotão que se embrenha nas pirambeiras que cercam a Vila do Sahy (também chamada por moradores de Vila Baiana), o bairro mais atingido pelas chuvas e pelas quedas de barreiras. Vieram funcionários das praias da Baleia, Juquehy, Barra do Una e Camburi.

"Os bombeiros só chegaram no final do domingo, e eram no máximo quatro. Os moradores se enfiaram na lama para salvar os vizinhos porque não tinha outro jeito. Mesmo debaixo de chuva, e com ameaça de novos deslizamentos. A região estava ilhada", relata Luan.

O salva-vidas conta que já encontrou e transportou o corpo de cinco vítimas. Entre eles, Samuel de Lima Silva e seus dois filhos. Samuel era o faxineiro da Sabs (Sociedade Amigos da Barra do Sahy), mesma entidade da qual Luan é funcionário. "Foi péssimo reencontrar o Samuel daquele jeito. Doeu muito."

Aquela praia, como muitas em São Sebastião, reserva as áreas planas e perto da areia para as residências de alto padrão; do outro lado da rodovia Rio-Santos e perto dos morros, vive quem ganha a vida servindo a população itinerante e endinheirada de paulistanos e interioranos que veraneiam no balneário.

Grupo de salva-vidas de São Sebastião (SP) se alimenta em pausa no trabalho de resgate nos deslizamentos em Barra do Sahy - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Grupo de salva-vidas de São Sebastião está trabalhando no resgate nos deslizamentos em Barra do Sahy
Imagem: Arquivo pessoal

Milagre no deslizamento

"Tem dia que eu resgato cinco de uma vez. Às vezes, fica um mês sem nenhum salvamento. Afogamento não tem hora certa", descreve Luan, que nasceu em São Sebastião e desde os 18 anos trabalha como guarda-vidas.

Mas, para ele, nenhum resgate na água foi mais marcante que o de domingo passado. "Foi uma alegria no meio de tanta tristeza. Agradeci mais ainda a Deus quando vi um vídeo no celular do moleque caminhando no hospital. Foi um milagre."

Apesar de um corte na nuca, o menino está bem e internado em uma unidade da vizinha cidade de Caraguatatuba. Os pais estão entre as vítimas dos deslizamentos, mas um tio está acompanhando a recuperação dele.

Com pás, enxadas e baldes, Luan, junto com seus companheiros, estão agora atrás de um casal de amigos. "A chance de achar com vida é quase zero, mas estou com essa missão no terreno em que eles tinham a casinha deles."

Maior temporal da história

De acordo com o Cemaden (Centro Nacional de Previsão de Monitoramento de Desastres), os temporais que atingiram o litoral de São Paulo no fim de semana foram os maiores já registrados na história do país.

Ao todo, caíram 682 mm de chuva em Bertioga, 626 mm em São Sebastião, 337 mm em Ilhabela, 335 mm em Ubatuba e 234 mm em Caraguatatuba.

Até então, o maior acumulado diário da história havia sido registrado em Petrópolis (RJ). No ano passado, a cidade foi castigada com uma chuva de 530 milímetros em 24 horas. Com os deslizamentos e enchentes, morreram 241 pessoas.